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Lei nº 10.216 2001: finalidades da Reforma Psiquiátrica

7. SISTEMA DE DETERMINAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO

7.4 P ERICULOSIDADE

7.5.2 Lei nº 10.216 2001: finalidades da Reforma Psiquiátrica

Conforme visto no decorrer do presente trabalho, inúmeros acontecimentos práticos, legais e discursivos englobaram a temática da doença ou transtorno mental na tentativa em concluir de modo efetivo os alicerces para mudanças significativas nos modos de organização no tratamento ao doente mental e, consequentemente, incidência no instituto das medidas de segurança. O projeto128 da futura lei conhecida como ―reforma psiquiátrica ou antimanicomial‖ foi proposto pelo então deputado federal, Paulo Delgado, em 1989 e tramitou durante 12 anos no Congresso Nacional até a sua promulgação, em 2001129.

A lei nº 10.216 de 2001 redireciona a assistência em saúde mental a partir da proteção e direitos dos indivíduos portadores de transtorno mental de modo único em todo Brasil. Conforme anteriormente discorremos, inúmeros aparatos legislativos, jurídicos e administrativos de modo localizado em cada entidade estadual da federação foi posto em prática visando renovação no modelo assistencial anteriores

128 O Projeto de Lei 3.657, de 1989, depois de aprovado na Câmara dos Deputados em 1991, tramitou no Senado, e só em janeiro de 1999 foi aprovado.

129 A morosidade na aprovação da Lei é atribuída à complexidade do tema ao gerar inúmeros debates gerados por divergências de opiniões, objetivos entre grupos distintos: O primeiro grupo era composto aos que apostavam na perspectiva de Franco Basaglia: a liberdade terapêutica. Já o segundo grupo, se firmavam em conservadoras concepções: a periculosidade e a incapacidade como condições inerentes à loucura, o que fazia supor não ser possível a substituição do hospital psiquiátrico.

a presente lei 130, incluindo inserção dos doentes mentais ou portadores de transtornos mentais delinquentes.

O objetivo da lei é a garantia dos direitos do enfermo mental131 a partir da eficiência do aparato estatal desenvolvendo políticas de saúde mental atreladas à efetiva participação familiar e social (artigo 3º) para o bem estar dos portadores de transtorno mental, atendidas às necessidades especiais individuais para a imposição do tratamento específico, de preferência, extra-hospitalares. Por conseguinte, a internação será utilizada somente em casos que realmente seja imprescindível como último recurso para efetividade do tratamento (artigo 4º), cuja finalidade é a reinserção do paciente junto à sociedade (artigo 4º § 1º). Assim, ocorre a alteração do modelo asilar, constante no decreto-lei nº 24.559 de 1934, anterior à lei em vigor, para a desinstitucionalização132. Logo, a reforma psiquiátrica é considerada o resultado de ―maior maturidade teórica e política ao longo das ultimas décadas‖, devido ao aumento da consciência da sociedade (Amarante, 1996, 52).

A lei propõe modelo assistencial (artigo 5º) fundamentado num sistema variado de serviços junto à comunidade de modo integrado a diversos setores

130 Em Portaria nº 224 de 1992, O Ministério da Saúde incentivava o atendimento ambulatorial realizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Atenção Psicossocial.

131 Segundo Manoel Valente Figueiredo Neto e Lúcia Cristina dos Santos Rosa ―(...) nenhum dos direitos estipulados é novidade, todos estão previstos para as pessoas consideradas ―normais‖, fazendo parte dos seus direitos fundamentais, estipulados pela Constituição Federal. Porém, houve a necessidade da lei, por sinal muito oportuna, de abrir caminhos de mínima dignidade para os portadores, considerados por muitos como bichos.‖ FIGUEIREDO NETO, Manoel Valente; ROSA, Lúcia Cristina dos Santos. A periculosidade do portador de transtorno mental com a assunção da lei 10.216 de 2001: considerações jurídicas em torno das politicas públicas. Revista da AJURIS, ano 26, n. 75, set. 1999, Porto Alegre, p. 199.

132―No percurso da reforma psiquiátrica brasileira, houve um momento em que as denúncias sobre a precariedade da assistência psiquiátrica desencadearam estudos e trouxeram a público dados e informações de órgãos públicos como, por exemplo, do Ministério da Saúde, antes não valorizados, tais como número de leitos, custos e qualidade da assistência. Os dados do Centro de Informações de Saúde, do Ministério da Saúde, revelaram que em 1988, o número de leitos psiquiátricos representava 19,1% do total de leitos disponíveis em todo o país, percentual superado apenas pelos leitos de clínica médica, 21,6%‖. GONÇALVES Alda Martins; SENA Rosani Rosangela. A reforma psiquiátrica no Brasil: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Revista Latino-am Enfermagem, 2001 março; 9 (2) pp. 48-55.

(médico, jurídico, assistência social, terapeuta e familiar), visando a substituir aos Hospitais Psiquiátricos de Tratamento e Custódia. Tal sistema de integração é formado pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) 133, residências terapêuticas e centro de convivências. O CAPS tem a função em oferecer tratamento através de uma rede multidisciplinar134 a um determinado grupo, basicamente compostos por indivíduos que apresentam quadro clinico condizente a certa estabilidade que possibilite tratamento inserido no convívio social e familiar, sem a necessidade de isolamento. A proposta de tal modelo é admirável135, ainda mais quando constatamos que a maioria da população de portadores de transtornos mentais não carece de cuidados agressivos por meio da internação para estabilidade do seu quadro clínico. Igualmente, a sociedade precisa perceber a sua importância nos cuidados para melhoria na estabilidade dos sintomas gerados pelo transtorno mental e nos quadros de abstinência dos usuários de tóxicos ainda não afetados por qualquer sintoma de doença ou transtorno mental, apresentando o CAPS fundamento duplo. “O primeiro fundamento é a viabilização da atividade clínica focada na vida cotidiana da instituição, de modo a permitir o estabelecimento da

133 ―(...) dispositivo fundamental do modelo de atenção psicossocial substitutivo ao hospital psiquiátrico, ressaltando sua função estratégica de articulador da rede de serviços, e a necessidade de potencializar parcerias intersetoriais e de intensificar a comunicação entre os CAPS, a rede de saúde mental e a rede geral de saúde, contemplando as dimensões intra e intersetoriais.‖ SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONALDE SAÚDE. Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial. Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial: 27 de junho a 01 de julho de 2010. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2010., p.69.

134―(...) o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) (...) não se limita ou se esgota na implantação de um serviço. O CAPS é meio, é caminho, não fim. É a possibilidade da tessitura, da trama, de um cuidado que não se faz em apenas um lugar, mas é tecido em uma ampla rede de alianças que inclui diferentes segmentos sociais, diversos serviços, distintos atores e cuidadores.‖ YASUI, S. Rupturas e encontros: desafios da reforma psiquiátrica brasileira. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, p. 107.

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―O modelo preconizado pelo Ministério da Saúde é o atendimento em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e a desinstitucionalização dos pacientes de longa permanência entendidos como aqueles internados por período superior a um ano, por meio de projeto terapêutico voltado para a reinserção social.‖ Fonte: GT Saúde da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) / Ministério Público Federal. p. 1.

rede de sociabilidade” (Luzio, 2011, p.154). Já o seu segundo fundamento é o desenvolvimento de ações que gerem a autonomia ―dos usuários e maior abrangência da clientela, incentivando a participação da família136 e de outros segmentos sociais (Idem, p. 155).―

Entretanto, apesar da proposta salutar trazida pela lei e com certos avanços culturais e sociais, ainda requer inúmeros ajustes e investimentos para o alcance de inéditas vitórias no campo da saúde mental.

É de conhecimento geral a situação precária do sistema de saúde brasileiro, com a carência de profissionais especializados aptos a atender a todos os tipos de portadores de transtornos mentais, uma vez que muitos destes CAPS direcionaram seu atendimento aos psicóticos e dependentes químicos (Serafim & Barros, 2010, pp.26-27), além de muitos centros não possuírem número suficiente de funcionários em sua totalidade e a estrutura física precária, não acompanhando a demanda carente de cuidados específicos.

Portanto, como todos os grandes movimentos que geram impactantes transformações, a reforma psiquiátrica já alcançou significativas mudanças dentro do seu objetivo ao unir os mais diversos setores da sociedade e campo interdisciplinar de cuidado ao portador de transtorno mental, mesmo com grandiosos obstáculos a ultrapassar, como a estigmatização137 e certa falta prática da concretização, seja por motivos financeiros ou políticas divergentes, pelo poder estatal.

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―Para possibilitar a alta de pacientes para os quais a volta à família tornou-se impossível ou inadequada à reinserção social, foram criados os serviços residenciais terapêuticos (SRT). A fim de incentivar o retorno familiar, a Lei nº 10.708/2003 criou a possibilidade de pagamento de benefício assistencial mensal temporário de R$ 260,00 (Programa De Volta para Casa). Ainda no intuito de auxiliar a reinserção social, há programas de reinserção no trabalho e geração de renda.‖ O citado programa de incentivo também é aplicável aos indivíduos oriundos das medidas de segurança.‖ Fonte: GT Saúde da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) / Ministério Público Federal. pp 1-2.

137

―A legislação é necessária para prevenir a discriminação contra pessoas com transtornos mentais. A discriminação assume muitas formas, afeta diversas áreas fundamentais da vida e (quer de maneira aberta ou involuntária) é generalizada. A discriminação pode influir no acesso de uma pessoa a tratamento e atenção adequados, bem como em outras áreas da vida, como emprego, educação e abrigo. A incapacidade de integrar-se devidamente à sociedade como consequência dessas limitações pode aumentar o isolamento experimentado pelo indivíduo, o que pode, por sua