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MEDIDAS DE SEGURANÇA NO DIREITO COMPARADO

Cada país tem a sua cultura, crenças, concepções para legislar acerca dos inúmeros assuntos de importância e interesse na regulação de direitos e deveres, com intuito harmonioso nas relações sociais. O Direito Comparado nos obriga a pesquisar, analisar qual a forma de organização legislativa cada nação utiliza para alcançar, de modo consciente, os seus objetivos conforme cada assunto, problemática e finalidade da sanção.

4.1 Direito Penal português

Devido à queda da ditadura de Salazar em 1974, aniquilada em decorrência da Revolução dos Cravos, houve série crise e comprometimento das estruturas socioeconômicas portuguesas. Em 1976 foi promulgada a novel Constituição da República e, posteriormente, o novo Código Penal em 1982, fortemente influenciado pela doutrina finalista germânica (D‘Urso, 1993, 177). Após 12 anos da entrada em vigor do Código Penal lusitano, o diploma foi alvo de duas reformas: a primeira ocorreu em 1994, pela Lei nº 35 de 1994; a segunda, bem próxima, em 1995 decorrente do Decreto-Lei nº 98 de 1995.

Da aplicação das medidas de segurança a Constituição da República portuguesa encontra-se consagrada, pelo principio da legalidade, no artigo 29 e nos artigos 1º e 2º do Código Penal. Destacando que a medida de segurança é aplicável apenas a estados de periculosidade embasada nos requisitos previstos em norma anterior. Entretanto, o principio de aplicação da lei ao réu é vigente e imediatamente utilizado no caso concreto, assim como a proibição da retroatividade de norma criminalizadora ao fato posterior a declaração de periculosidade do criminoso e da norma que determine medida de segurança mais benéfica ao delinquente (Antunes, 1998, 24-25).

Em relação às medidas de segurança, o Código estabeleceu a divisão em privativas de liberdade e não privativas de liberdade. As primeiras constam nos artigos 91 a 99 da lei penal, do modo a seguir: artigo 91(pressupostos de internação e duração mínima), artigo 92 (trata da cessação, limite e prorrogação da internação), artigo 93 (dispõe acerca da situação do internado), artigo 94 (trata da liberdade

experimental), artigo 95 (revogação da liberdade experimental) artigo 96 (trata do reexame de internamento), artigo 97 (substituição de internação por expulsão do território nacional para inimputáveis estrangeiros), artigo 98 (suspensão da execução) e artigo 99 (dispõe da execução das medidas de segurança privativas de liberdade). As medidas de segurança não privativas de liberdade constam nos artigos 100 (dispõe acerca da interdição de profissão) e 101 (trata da cassação de carteira de habilitação).

Condiz verificar algumas particularidades das medidas de segurança para aplicação do instituto no direito penal lusitano. A primeira delas é a estipulação do prazo mínimo de duração de três anos se o fato corresponder a crime com pena superior a cinco anos; já o prazo máximo de aplicação da medida de segurança não poderá ultrapassar o limite da pena do crime correspondente praticado. O artigo 99, 1, dispõe ―A medida de internamento é executada antes da pena de prisão a que o agente tiver sido condenado e nesta descontada.‖ Apresenta cumulação de imposição estatal, mesmo adotado o sistema vicariante pelo ordenamento penal português. Porém, para Figueiredo Dias, a prática da aplicação de pena para uma ação que gera um determinado delito e medida de segurança para outra ação, do mesmo indivíduo, na qual tenha praticado sob influência de neurose, por exemplo, estarão em harmonia e não afetarão o monismo do sistema60 por não ocorrer cumulação da pena com medida de segurança (Dias Figueiredo, 2007, 100-101), sendo cada uma aplicável ao seu tempo: primeiro a medida de segurança, para estabilidade e discernimento psíquico do réu, e a pena.

4.2 Direito Penal espanhol

A partir da Ley de los Vagos y Maleantes, 1933, na qual a sua denominação foi modificada para Ley de Peligrosidad y Rehabilitaciónn Social61, 1970, foi

60 Desde a Reforma Prisional, o sistema penal português segue a tendência monista devido à consagração da pena relativamente indeterminada ao pretender ―assegurar tanto a punição como a realização do fim de prevenção social, mediante a ressocialização dos delinquentes (arts. 83.º a 90º).‖ SILVA, Germano Marques da. Direito Penal português – parte geral. Lisboa: Verbo, 1997, p. 68. 61A lei de 1970 dispunha acerca das medidas de segurança pré-delitivas, alicerçadas na periculosidade social, foram consideradas inconstitucionais frente ao principio da legalidade previsto

verificada toda a evolução das medidas de segurança até o Código Penal espanhol em vigor datado de 1995.

As medidas de segurança espanhola possuem duas espécies, as privativas de liberdade e as não privativas de liberdade, previstas no Título IV, Livro I, Código Penal de 1995, artigos 95 a 104.

As medidas privativas de liberdade somente são aplicadas em casos extremos que demonstrem imprescindibilidade para tal restrição de liberdade do indivíduo para tratamento, seguindo os ditames dos artigos 101, 102 e 103 do referido código espanhol. As medidas de segurança privativas de liberdade são divididas: internação em centro psiquiátrico (artigo 96, 2, 1º); internação em centro de desabitualização (artigo 96, 2, 2º); internação em centro de educação especial (artigo 96, 2, 3º). Por sua vez, as medidas não privativas de liberdade compreendem: proibição de residir em certos lugares (artigo 96, 3, 1º); proibição de condução veículo automotor e ciclomotor artigo 96, 3, 2º); privação do direito ao porte de armas artigo 96, 3, 3º); inabilitação profissional artigo 96, 3, 4º); expulsão do território nacional dos estrangeiros não residentes (artigo 96, 3, 5º).

A duração das medidas de segurança está prevista no artigo 6º no qual prevê a limitação do instituto à pena abstrata prevista ao fato praticado, não resultando as medidas de segurança mais gravosas e de maior duração que a pena prevista abstratamente. O prazo mínimo, como aplicado ao instituto em nosso ordenamento pátrio, é conforme o quadro evolutivo do tratamento com a finalidade da cessação da periculosidade delitiva.

na Constituição espanhola. A sua inconstitucionalidade é na aplicação de tais medidas pré-delitivas a indivíduos que não haviam praticado delitos e não havia qualquer constatação de periculosidade criminal, apenas aplicavam tal medida aos considerados ameaças a paz social, como os ébrios, toxicômanos, vadios. Posteriormente, devido ao apelo doutrinário, o Tribunal Constitucional espanhol passou a admitir as medidas de segurança somente após a prática delitiva. Coadunamos do entendimento de Heleno Cláudio Fragoso a respeito das medidas de segurança pré-delitivas, o autor percebe a tentativa do legislador em atribuir a lei função de resolução dos problemas sociais ao ―reprimir a periculosidade pré-delitual através da aplicação de medidas privativas da liberdade (que, em alguns casos, podem ir até cinco anos), por autoridades policiais ou administrativas.‖ FRAGOSO, Heleno Cláudio. O Direito Penal comparado na América Latina. Revista de Direito Penal, p. 24.

4.3 Direito Penal alemão

O diploma penal germânico é datado de 1871, passível de reforma em 1998, é a atual regulação do sistema das medidas de segurança62·, constante no Título VI – Medidas de Correção e Segurança.

As medidas de segurança previstas no ordenamento alemão são: internação em hospital de psiquiátrico (§ 61,1); internação em estabelecimento de desintoxicação (§ 61, 2); internação em estabelecimento de custódia e segurança (§ 61, 3); vigilância de autoridade (§ 61, 4); cassação de permissão de conduzir veículo automotor (§ 61, 5) e proibição de exercício de profissão (§ 61, 6).

As medidas privativas de liberdade, de modo geral, não possuem prazo limite para seu cumprimento, somente suspensas ou finalizadas quando cessada a periculosidade delitiva. Todavia, nos casos de internação em estabelecimento de desintoxicação, a lei determina o prazo máximo de 02 (dois) anos, conforme previsto no § 67, d, I. Já o § 67, d, III estabelece o prazo de 10 (dez) anos para primeira internação estabelecimento de custódia e segurança. Apesar das duas exceções referidas que contém prazo máximo para cumprimento das medidas de segurança, o § 62 prevê o principio da proporcionalidade dispõe que medida e correção somente serão aplicadas quando proporcionais com o ato praticado pelo autor ou dele esperadas, também atribuídas ao seu grau de periculosidade.

Por fim, o Código Penal alemão utiliza o sistema de dupla via: penas e medidas de segurança, também adotado pelo Direito penal lusitano.

4.4 Direito Penal italiano

A primeira nação a codificar a sistematização das medidas de segurança no Mundo e que serviu de modelo para o instituto das medidas no Brasil. Em 1930, o Código Penal italiano sistematizou e promulgou, conforme visto no presente

62 Antes da reforma de 1998, o Código penal de 1871 não previa as medidas de segurança, apenas houve sua menção no anteprojeto de 1909 para proteção da sociedade e do delinquente. Em 1933 foi promulgada lei que tratava de medidas de correção e segurança em face dos delinquentes habituais e perigosos. Entre tais medidas ―corretivas‖ e de proteção social havia a castração. Tais medidas perduraram até 1946, quando foram abolidas. D‘URSO, Luiz Flávio. Op. cit. pp. 115-116.

trabalho, as medidas de segurança italianas tiveram forte inspiração da Escola Positiva ao substituir responsabilidade pela periculosidade.

Ocorre uma discussão acerca da natureza das medidas de segurança no ordenamento jurídico italiano, consideradas de caráter jurisdicional ou administrativo. Tal dilema teve inicio a partir da denominação do Título VIII do Código Penal, das medidas administrativas de segurança. Ferrajoli defende que as medidas de segurança pertencem à alçada das medidas administrativas de policia, uma vez que renegam todas as funções de garantias, tais como retribuição, estrita legalidade e estrita submissão à jurisdição (Ferrajoli, 2014, 719), discordamos do autor em termos. A execução das medidas de segurança é cabível sim à esfera administrativa, porém a sua determinação e acompanhamento são a cargo do Poder Judiciário. Quanto à retribuição, as medidas de segurança têm finalidade terapêutica, de tratamento ao doente delinquente.

As medidas de segurança italianas são disciplinadas do artigo 199 a 240, divididas em medidas de segurança pessoais (detentiva e não detentiva) e patrimoniais. As medidas detentivas dividem-se: outorga à colônia agrícola ou casa de trabalho (artigos 216 a 218); asilo em casa de tratamento ou custódia (artigos 219 a 221); manutenção em hospital psiquiátrico (artigo 221) e encaminhamento a reformatório judiciário (artigos 223 a 227). As medidas não detentivas são: liberdade vigiada (artigos 228 a 232); proibição de estada em um ou mais município ou Estado (artigo 233); proibição de frequentar bares (artigo 234); expulsão de estrangeiros do país (artigo 235). Por fim, as medidas patrimoniais consistem em caução de boa conduta (artigo 237 a 239) e o confisco (artigo 240).

Quanto aos prazos de duração das medidas de segurança, o prazo mínimo é de um ano, conforme disposto no artigo 217. Porém, ocorrem algumas exceções de alteração do prazo de 02(dois) anos para o criminoso habitual e de 04 (quatro) anos de duração mínima para o criminoso por tendência.

5. PRINCÍPIOS PENAIS E CONSTITUCIONAIS INERENTES ÀS MEDIDAS DE