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3.3 IMPUTAÇÃO OBJETIVA POR CLAUS ROXIN: ASPECTOS GERAIS

3.3.2 Conclusões preliminares

De se ver que a tentativa de inserção da conduta da vítima não é mérito exclusivo da tendência vitimodogmática. Claus ROXIN foi um dos penalistas pioneiros no desenvolvimento de uma opção dogmática ao comportamento da vítima, tendo boa aceitação ao redor do mundo pela doutrina e jurisprudência. Para ele, o comportamento da vítima adquire importância para o juízo de imputação na medida em que se localiza como um terceiro escalão da imputação objetiva do resultado, ou seja, após constatada a criação do risco proibido que se realiza no resultado e esteja inserido no âmbito de proteção da norma, de cuidado violada, analisa-se o chamado alcance do tipo331. Nessa esfera, diferencia-se autocolocação, heterocolocacao e situações em que se deve atribuir o resultado a um âmbito de terceiro. Não sendo este último objeto desta análise.

Para explicar os casos de autocolocação em perigo dolosa, ROXIN parte do ordenamento jurídico alemão, notadamente, da inexistência de punibilidade nos casos de participação ao suicídio, o que implica dizer que não é punível aquele agente que efetivamente participa na conduta da vítima de se autolesionar ou mesmo matar-se. Impossível se faz sua punição, pois o alcance do tipo não chega a tais casos.

A participação em uma autocolocação em perigo é uma situação em que a vítima é personagem central; já a heterocolocação em perigo consentida ocorre quando o autor continua a ser personagem central, atuando a vítima em mera concordância com a atividade por ele realizada. Tal situação abrange casos em que não é a própria pessoa quem se coloca dolosamente em perigo, mas se deixa colocar em perigo por outrem tendo consciência do risco332.

Sob o prisma político-criminal, na visão roxiniana a impunidade geral nos casos de heterocoloção em perigo consentida não se mostra muito aconselhável. Isto porque a situação não é dominada pela vítima, esta, muitas vezes, indefesa em relação ao agente. Diante disso, defende-se em cada caso realize-se uma valoração normativa absolutamente distinta no sentido de atribuir a efetiva responsabilidade do agente.

Em que pese a proposta de distinção com base na teoria da autoria ou participação seja a tese dominante em termos de tratamento a ser atribuído à conduta da vítima333, ela não fica isenta de críticas. A principal expõe que a mera diferenciação entre os dois grupos de casos não pode ser considerada como ponto de partida para uma construção dogmática,

331 ROXIN, op.cit., nota 181, 2002 p.352 e SS. 332 ROXIN, op.cit., nota 181, 2002, p.367.

configurando seu ponto de chegada, a conclusão advinda de uma necessária fundamentação. A premissa que parte ROXIN, falta de previsão para punição de uma participação em suicídio, não prospera nos ordenamentos que possuem tal proibição, como o brasileiro, espanhol e português334.

Entretanto, impende fixar em mente que o passo decisivo em toda essa evolução da teoria em descortino consiste na ênfase ao controle efetivo da situação do risco (do processo causal) para a imputação. Isso representa que o essencial, doravante, para atribuição do tipo objetivo consiste na atribuição do resultado de lesão do bem jurídico ao autor, como obra dele335.

De se atentar, ainda, que há toda uma renovação da sistemática do delito, sobressaindo-se o caráter dinâmico de seus componentes. Nessa raia, revisou-se a idéia de tipo, cujo conteúdo passa a integrar a descrição do sujeito ativo, de uma ação típica e do resultado punível, havendo, ainda, uma subdivisão entre elementos descritivos (os que revelam processos naturais e anímicos cognoscíveis) e os normativos (que consideram o âmbito de proteção da norma). Frisa-se que é nesse juízo de tipicidade que ROXIN implanta sua idéia de exclusão da imputação do resultado ao agente, inversamente aos doutrinadores refratários que empregam causas de justificação para negar a antijuridicidade da conduta e aferir a responsabilidade penal.

Chegou-se, por intermédio de uma nova metodologia de análise e de delimitação do alcance do tipo objetivo, ao entendimento do tipo objetivo tanto a partir do materialismo da relação causal, como pela adicional agregação da causalidade normativa336, através da fixação de critérios norteadores, dentre os quais se evidenciou o comportamento da vítima ─ à margem do alcance do tipo, uma vez que a norma penal não objetiva a vedação ou mesmo punição de terceiros por autocolocações em situações de perigo – de modo voluntário e conscientemente direcionado na criação do risco ou lesão ao seu bem jurídico ou no sentido de consentir para que outrem o faça.

334 Ver, ROXIN, op.cit., nota 284, p. 387-389; já GRECO não vê razão em diferenciar a criação do risco para si e o consentimento para que outrem crie o risco, já que aduz que em ambos se espera a exclusão da imputação, pois a vítima agiu espontânea e livremente na criação do risco para si própria (Cf. Ibid., p. 119).

335 SANTOS, Juarez Quirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 57. 336 Nesse sentido, leciona Maurach (s.n. apud STIVANELLO, Gilbert Uzêda. Teoria da Imputação Objetiva. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/numero22/artigo10.pdf. Acesso em: 7 fev. 2006) que para a teoria da imputação objetiva do resultado “a causalidade somente é a condição mínima; a ela deve agregar-se a relevância jurídica da relação causal entre o sujeito atuante e o resultado. Portanto, a investigação da causalidade tem lugar em duas etapas, estruturadas uma sobre a outra, enquanto em primeiro lugar deve ser examinada a causalidade (empírica) do resultado e, se afirmada que ela seja, a imputação (normativa) do resultado”.

Isso tudo representou que, para ROXIN, só haverá imputação ao agente do resultado como obra sua quando aquele cria o risco não permitido objeto da ação, quando o risco se realiza no resultado concreto ou se esse resultado encontra-se no alcance do tipo. De modo adverso, o resultado não poderá ser imputado ao agente se: provém de um risco permitido ou de uma ação do agente no sentido de diminuir o risco não permitido; o risco não-permitido não se realiza no resultado concreto; e o resultado está fora da esfera de proteção normativa, como as que considera as situações de interferência vítimal.

Extrai-se, em suma, como finalidade da imputação objetiva a análise do sentido social de um comportamento, precisando se este se encontra, ou não, socialmente proibido e se tal proibição se mostra relevante para o direito penal. Portanto, para que ocorra a imputação objetiva será necessária, além da causalidade natural, a verificação da criação de um risco jurídico penalmente relevante, imputável no resultado e alcançado pelo fim de proteção do tipo penal.