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3.3 IMPUTAÇÃO OBJETIVA POR CLAUS ROXIN: ASPECTOS GERAIS

3.3.1 Critérios norteadores da teoria da imputação objetiva

3.3.1.2 Vitimodogmática e a autocolocação da vítima de crime em risco

Não obstante a inserção da autocolocação esgrimida como elemento da imputação objetiva por ROXIN, insta assinalar o enfoque vitimodogmático atribuído por alguns autores, em especial por SCHÜNEMANN, ao instituto ora perscrutado.

Os que defendem a autocolocação sob o prisma vitimodogmático alegam que por meio do movimento vitimológico as disciplinas jurídico-penais chegaram a reflexões incontestáveis326 acerca do papel interativo da vítima e sobre seus reflexos na dogmática penal. Isso demonstra que a vitimodogmática promove avanço ímpar ao direito penal por almejar espaço dogmático para a vítima, sugerindo na pauta doutrinária e jurisprudencial de discussão, uma admissão, não global e acrítica de todos os seus princípios vitimológicos, mas construtiva e bastante trabalhada: interpretando-os na sistemática do delito de modo a melhorar as concepções da dogmática jurídico-penal, sobretudo, de valoração dos atos praticados pela dupla relacional (vítima e autor), propiciando adequada distribuição da justiça,

326 Passa-se a refletir, em cima da consideração da vítima relacional e da precipitação vítimal, acerca da disponibilidade dos bens jurídicos, da abrangência da figura do consentimento em situações não só de risco mas da aquiescência com o próprio resultado lesivo e da própria função protetora do direito penal (de suas normas) em si.

menos sobrecarga ao autor, via exclusão da tipicidade ou da ilicitude, nos casos de autocolocação.

SCHÜNEMANN, por sua vez, expõe como proposta, de linha radical, a inserção dos princípios vitimológicos de re-interpretação da possível participação da vítima no crime (tais como a vítima relacional e a precipitação vítimal), preservando a legalidade e incitando o exame da necessidade de tutela penal e do nível de proteção do bem jurídico que recai no titular do bem. Supõe, para tanto, uma especial interpretação do princípio da subsidiariedade, como parte da ultima ratio, e em favor da descriminalização moderada, pela qual se cede parte da faculdade protetora do direito penal ao indivíduo. Cria-se, em ocasiões restritas, deveres de autotutela, excluindo, possivelmente, atribuições excessivas dos atos delitivos ao autor ou eximindo-lhe de pena. Nessa vereda, afigura-se como bastante operativo o estabelecimento de um conceito de vítima potencial para se estabelecer marcos comparativos entre o nível de proteção dessa vítima e o da vítima que integra a realidade ocorrida327.

Lembra o mesmo autor que o sentido vitimodogmático não busca uma culpabilização da vítima, já que considerar seu comportamento como critério de medição de pena é absolutamente diverso de tomar os resultados da precipitação vítimal como fator co- responsabilidade da vítima criando critérios supra-legais de atipicidade. Requer uma interpretação diversa do princípio da subsidiariedade, ou seja, que desconsidere “confiança insensata” da vítima e entenda que o caráter da ultima ratio implica na não intervenção penal do Estado quando há meios menos gravosos de proteção ao bem, dentre esses, conta-se com deveres de autotutela. Portanto, trata-se de dar ao princípio da subsidiariedade o viés do princípio autoproteção vítimal, de criação vitimodogmática, justificando-se a atipicidade da conduta328.

Assim, trata-se de examinar o nível de proteção do bem jurídico e a responsabilidade com relação à proteção do bem jurídico que depende diretamente da vítima. Procura-se estabelecer padrões de medidas protetoras ao titular do bem jurídico, cuja dispensa redunda na não-intervenção do direito penal. Logo, coloca-se o princípio da subsidiariedade em clara dependência das possibilidades individuais de proteção329.

Sabe-se que a intelecção sobrescrita é de difícil concreção, uma vez que a tarefa legislativa de estar a todo tempo construindo mantos protetores ao redor do bem jurídico

327 APUD GRECO, op.cit., nota 167, p. 113. 328 Ibid., loc.cit..

329 Percebe-se que essa margem de possibilidades individuais de proteção seria delimitada pela fixação de critérios normativos mínimos, o que pressupõe, por seu turno, o reconhecimento do próprio princípio da autoresponsabilidade do indivíduo pela dogmática jurídico-penal.

pressupõe acompanhamento contínuo da evolução dos próprios graus de ataques e perigo aos bens, os quais crescem e se reproduzem numa velocidade bem maior que a possibilidade de determinação do tipo e da quantidade de perigo diante da qual o titular do bem deve revidar por parte do legislador para cobrir essas vias de proteção.

Ainda, deve-se atentar que na determinação do perigo, constitui-se como um de seus principais fatores e óbice a freqüente convivência social, já que nesta verifica-se que as impossibilidades de autotutela em exponenciais e não lineares, isto é, evidencia um campo de afetação ao bem jurídico impreciso. Desse modo, complexo se torna estabelecer a natureza da co-relação entre a intensidade do perigo e a possibilidade de autoproteção, pela via da determinação geral e abstrata de intensidade de perigo a qual um bem estaria submetido330.

Por outro lado, os adeptos da perspectiva radical vitimodogmática afirmam que se deve aplicar a determinação concreta e fática, de lege lata, do instituto na tipicidade, ou seja, entendê-lo como mais um elemento a ser considerado no âmbito normativo de tutela do bem, paralelamente, portanto, à qualidade deste e qualidade do ataque desferido ao mesmo, pois o ápice da questão situa-se, em verdade, na interpretação do princípio da autoresponsabilidade pelo método teleológico na determinação do âmbito de proteção do tipo, evidenciando o que nele não vem explícito.

D’outra sorte, crê-se que a participação da vítima deve ser considera sob uma perspectiva vitimodogmática moderada. Isso implica na aceitação da conduta vítimal dentro da análise etiológica do crime, como possível geradora da atenuação da pena ou até da tipicidade nas específicas situações estudadas, porém dispensando-a como norte interpretativo constante para toda a teoria do delito. Justifica-se tal ponderação pela crença de que a função protetora do direito penal (incluindo seus princípios de política-criminal) não sucumbe às expectativas autoprotetoras do titular do bem jurídico.

A partir disso, acredita-se que se deve procurar refletir sobre o consentimento, indagando-se quanto à sua extensão conceitual (se válido seria entendê-lo amplamente na autocolocação, no sentido de que este abarque inclusive a própria concordância ao resultado lesivo) e quanto ao reconhecimento da capacidade do indivíduo de disposição sobre sua própria vida e sobre a margem de manobra a respeito de seus próprios bens jurídicos. Acredita-se, pois, que somente adotando-se tal postura crítica ─ de estudo ao comportamento da vítima em conjunto com o do autor ─, obter-se-á uma visão completa dos fatos e se atingirão os fins de distribuição da justiça.

330 Op.cit., p. 113-113, nota 12.