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CONCLUSÕES PROVISÓRIAS

No documento A liberdade de profissão (páginas 116-118)

LIBERDADE DE PROFISSÃO E LIBERDADE DE EMPRESA

7.3. CONCLUSÕES PROVISÓRIAS

7.3.1. Pois bem, tentámos demonstrar que o constituinte valorou mais a “profissão” do que a “empresa”, por ter considerado a primeira um ins- trumento mais importante na realização do direito à vida e à felicidade (fazendo apelo à ingénua redacção da constituição americana), e por ser ela ainda, em si mesma, menos susceptível de lesar o interesse colectivo; ou, dito de outro modo, procurámos demonstrar que o constituinte subtraiu a empresa do círculo de manifestações da personalidade mais protegidas porque mais atinentes do que a mesma “empresa” à ideia de dignidade da pessoa humana, suprema matriz da ordem constitucional.

Sendo pensável, pois, a “empresa” como “profissão” do empresário (e como tal protegida, como acontece, por exemplo, com o art. 12, n.º 1, da Constituição alemã), por ser tal manifestação individual “atribuível ao círculo potencial e expansivo do direito” (343), a nossa Constituição coloca-a

fora não, claro está, da protecção constitucional, mas certamente do âmbito

preceptivo do específico direito consagrado no art. 47.º, n.º 1, CRP.

7.3.2. Mas com o aprofundamento dos conceitos de “profissão” e de “empresa” não resolvemos o nosso problema (344), pelo que nos vemos for-

çados a levantar algumas perguntas: não entram afinal todas estas consi- derações no jogo de ponderações a que obriga o art. 18.º, n.º 2, CRP caso a caso, quando em concreto se tenha que averiguar a proporcionalidade das restrições a qualquer actividade económica individual?

E mesmo quando o legislador afaste explicita ou implicitamente a possibilidade do exercício liberal (individual) de uma determinada activi- dade (levantando-se a questão da correspondência de tal actividade com uma (342) Nesse sentido, ver MARIANOBAENA DELALCAZAR, Los colegios profesionales

en el derecho administrativo español, Madrid, 1968, p. 28-29.

(343) MANUELAFONSOVAZ, Lei…, cit., p. 317.

(344) Não julgamos, de resto, muito produtivas para resolver o quebra-cabeças da distinção entre uma liberdade de empresa e uma liberdade de profissão (sabiamente evitado pelo constituinte alemão), minúcias conceptualistas claramente desadequadas, aliás, à con- figuração histórica, natureza e grau de abstracção destas liberdades supremas.

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imagem socialmente consolidada de profissão (345)), não se resumirá tal ope-

ração, afinal, a uma averiguação da adequabilidade do tipo de restrições que de qualquer modo acabam por incidir sobre um único e mesmo objecto, isto, é, sobre a actividade económica individual assente no princípio da auto- nomia privada, protegida então indiferentemente quer pelo art. 47.º, n.º 1, quer pelo art. 61.º, n.º 1, CRP?

Enfim, não acontece por isso que sujeitando-se sempre tais requisitos legais ao regime do art. 18.º, n.º 2, CRP, e nomeadamente às exigências, para além da proporcionalidade em sentido estrito e da necessidade, ainda da adequabilidade, se torna indiferente a qualidade ou natureza da activi- dade afectada, por sempre se poder chegar ao mesmo resultado, despindo-se de efeitos práticos, face àquele regime, o desdobramento da liberdade económica operado pelo constituinte?

Para além da dificuldade que por si só representa o recurso a critérios materiais para distinguir a “empresa” da “profissão” exercida em regime liberal, terá ainda utilidade, pois, excluir a actividade empresarial do âmbito de aplicação do art. 47.º, n.º 1, CRP (ou vice-versa: excluir as profissões independentes do âmbito de aplicação do art. 61.º, n.º 1, CRP)?

À partida, assim parece ser. Os preceitos consagradores da liberdade de profissão e da liberdade de empresa sugerem a imagem de dois cír- culos concêntricos mal definidos, sem uma diferença qualitativa entre si, constituindo um e outro barreiras de protecção da liberdade individual de actuação na economia. Só teríamos por seguro, pois, que o círculo menor (liberdade de profissão) seria mais dificilmente transponível pelos poderes públicos, e o maior (liberdade de empresa) o menos fortificado (346), por

abranger já o domínio por excelência das organizações económicas, a cujo interesse subjacente — o interesse conjunto dos seus directores, promoto- (345) Com recurso, como vimos, a um critério material para distinguir verdadeiras pro- fissões comerciais das actividades próprias de organizações empresariais, “descartáveis” do exercício individual.

(346) Pode haver condicionamentos recíprocos das restrições legais a uma e outra liberdades. A empresa é hoje, afinal, o genérico pressuposto da profissão (rectius, uma con- dição material de exercício da maioria das profissões modernas): há pois um dependência prática, da liberdade de profissão relativamente à liberdade de empresa; e a situação inversa: a dependência da efectivação da liberdade de empresa (designadamente no se refere à outorga da autorização de funcionamento da empresa) da verificação da condição de estas estarem encabeçadas por profissionais sujeitos a uma habilitação pública (profissões pro- tegidas de administrador ou director técnico de empresas que operem num determinado sec- tor condicionado da economia).

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res e restantes agentes — corresponderia uma tutela menos intensa. Tratar-se-ia, pois, de uma simples questão de profundidade, tecnicamente abarcável por um só direito.

Mas também não deixa de ser um facto, confirmado pela 2.ª revisão constitucional, que o constituinte quis proporcionar um tratamento dife- renciado, não destituído de consequências práticas, consoante estivesse em jogo a profissão de uma pessoa, de cada pessoa individual, ou a liberdade de criar uma empresa e a subsequente liberdade institucional desta. É que no primeiro caso o interesse de referência, podendo não ser substancialmente diferente, sempre merecerá uma protecção mais intensa e premente do ordenamento jurídico, por estar directamente em causa a subsistência do indivíduo. E não só: também a própria actividade em si mesma conside- rada, por ser personalizada (de crescimento improvável, atenta a expe- riência social, ou mesmo proibido, como é o caso das profissões intelec- tuais protegidas), é por definição menos susceptível de lesar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (347).

A resposta a estas questões, que terá de partir dos pressupostos enunciados, é assunto que nos vemos forçados a remeter para a análise da distinção entre a liberdade de escolha e a liberdade de exercício de profissão, e da questão, com esta conexa, do “conteúdo essencial” desta específica liberdade.

CAPÍTULO VIII

No documento A liberdade de profissão (páginas 116-118)