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O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DA PROFISSÃO

No documento A liberdade de profissão (páginas 113-116)

LIBERDADE DE PROFISSÃO E LIBERDADE DE EMPRESA

7.2. O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DA PROFISSÃO

7.2.1. Enfim, a “profissão” não tem um estatuto constitucional explí- cito. Mas nem por isso deixa de ser possível deduzi-lo dos princípios (constitucionais) aplicáveis.

Poderemos começar por sublinhar que, em contrapartida (do que ficou dito sobre a actividade empresarial), a profissão, enquanto exercício da liberdade de estabelecimento, consubstancia uma prestação de serviços profissionais em regime independente sem a intermediação de uma empresa em sentido económico — excluindo, pois, material e as mais das vezes for- malmente (jurídicamente) a "empresa" como forma hoje típica de organi- zação da produção. Por isso os chamados "serviços profissionais" se limi- tam a assumir um relevo marginal ou residual no sistema sócio-económico, não o caracterizando.

mica que divide entre nós jusprivatistas e juspublicistas sobre a subsistência do jus aedi-

ficandi, na aceitação aparentemente quase generalizada da constitucionalidade da expressa

inexistência de indemnização na servidões non aedificandi que decorram de lei.

É intuitivo que tão vagos cenários (e alguns já de duvidosa admissibilidade no que àqueles outros direitos fundamentais se refere) não podem deixar de se considerar intrans- poníveis, por analogia, para o âmbito da liberdade de trabalho e profissão. Parece não se justificar aqui, do mesmo modo, a existência de um meio termo, ou de zonas de indefini- ção, de que o legislador ordinário se possa servir, quando (e tomando como referência um qualquer valor acolhido pela constituição) resolva entender que uma actividade humana que se possa qualificar no seu todo como "profissão" tenha que ser restringida. Mas, como já dissemos, tentaremos chegar a conclusões seguras mais adiante.

(337) Referimo-nos às chamadas “medidas de prevenção”, na terminologia da doutrina italiana.

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Haverá que sublinhar, pois, que o profissional que exerça a sua acti- vidade em regime independente, ainda que disponha de uma organização ao seu serviço, não se subsume por isso à fattispecie "empresa" e corres- pondente "actividade económica" (campo próprio de actuação da empresa). A natureza individual da actividade profissional, que se mantém ainda que exercida em regime liberal, significa a existência de uma ligação pessoal

e directa (sem intermediações) entre o profissional e os seus clientes (338).

Por essa razão, é secundário o papel da organização que assessore o profissional em regime de trabalho autónomo (nomeadamente dos empre- gados e auxiliares), não ocorrendo uma cisão entre a "titularidade" e a "gestão" da organização. Não se desenvolve, pois, sob o impulso do pro- fissional, uma estrutura que funcione por si mesma, cujo funcionamento se processe sem a predominância da prestação individual daquele; constitui o seu trabalho, pois, o cerne insubstituível dos serviços profissionais forne- cidos a terceiros (339) (340). Nas palavra de JORGEM. COUTINHO DEABREU,

(338) Ou seja, dá-se a impossibilidade prática da emergência de uma organização hierarquizada (em função de um labor colectivo), com um potencial ilimitado de crescimento, que separe o profissional dos seus clientes — de uma organização alicerçada em recursos humanos heterogéneos, que desse modo proporcione ao seu "titular" um poder (social e económico — e emanado do vértice do "pirâmide") sobre (um número relevante de) homens, e susceptível de por si só influir (directamente) na configuração do tecido econó- mico e social da comunidade e/ou nos interesses primordiais do próprio Estado.

Ao invés, com a empresa dá-se uma cisão funcional (ainda que o mesmo indivíduo acumule ambas as posições) entre o gerente ou administrador (simples profissional) e o pro- prietário (mero titular, agora, de uma posição jurídica estática).

(339) Nas palavras de JORGEM. COUTINHO DEABREU, a “ ‘eficiência do escritório’ depende basicamente do respectivo profissional liberal” — pelo que, não sendo sequer qualificável como estabelecimento, não é líquido sequer que com a venda de um escritó- rio se transmitam os contratos de trabalho dos mesmos empregados e auxiliares para o adquirente (o autor acaba, contudo, por se pronunciar positivamente quanto a este ponto —

Da empresarialidade…, p. 106).

(340) Note-se que este desenvolvimento da "ideia” de profissão, que parte, essen- cialmente, da autonomia do profissional (em contraponto à posição do empresário e à rea- lidade empresarial), não se esgotando com eles, deve muito aos tradicionais regimes (publi- císticos) das profissões protegidas, que ao consagrar a sua autonomia jurídica, proíbem e assim impedem "artificialmente", com a chamada "reserva legal de profissão", a ocorrência da mudança qualitativa de uma actividade (inicialmente) configurada pela tradição e pela expe- riência social como profissional (mudança de "imagem": transformação material da uma acti- vidade profissional em actividade empresarial). Contudo, aqui a tradição legislativa é antes de mais causa (material) de uma autónoma protecção constitucional (a do art. 47.º, n.º 1, CRP) de profissões individualizadas ou individualizáveis por essa via, isto é, não como profissões protegidas, mas tão só como "profissões" (materialmente individualizáveis).

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“os escritórios, consultórios, estúdios dos profissionais liberais não cons- tituem empresas”, aí avultando “a pessoa dos profissionais (…), não um objectivo complexo produtivo; o conjunto dos instrumentos de trabalho não têm a autonomia funcional nem identidade própria, não mantém idên- tica “eficiência” ou “produtividade” na titularidade de terceiro (…); a acti- vidade do sujeito exaure praticamente o processo produtivo (de prestação de serviços)” (341).

E terá que ser distinto por isso, enfim, o posicionamento constitucio- nal do Estado social e intervencionista face a uma e outra realidades. O princípio regulador das profissões é pois, neste caso, o da neutralidade — neutralidade do Estado social e intervencionista, mas só beligerante nos confrontos sociais e interventor na economia.

7.2.2. Parece manter-se, pois, um princípio de máxima liberdade (só legislativa e administrativamente limitável pelas clássicas razões de ordem pública, conforme, aliás, sugerem os próprios termos do inciso autorizatório do art. 47.º, n.º 1, CRP),. por ser a profissão, em si mesma considerada, uma actividade socialmente independente. E a exigência de neutralidade será tanto mais evidente quanto maior for a vocação liberal e intelectual da profissão — vocação que a uma vez independentiza os seus exercentes (económica e juridicamente) quer a montante (do poder patronal) quer a jusante (de trabalhadores contratualmente subordinados) — sobretudo os pro- fissionais independentes (prestadores de serviços) — e assim os subtrai do jogo dos confrontos e das tensões sociais, económicas e políticas do Estado plural e conflitual dos nossos dias.

Conforme se disse acima, o profissional, sobretudo o exercente das profissões liberais mais “definidas”, mesmo quando exerce a sua acti- vidade em regime independente, nunca chega a deter, enquanto tal, um poder significativo sobre outros homens, no seio de uma organização hie- rarquizada (ainda que seja apoiado por empregados e auxiliares); é que a personalização da produção de bens ou serviços, impossibilita tal con- junto de atingir, em termos de impacto económico, social uma dimen- são significativa. Recorde-se ainda que do Estado liberal até aos nos- sos dias, tais profissões se mantiveram afastadas da organização empresarial, divergindo ainda notoriamente o percurso das suas corpo- rações do das associações de socorros mútuos (mais tarde sindicatos), pela

(341) Da empresarialidade …, cit., p. 102.

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manutenção de um rigoroso apoliticismo, numa atitude que, de resto, só lhes granjeou proveitos (342).

No documento A liberdade de profissão (páginas 113-116)