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Capítulo V – Apresentação e discussão dos dados relativos às educadoras de infância

5.4. Complementaridades, concordâncias e diferenças das perspetivas das educadoras

5.4.2. Concordâncias

Neste ponto iremos observar as concordâncias de ambas as entrevistadas relativamente às crises referenciadas.

No desenvolvimento da entrevista abordaram-se os tipos de abuso mais frequentes nos contextos familiares das crianças que presenciam/vivenciam violência doméstica. Ambas as entrevistadas são concordantes, defendendo que estas crises que ocorrem dentro do ambiente familiar têm fatores de risco associados. Nas palavras da educadora X,

“Muitas das vezes os pais já foram educados no meio de um ambiente muito conflituoso ou porque, há álcool, muitas das vezes o álcool já traz outro tipo de problemas, e então aí entra um descontrolo. Isto leva muitas vezes, ao abuso físico ou então ao abuso psicológico e a criança reproduz isso porque, é criada dessa forma” (entrevista, educadora x).

De acordo com Almeida (2009, p. 25), “frequentemente o consumo excessivo e habitual de álcool (bem como de outras substâncias) é assumido pelo senso comum como uma explicação clara da violência perpetrada pelo cônjuge”.

A educadora Y assume a mesma postura afirmando,

“Por vezes, há a violência por alcoolismo. Já tive aqui casos familiares, homens e mulheres, que com o álcool se descontrolam, e é o álcool que provoca o descontrolo familiar, a agressão. (…) Portanto, há agressividade, há violência e às vezes há falta de informação também. As situações são diversas. Também há psicológicas, como aquela que referi há bocado daquela avó, que afirma para a criança “Diz ao teu pai que não vais para a casa dele, porque vais dormir na minha casa, e se fizeres isso eu dou-te carro e vamos ao Palácio do Gelo (…) Podemos constatar que isto é outro tipo de violência, violência psicológica” (entrevista, educadora y).

104 Tal como Pitzner e Drummond (1997, cit. por Assis, & Avanci, 2006, p. 59), afirmam abuso ou violência psicológica representa uma situação em que uma criança ou um adolescente é desqualificado em suas, capacidades, potencialidades, desejos e emoções, ou cobrado excessivamente por pessoa significativa durante o período de crescimento e desenvolvimento”. Assis e Avanci (2006) ressalvam ainda que em certas famílias, existem pais que praticam este tipo de abuso com frequência, sendo criado a grande maioria das vezes num clima familiar desrespeitoso, como forma de resolução de problemas.

Ambas as entrevistadas relataram e concordaram, durante a entrevista que as crianças que presenciam violência doméstica, no contexto familiar são agressivas, na maioria dos casos. Contudo, algumas crianças que presenciam esta crise nas suas famílias também podem ter o comportamento inverso, ou seja, elas próprias serem agredidas por familiares ou por outras crianças, no contexto de sala. Nas palavras da educadora X,

“Ou é agressiva ou deixa-se ser agredida. É vítima ou também se torna carrasco. Há sempre uma marca muito forte” (entrevista, educadora x).

Lisboa, Koller, Ribas, Bitencourt, Oliveira, Porcincula, Marchi (2002, p. 347), referem que a violência doméstica é um aspeto do microssistema familiar que influencia nos processos cognitivos e emocionais das crianças. Caminha e Lisboa (1999, 2001, cit. por Lisboa et al.,

2002, p. 347), ressalvam ainda que “crianças que presenciam situações de violência no

ambiente doméstico, seja como testemunhas ou vítimas diretas, tendem a desenvolver um repertório de estratégias pequeno e qualitativamente diferente das demais crianças”.

A educadora Y revela a mesma opinião afirmando,

“Sim. Isso reflete-se, sem dúvida” (entrevista, educadora y).

Segundo Ladd e Burgees (1999, cit. por Lisboa et al., 2002, p. 347), “na escola, por serem mais agressivas, crianças vítimas de violência doméstica podem ser rejeitadas pelos colegas, gerando maior stress e afetando o processo de aprendizagem e de estabelecimento de relações de companheirismo”.

Ao longo da entrevista, as entrevistadas referiram-se às crianças que vivenciam casos, em que um dos progenitores ou até ambos, se encontram presos. Ambas concordaram que as crianças se sentiam bastante tristes e abatidas com a situação vivenciada, no seio familiar. A educadora X revelou um caso decorrente da sua sala, relatando

“É engraçado eu tenho uma criança que está nessa situação e noto, sim. (…) essa menina é muito carente afetivamente, necessita de muita atenção, precisa de muita expetativa positiva, precisa muito de reforçar a autoestima, sente-se muitas vezes o “patinho feio” em algumas coisas. Isso é mau” (entrevista, educadora x).

Miller (1995) revela que o educador para ajudar a criança durante uma crise deve estimulá-la a conversar sobre os seus sentimentos, dando tempo à mesma para se poder expressar, não interrompendo-a. A autora refere ainda que a falta de atenção na criança pode trazer consequências negativas para a mesma, fazendo com que tenha uma auto-estima baixa.

Desta forma, Portugal e Laevers (2010) ressalvam que é importante

1. Ajudar a criança a ser bem-sucedida em diferentes atividades (assegurar as condições para a obtenção de pequenos sucessos; fazer com que os passos sejam tão simples quanto o necessário para que a criança experiencie o sucesso, descobrir algo que a criança consegue fazer e dar-lhe muitas oportunidades para demonstrar a sua competência; eliminar expetativas de superperfeição e focalizar os pontos fortes);

2. Apreciar e confirmar positivamente a criança quando exibe comportamentos adequados ou quando está ativamente ocupada em atividades desejáveis (importa reconhecer qualquer tentativa positiva, por mais pequena que seja) e ignorar ou prevenir comportamentos negativos. Sempre que possível, importa ignorar comportamentos irritantes, que não são graves, e evitar a confrontação. Ignorar significa não dar atenção e indicar que o comportamento em causa “não me aquece nem arrefece”, sendo importante que outros adultos presentes tenham idêntica atitude (p. 121).

A educadora Y mencionou a sua opinião, igualmente, estando de acordo com a educadora x, referindo

“Sim. As crianças andam mais tristes, têm saudades. (…) às vezes eles encostam- se como os bebés, é como se tivessem regressões emocionais e precisam de aconchego, de abraços, de carinho” (entrevista, educadora y).

O afeto e as formas de aconchego tornam-se vitais para estas crianças, desta forma para consolidar esta ideia, de uma forma mais sustentada,

Portugal e Laevers (2010) referem que oferecer apoio, atenção, um suporte emocional pode ser feito de diversos modos, como: oferecer um contacto corporal caloroso, expressar o carinho que se tem pela criança, fazer com que a mesma se sinta parte integrante do grupo.

As entrevistadas entraram em concordância igualmente, pelo facto de considerarem que estas crianças que experienciam a crise de pais presidiários, não serem institucionalizadas. As profissionais de educação são a favor das crianças terem sempre adultos de referência, nas suas vidas. Revelaram ainda que as instituições portuguesas, a maioria das vezes não sabem dar uma resposta eficaz e válida a estas crianças que presenciam e vivenciam, tal situação. Na opinião da educadora X,

“Eu prefiro isso, a esses avós mesmo sendo pouco cuidadores, são cuidadores a sua maneira, isto é existe vínculo afetivo. Prefiro isso à institucionalização, porque acabo por ter uma experiência disso tudo” (entrevista com educadora x).

106 Montes (2006, p. 42) afirma que “para as crianças, a casa é um lugar de afeto maternal”. A mesma autora refere que a necessidade de manter vínculos afectivos leva automaticamente, à idealização da família.

A educadora Y revela a mesma opinião, afirmando

“Infelizmente as instituições portuguesas e algumas instituições de internato também me deixam um bocado a desejar” (entrevista, educadora y).

O acolhimento de crianças em instituições, em lares, pode induzir stress traumático (Fantuzzo, Mohr, & Nonne, 2000 cit. por Coutinho & Sani, 2010). Frequentemente, a falta de conhecimento das políticas públicas para a infância, levam a que o serviço de acolhimento de crianças possa constituir um efeito nocivo (Rosa, Santos, Melo & Souza, 2010). Contudo, há autores que defendem que as instituições de acolhimento podem ser verdadeiras oportunidades para que a criança seja acolhida e crie vínculos afetivos com as pessoas que a rodeiam, contribuindo fortemente para o seu bem-estar emocional e autonomia (Rosa et al., 2010).