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Na década de 1950, o concretismo motiva uma transformação cor- respondente à promovida pelas vanguardas artísticas européias na formação de um pensamento progressista, através da assimilação de seus ideais estéticos e sociais. Somado à experiência do IAC – de pro- jeto pedagógico derivado da Bauhaus – o concretismo paulista propõe uma produção artística fundamentada em princípios que alinham técnica e estética, pavimentando o caminho para a união entre arte e indústria e dando início a cultura de design no Brasil. Suas riquíssimas propostas e realizações vão além da análise que se apresenta a seguir, que concentra-se no que se relaciona ao tema dessa dissertação. Organizado em 1952, o grupo Ruptura, marca o inicio do movimento concreto paulista, propondo um novo debate em torno da abstra- ção, caracterizado por afastar a pintura não figurativa de conceitos não expressivos e individuais (BELLUZOAPUDAMARAL, 1998:95). Defende

um deslocamento da tensão entre figuração e abstração, para um debate entre o que consideravam um abstracionismo expressivo, de ordem hedonista e o abstracionismo construtivo, que se define num procedimento que se afasta da compreensão em torna da idéia de estilo, em direção a um conjunto de procedimentos artísticos foca- dos em um aporte científico e conteúdo objetivo (IDEM). A assimilação dos ideais das vanguardas construtivas européias foi determinante para nessa decisão, que “ligava-se ao quadro geral de novos fato- res sócio-econômicos intervenientes na realidade brasileira” como esclarece Walter Zanini (1983:635), a partir do “conceito da visão har-

mônica e universal de Max Bill”, uma série de ideais que derivam do construtivismo russo, no neoplasticismo holandês e dos princípios propostos pela Bauhaus, e reportando ao surgimento do concretismo na Europa dos anos 30, quando protagonistas da vertente abstrata – liderados por van Doesburg – defendiam a substituição do termo “abstratismo”, por “concretismo” (idem:99). Gillo Dorfles (1992:85)

define assim a origem da arte concreta:

A arte “não igurativa” era apreciada apenas por uns poucos especialistas. Era a época heróica dos Van Doesburg, dos Mon- drian, dos Vantongerloo, dos Vordemberge-Gildewart. De fato, esses artistas – que preferiam batizar-se “concretistas” (justa- mente para distinguir-se daqueles que “abstraiam” da realidade) – não procuravam criar suas obras partindo de um pressuposto vindo de um mundo externo, nem mesmo de algum embrião formal de origem orgânica; ao contrário, saiam em busca de

ruptura

concretismo

vordemberge-gildewart georges vantongerloo

Ligado ao de Stijl, o pintor e escultur o holandês-alemão Vordemberge-Gildewart atuou como tipógrafo e gráico em Ams- terdã. Foi coordenador do departamento de comunicação visual da HfG Ulm. Acima, papel de carta para Leni Matthaei D.W.B de 1924

Ao lado, litograia sem título de 1958 Escultor, pintor e arquiteto, o belga Van- tongerloo realizou experiencias inluên- ciadas pelo cubismo e futurismo, antes de conhecer van Doesbug e participar da fundação do concretismo. Atuou em design de interiores, mobiliário e cerâmica. Abaixo, XVII Composition dans le carré, 1930

formas puras, primordiais, sem nenhuma analogia com nada naturalista, visando portanto criar uma arte concreta cuja rigo- rosa composição compositiva pudesse ser submetida até mesmo a regras matemáticas, pudesse igualar em pureza os rigores geométricos de equações algébricas “

Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Luiz Sacilot- to, Kazmer Féjer, Anatol Wladyslaw e Leopoldo Haar, assinam o ma- nifesto Ruptura – distribuído aos visitantes da exposição realizada no Museu de Arte Moderna, então localizado à rua 7 de Abril – que, assim como o convite da exposição, exibe uma composição gráfica (em tipos Futura) que reúne elementos de pesquisas do alfabeto universal de Herbert Bayer na Bauhaus e da Nova Tipografia de Jan Tschichold, apontando para o alinhamento de seus integrantes com as correntes artísticas progressistas, tema de discussões freqüentes que abordavam questões relacionadas não só as artes plásticas, mas também a aspectos inerentes à visualidade como filosofia e gestalt, tema pelo qual Waldemar Cordeiro nutria interesse e compartilhava com os companheiros (CINTRÃOENASCIMENTO, 2002:10)

O envolvimento com outras atividades profissionais relacionadas a visualidade e a configuração da forma era outro ponto comum entre esses artistas: Waldemar Cordeiro, que deu início ao grupo, atuava como jornalista, crítico de arte e paisagista; Lothar Charoux, lecionava desenho no Liceu de Artes e Ofícios; Geraldo de Barros notabilizou-se por extensa atividade que engloba fotografia, artes gráficas (tendo Wollner como parceiro) e posteriormente projetos de móveis, com destaque para a criação da Unilabor – iniciativa marcante para o desenvolvimento do desenho industrial no Brasil; Luiz Sacilotto atuava como letrista, desenhista publicitário, arqui- tetônico e projetista de esquadrias de alumínio; Kazmer Féjer era químico industrial, e viria a trabalhar como desenvolvedor de tintas e pigmentos na década de 1970; Leopoldo Haar trabalhava como diagramador e fotógrafo, alem de lecionar composição e arte publi- citária no IAC (BANDEIRA, 2002).

Essa vocação não se restringia aos integrantes do grupo Ruptura, se estendendo a outros artistas cuja vinculação ao concretismo foi de- cisiva ao combinar as experiências concretas ao desenho industrial, incorporando a arte à industria e ao cotidiano em São Paulo. Dentre eles, Antonio Maluf, projetista gráfico, desenhista de estampas de manifesto do grupo ruptura

Redigido por Waldemar Cordeiro, e assinado todos os integrantes, desco- nhece-se precisamente quem realizou seu projeto gráico. Segundo Rejane Cintrão (2002:18), atribui-se essa autoria

a Leopodo Haar, que na época já reunia experiência como designer.

os concretos paulistas pioneiros do design visual

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tipograia universal

Professor de tipograia e impressão na Bauhaus, Herbert Bayer argumentava que o design não deveria se submeter a modismos, devendo se pautar em elementos atemporais e objetivos. Para ele, a geometria e a funcionali- dade deveriam orientar o desenho tipográico, reduzindo o consumo de material tipográico. Esse princípios seriam determinantes para atingir uma tipograia universal, de formas es- sencialmente elementares, que geraram uma série de protótipos tipográicos desenhados exclusivamente a partir de círculos, triângulos e quadrados, contendo apenas caracteres em caixa baixa. (HEINTIGLER: 2006,198)

Lançados em formato digital pela companhia britânica The Foundry, com o nome de Bayer Universal e Bayer Architype na década de 2000.

nova tipograia

Tendo no tipógrafo Jan Tschichold seu maior expoente, a nova tipograia foi responsável na Alemanha na década de 1920 por alinhar os princípios da composição tipográica aos preceitos da era industrial. Defendia a organização dos elementos na página não apenas como argumento estético, mas com o objetivo de atender a funções sociais por meio da descomplicação da leitura e de- mocratização da produção de impressos. Tschichold preconizava a assimetria e o uso de tipos sem serifa, considerados elementares e relacionados à estética in- dustrial por serem os únicos desprovidos de resquícios da escrita caligráica. Tschichold, assim como Bayer e Albers na Bauhaus, projetou alfabetos experimen- tais empregando apenas formas geomé- tricas básicas e contando apenas com caracteres em caixa-baixa (minusculos).

(HEINTIGLER: 2006,210)

Lançado em formato digital pela companhia britânica The Foundry, com o nome de Tschichold Architype na década de 2000.

tecidos e painéis arquitetônicos (AMARAL, 1977:190) foi autor do cartaz da I Bienal, Hermelindo Fiaminghi, desenhista da Cia. Melhoramen- tos de São Paulo e professor de desenho do Liceu de Artes e Ofícios, que contribui decisivamente com seu conhecimento dos processos da indústria gráfica, colaborando ainda com os poetas concretos paulistas na produção dos poemas cartazes (IDEM:220), constituindo- -se, como justifica Wollner (2002:72) no ponto de partida para o

surgimento do design visual no Brasil:

Considero o cartaz vencedor da I Bienal, criado por Antonio Maluf, aluno do IAC, o marco inicial, no Brasil, da criação do

artista moderno atuante nos meios de comunicação de massa. Os elementos inseridos no cartaz são integrados a seu formato e o movimento das linhas paralelas, em duas cores, resultantes do seu perímetro, permitem uma vibração ótica interessante. Maluf manifesta aí o pensamento orientador das obras con- cretas. É a primeira produção de um designer treinado por uma escola brasileira de design.

De fato, a aproximação da arte aos processos de reprodução em série permeia o discurso dos concretistas, corroborando seu propó- sito de atuarem como desenhistas industriais, como expõe Cor- deiro no ensaio “Arte Industrial” (APUDAMARAL, 1977:193). Ele compara

o processo criativo da obra concreta ao produto industrial, onde a iniciativa pessoal é abolida, e se estabelece uma “ igualdade de correlação entre todos os elementos”, enaltece a geometria ele- mentar como meio para a estandarização e afirma que, a aceita- ção do “rigor e a responsabilidade decorrentes de uma linguagem racional” conduzem o artista a mesma condição de um operário. Não havia nesse momento, no entanto, como observa Stolarsky

(2006:201) um consenso sobre a relação artista plástico-designer,

atentando para a absorção das inclinações construtivas – que segundo ressalta, se apóiam na ausência de símbolos – por setores da comunicação visual, em especial o de identidade, preponde- rantemente simbólica. A disciplina matemática e o rigor constru- tivo, que ele considera como ímpeto organizador da arte concreta levariam a uma convergência entre a concreção e a abstração, resultando numa linguagem simbólica caracterizada pela síntese visual inerente aos projetos de design, condição deliberada com maior propriedade por Max Bense (1971:159): “A concreção realiza antonio maluf

Aluno do IACMASP, foi vencedor do con- curso que escolheu o cartaz da I Bienal do Museu da Arte de São Paulo, em 1951, para Wollner (2003:55) ao lado do cartaz

do IV Centenário de São Paulo, de Geral- do de Barros, as primeiras manifestaçõs do design visual no Brasil, geradas pelo concretismo. Sem aderir a nenhum grupo, sua atuação, empregando os princípios da arte concreta em padrões arquitetôni- cos e de tecidos contribuiu para integrar a arte a indústria.

Acima, acrílica sobre madeira, sem título Ao lado, cartaz da primeira bienal, 1951 Abaixo, minivestido e túnica em jersey de nylon para indústrias Rhodia,1972

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antonio maluf

Maluf revela a inluência do curso do IAC MASP, ao airmar (APUDBANDEIRA, 2002: 41) que

“a arte como produto propunha o conteúdo como sendo o objetivo, o produto como função, o produto em sua utilidade. […] isso vinha a ser muito superior àquela con- cepção usual que compreendia o suporta aoenas como suporte, não o compreenden- do como elemento de linguagem”.

Nessa página,acima, cartaz Baile dos Estados, 1952

Ao lado e abaixo, estudos em guache sobre cartão para o Cartaz da 4ª Bienal de SP, 1957 Na página oposta,acima, estudo de marca e cartaz da XIX Expo. Agropecuária de Juiz de Fora,1957.

Ao centro, estudos em guache sobre cartão para Vila Normanda em São Paulo, 1964 Abaixo, detalhe do painel de azulejos da Vila Normanda em São Paulo.

a idéia que a precede de maneira construtiva ou não construtiva. Quanto mais pura a idéia nas cores e formas, ou nas relações de cor e forma (…) tanto mais pronunciadamente irrompe a temática do signos, autônoma e livre de suporte”

Para Bense, a arte é definida como um processo de signos, cujo processo, qualifica como sistema suporte, constituído pelos elementos visuais (cores, formas, linhas, etc.) sendo que na arte concreta ocorre uma absorção do suporte pelo signo, promovendo uma significação pura, que ele especifica como a sobrepujação da fisicalidade pela organização intelectual (CAMPOSINBENSE, 1971:156). Tomás Maldonado (APUDBANDEIRA, 2002:19) acrescenta que a arte

concreta se caracteriza por propor uma beleza objetiva, partindo de elementos objetivos, o que a distingue da arte abstrata, que segundo ele, busca repetir uma ilusão da natureza sobre uma superfície, citando van Doesburg ao explicar a oposição do concre- tismo aos estados especulativos da arte abstrata. Esses princípios se permeiam o texto do manifesto do grupo Ruptura, cuja contun- dência honra a tradição provocativa das vanguardas, assim como a rejeição pela representação figurativa em favor de uma concepção da arte como processo de conhecimento, a apologia construtiva da integração entre arte e indústria e o reverência ao rigor cons- trutivo formal (COSTA, 2002:11,12). O foco na busca da beleza por meio

da objetividade, presente no discurso concreto é explicado pelo filósofo húngaro György Lukács (1978:179), para quem seu oposto, a

subjetividade, indica “apenas o limite mais intenso de uma ten- dência amplamente difundida na ideologia burguesa decadente: identificar inteiramente a subjetividade - e sobretudo a artística - com a particularidade mais imediata de cada sujeito”.

Relacionando o apoio de sua experiência concreta para a desenvol- vimento de sua cultura como designer, Alexandre Wollner desta- ca o fato de ter se movido da pintura em direção ao design por desejar “um diálogo não com dez, mas com mil ou um milhão de pessoas entre outras razões” (APUDAMARAL, 1998:235). Considera os par-

ticipantes do movimento concreto como o melhor exemplo de que “o artista, artesão inspirado e intuitivo, quando assume o design como profissão sente a necessidade de assimilar conhecimentos técnicos para complementar sua função específica” (IBDEM:239). Com relação à vocação social da atividade, Wollner enaltece a mobiliza- ção comum dos setores criativos envolvidos (2002:59):

waldemar cordeiro

Nascido na Itália, é considerado o princi- pal teórico e organizador do movimento concreto, tendo introduzido vários conceitos oriundo do art-club de Roma

(CINTRÃO:2002,14). Foi também o principal ar-

ticulador da integração entre os pintores e poetas concretos.

Sua experiências com a informática na década de 1960 o colocam como um dos pioneiros no uso do computador nas artes.

Acima, as obras Idéia visível,1956, e 1955 Ao lado, Idéia visível,1956

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geraldo de barros

Envolvido com pintura e fotograia, foi o organizador do laboratório fotográico do masp em 1948. Percussor da fotograia abstrata no Brasil, realiza em 1949 a série

Fotoformas (CINTRÃO, 2002:20).

Em viagem a europa, conheca a Hfg Ulm, onde faz contato com Otl Aicher e Max Bill, cuja inluência se faz presente no cartaz do IV Centenário da cidade de São Paulo, que segundo Wollner (2002:76)

representa o ponto de virada cultural para acultura visual brasileira.

Esteve presente ao lado de Wollner em iniciativas fundamentais para o estabeleci- mento do design no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, com destaque para a empresa de comunicação forminfom, estruturada a partir do retorno de Wollner da Alemanha.

Nessa página,acima, Movimento contra movimento, 1952 , e Ruptura, 1952 Ao lado, painél em tinta a óleo automotiva sobre placa de zinco, 1989

Abaixo, Função Diagonal, 1952

Na página oposta,acima, serigraia, 1952. Ao centro, Concreto, esmalte sobre euca- tex,1958 . Abaixo, serigraia, 1952.

hermelindo iaminghi

Envolvido proissionalmente com o mundo das artes gráicas, foi desenhista da Cia. Melhoramentos e professor de desenho e artes gráicas do Liceu da Artes e Ofícios. Relata que sua adesão ao concretis- mo ocorreu de maneira natural, sendo reconhecido como pintor concreto antes mesmo de se iliar ao movimento. Seu conhecimento técnico foi fundamenetal não só para o desenvolvimento da pintura, mas também para a poesia, contirbuindo com os poetas concretos na execução dos poemas cartazes exibidos na I Exposição de Arte Concreta em 1956. (AMARAL, 1998:314)

Nessa página,acima,capa para manual da escola de propaganda do Museu da Arte de São Paulo.

Ao lado, capa de Noigandres 4, 1958 Abaixo, Elevação vertical com movimento horizontal,1955.

Na página oposta,acima, Circulos em movimentos alternados,1955. Ao centro, Virtual XII, 1958. Abaixo, Alter- nados, Horizontal e vertical, 1955.

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luiz sacilotto

Pintor, desenhista de letras e projetista de de alúminio, sua produção se caracterizou pela familiaridade na relação com produ- tos industriais, empregando como suporte chapas de alumínio e amianto, o que o fez ser considerado como “o mais concreto dos artistas concretos”, o que se intesiica em sua produção nos anos postriores, onde, mesmo experimentando outros caminhos, como a arte ótica, manteve-se sempre ligado ao princípios do concretis- mo. (AMARAL, 1998:324 e CINTRÃO, 2002:46)

Nessa página,acima, sem título, serigraia ao lado, serigraia, 1975. ao centro, Estrutu- ração com elementos iguais, 1953. Abaixo, Concreção,1992

Na página oposta,acima, sem título, esmalte sintético sobre madeira, 1956. ao centro, Concreção, 1952. Abaixo, sem título,1950.

O fato relevante nesse movimento de arte foi a decisão, verii- cada por alguns artistas, de assumirem uma atividade dirigida a um público maior, e de serem participantes na coletividade (…) Os pintores concretos, já com a adesão de poetas e músicos, tornam realidade o desejo de alguns artistas de ir além da ex- posição de seus trabalhos somente em galerias de arte; querem também participar de manifestações na área da comunicação (…) atingindo toda a comunidade.

Na busca por romper com o acadêmicismo, um paradoxo signiicativo pode ser percebido nas aspirações concretas: ao propor o novo, em oposição às tradições acadêmicas na arte, resgata e qualiica elemen- tos e procedimentos artísticos presentes nas manifestações tidas como aplicadas, como já descrito na citação a Cordeiro em Arte Industrial. Conforme explica Vilém Flusser (2007:182) o termo técnica deriva do

grego techne que signiica arte, no sentido de informar, ou seja, conferir à matéria bruta uma forma deinida, tendo na palavra ars seu equiva- lente em latim, enquanto em alemão, o artista (könner) é “alguém que conhece algo e é capaz de fazê-lo”. Ele lembra que, após a renascença, a cultura burguesa promoveu a separação entre o que deine como mun- dos distintos, o da arte e o da técnica, ou no que airma Bruno Munari

(1978:17) um mundo de “coisas belas para admirar e coisas feias para

utilizar”, como esclarece Wollner (APUDAMARAL, 1998:223), especiicando

melhor onde ocorre essa separação:

A participação do artista como o principal elemento criativo e comunicador com o meio ambiente vem sofrendo distorções desde que esse artista se distanciou do público como receptor da sua arte. Volto praticamente ao Renascimento. Vejo a par- ticipação dos artistas no dia-a-dia junto à comunidade que se envolvia com as obras criativas agregadas às catedrais, núcleo de reunião popular, e a integração dessas obras com o suporte e o espaço arquitetônico, a liturgia, a música. Havia todo um envolvimento espiritual e funcional com as pessoas, forma pública de arte. Sentimento que até hoje nos envolve quando nos aproximamos e entramos nas catedrais medievais e góticas. Na realidade de hoje, a partir do barroco, rococó e classicismo, parece que os artistas se divorciaram dessa função harmoniosa Aprofundando essa deinição, Dondis (1991:176) qualiica no predomínio

do estilo ornamental, que deine associado à riqueza e ao poder, direcio- arte camponesa

Padrões têxteis executados por campone- se da europa no século XVII.

Acima, faixas de cabeça em seda, executa- das por camponeses da Croácia

Centro e ao lado, bordados de campone- ses da Hezergovina.

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nados à satisfação pessoal de reis e imperadores, “cujas preocupações não vão além de da satisfação de seus próprios prazeres”, apartando-se de qualquer funcionalidade, como exempliica (IDEM:177):

Nenhuma escola é mais representativa das qualidade des- se estilo que o barroco. Esse período serviu de ponte entre o Renascimento e a era moderna.[…]. O Renascimento tinha sido italiano, e em quase todos os aspectos, um estilo homogêneo. A arte barroca é uma categoria genérica e muito inadequada que agrupa um período vasto e diversiicado de expressão criativa e se estende pelos séculos XVII e XVIII. Por mais inadequada que possa ser, contudo, relete uma época de anacronismos e grandes riquezas lado a lado com uma grande pobreza. É uma arte em que certamente não há espaço para a objetividade ou a realidade, não importa a que nível.

De acordo com o poeta e crítico de arte britânico Herbert Read

(1978:58) a origem dessa cisão atende a anseios distorcidos do

humanismo clássico, sendo a atividade artística moldada para atender aos ideais dominantes, o que provocou seu afastamento de funções utilitárias em direção a criações tidas como “maiores”. O escritor austríaco Ernst Fischer (2002:84) tece uma critica acerca das

conseqüências dessa divisão:

A arte acadêmica é o classicismo que se esvaziou. É o desperdí- cio de velhas formas cujo conteúdo há muito se exauriu. Com seu grosseiro idealismo, com sua lacrimejante sensualidade, com as emoções falsas que provoca pela exibição artiiciosa de um seio ou uma perna feminina, a arte acadêmica foi um dos produtos mais repelentes do mundo burguês em processo de de- sintegração. Compunha–se de mentiras, de frases ocas e de uma hipócrita invocação das tradições clássicas e renascentistas, transplantando-as para um contexto no qual a respeitabilidade delas é prostituída pela franca comercialização.

Read aponta ainda para o afastamento do que ele especifica como uma forma de arte primitiva, que chama de “camponesa”, atribuída a pessoas simples e sinceras (1978:59). Esclarece que esse tipo de ati-

vidade – que, por não ter em sua origem implicações ideológicas – reúne em seus procedimentos a técnica e estética na criação e exe-

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