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Ao mesmo tempo em que oferece e se propõe ser o receptáculo "ad-hoc” dos novos migrantes em busca de soluções milagrosas alcunhadas no modelo comportamental do colonizador europeu, também demonstrará seu paradoxo no que tange a esses milagres: economia estagnante, desemprego, expansão da massa das forças atuais, obsolescência estrutural etc.

"... Fato novo na África Ocidental, a cidade tinha, a

princípio, quase toda a totalidade da sua população

transplantada de fora, da Europa e do interior. Hoje, a maioria de seu contingente populacional é de origem estranha ao organismo urbano...” (Santos, 1965:73).

De fato, como constatamos, o crescimento urbano resultante das taxas de natalidade e outros fatores gerará mudanças drásticas nas cidades contemporâneas como Dakar.

”... As regiões dotadas de uma infra-estrutura urbana antiga (é o caso da região metropolitana de Dakar, o Cap-Vert) explodiram sob a pressão. Uma Médina, por exemplo, concebida para um milhar de habitantes não pode satisfazer as necessidades elementares de cinqüenta mil pessoas e veículos..." (Pacquot, 1992:608).

Isso é consistente em nossas observações iniciais, no que se refere ao obsoletismo das estruturas sócio-espaciais vigentes, legadas pelo colonizador. Sabemos, contudo, que em muitas sociedades islâmicas africanas (por exemplo o Maghreb) a tradição de vida urbana era já considerada milenar. Com ela também se criaram tipos sociais e tipos de divisão do solo urbano que se mantiveram até a época moderna, como a citadela, o centro religioso (tempio/Mesquita), a medersa, a medina, os bairros alógenos etc. Para George (1977:58), ... é neste fundo que se enxertou o urbanismo moderno. É desta herança que (se) devem repousar os planos urbanísticos de renovação presentes...

De fato, tal renovação, em nome muitas vezes de uma busca incessante de modernismo, criou para a cidade de Dakar, como para muitas outras do continente um dualismo62 urbanístico, justapondo às heranças históricas nacionais das cidades européias, com afirmação de esquemas mais inovadores.

Por isso, segundo argumenta George63,

"... a herança, quando da descolonização, será dupla: a cidade tradicional e a cidade européia. Esta última, do fato da revelação de força e de riqueza do período colonial, é o centro de prestígio. É ela quem vai se tornar, pela transferência de função e de responsabilidade política, o centro urbano da cidade atual...”.

Assim, o sistema colonial, ao transportar para países colonizados as estruturas do estado colonizador, a metrópole, essas estruturas tinham a função de gerar hierarquias que, no ponto de vista espacial, demonstraram todas as intenções nelas sutilmente embutidas. Essas hierarquias, por sua vez, tinham um significado sócio-econômico e político que, mesmo após as independências, permaneceram e se perpetuaram em nome de um suposto modernismo totalmente estratificante.

Portanto, observaremos que a natureza do povoamento difere de acordo com a projeção do espaço desses efeitos de atração, assim como a estrutura da sociedade urbana da qual ele resulta. Segundo George64, existem dentro do Urbanismo dois casos que seriam relevantes na África: aquele da sociedade mista e a outra, a autóctone. A sociedade mista resulta da coexistência de dois efeitos de atração sobre populações de "imigrados", pertencentes a um espaço geográfico comum que da metrópole sobre as populações autóctones. A sociedade urbana autóctone é o fruto de uma

62 Id. p.: 59.

63 Ibid.

64 Ibid. p.:60.

imigração dominante, exclusiva, da parte das populações circunvizinhas, pertencentes a etnias aparentadas (afins) como bem enfatizamos linhas atrás.

A incipiente filtragem aí caracterizada, será justificada pelo mosaico urbano que mais tarde será o modelo em todo o Cap-Vert.

"... É um fato comum em todas as cidades da África Ocidental a separação, dentro do organismo urbano, entre europeus e africanos...” (Santos, 1965:89).

Mesmo não caracterizando uma segregação65 nos seus dizeres, Santos avalia que ... ao contrário dos Estados Unidos da América ou da África do Sul, não há, por parte dos brancos, uma repugnância contra os indivíduos de cor, só pelo fato de sua cor ou raça... Mesmo assim, é notório percebermos que em Dakar e toda a sua região metropolitana, a estratificação sócio-profissional e econômica é (de) fato marcante na estrutura espacial urbana pós-independência.

Povoada inicialmente pelos Lebous, etnia majoritária e

autenticamente cap-verdiana,66 a composição populacional de Dakar sofrerá com a colonização um melting-pot caracterizado por uma miscigenação racial, étnica e cultural de grandes proporções. No entanto, tal fenômeno não se traduzirá numa homogeneização sócio-espacial, como se imaginaria em sociedades de tais características. Mesmo sendo de característica islâmica, conseqüentemente tolerante e humanista, a metrópole de Dakar também, à imagem dos grandes centros urbanos do mundo contemporâneo, é segregacionista e excludente, ao contrário do que se supõe.

Evidenciado o seu mosaico urbano, através de um desenho urbano claramente definido em seus propósitos estruturantes, deparamo-nos com critérios de distribuição populacionais bastante distintos.

Salvo as reminiscências aldeãs dos Lebous (Niayes Thioker, Gueule-Tapée, Medina, Ngor, Yoff, Ouakam e Cambérene), verdadeiros enclaves

65 Santos se negou a aceitar essa terminologia no seu

sentido lato alegando ser, para os contextos

supracitados, totalmente diferente do contexto sulista, i.é., do Apartheid.

66 Ver Lavroff. op.cit. Cap. II, onde se esmiuçam os conceitos de demografia e etnicidade. Diagne (1967)

também dá a sua contribuição para a questão e vai mais a fundo discutindo toda a essência da formação

social, étnica e cultural-religiosa do Cap-Vert/Senegal.

urbanos,67 existem nas cidades: européia (Dakar, Plateau); sírio-libanesa (Médina);

das elites e intelectuais autóctones ou europeus (Mermoz e SICAP na

Grand-Dakar); mouros e nativos (Grande Médina e Pikine). Também observamos a co-presença de categorias sócio-profissionais em bairros-cidades, demonstrando, desta feita, a preocupação já planejada do colonizador quanto aos critérios de distribuição populacional dentro da cidade.

Assim, como se pode perceber em Santos68, se a maior parte das cidades foi planejada de modo a evitar co-vizinhança, no mesmo bairro, entre brancos e pretos, i.é., entre europeus e africanos, isto tem mais a ver com as condições econômicas para os analistas locais. De fato o contato entre civilizações diferentes, portadoras de nível técnico e cultural tão distanciado, explica a existência de uma cidade européia ao lado da cidade, ou cidades africanas. Estas, não raro, se chamam "villages", como que a lembrar a origem rural da sua população...

Conforme estudos de Seck69, a melhoria dos salários, a africanização dos quadros, a independência política vieram contribuir para a atenuação da segregação racial dentro da cidade. Tal separação, no entanto, não se verifica com a mesma intensidade nas diferentes aglomerações. As formas de organização interna da cidade são causas de atenuação. O caráter ou temperamento do colonizador também tem influência.70 Segundo outros observadores isso se justifica pela configuração das cidades de fundação inglesa. Santos71 sustenta que nas casas européias quase escondidas atrás de enormes jardins, a separação é bem mais nítida do que naquelas de fundação francesa. Contudo observa que há, por outro lado, uma certa simpatia, entre as diversas raças na sua localização dentro da cidade.

Mesmo assim, é de considerar que a população africana flutuante, por sua vez, parece procurar áreas de eleição, dentro das cidades, por não se

67 Para melhor compor com os autóctones Lebous, donos legítimos das terras do Cap-Vert, atual Região

Metropolitana de Dakar, o colonizador se omitirá de anexar suas aldeias. Assim manterá uma política de

boa vizinhança que resultará na sua insularidade (ilhamento), que ocasionará a atual heterogeneidade