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A característica principal da idade média no âmbito epistemológico é o embate entre fé e religião, dada a expansão do cristianismo e a influência no Ocidente. A Idade Média situa-se entre o fim do Império Romano, em 476, e a queda de Constantinopla, em 1453 (ARRUDA; PILLETI, 2005).

No século XIX, denominavam a Idade Média como Idade da Fé, devido à influência da Igreja sobre as sociedades europeias durante o período medieval, ao impregnar com a força da religião o cotidiano das pessoas, exercendo forte poder político, cultural e econômico (AQUINO et al., 2008). Os autores destacam ainda forma mais radical que em muito ilustra o período, uma vez que em toda a Europa havia apenas uma Igreja, exigindo que os homens fossem batizados nela e assim considerados membros da sociedade. A excomunhão dada pela Igreja a um indivíduo o excluía não apenas das questões religiosas como também dos direitos.

Historicamente, a expansão do cristianismo ocorreu graças às contribuições teológicas de dois bispos no século IV. Por um lado, a figura de Ambrósio, arcebispo de Medielano (atualmente Milão); por outro, Santo Agostinho, bispo de Hipona. Ambos, doutores da Igreja. Séculos depois, XII e XIII, suas obras teológicas encontraram o seu auge em São Tomás de Aquino.

Dentre os vários jovens santos, atualmente, celebrados no calendário cristão, destaca-se a figura de Francisco, mais conhecido como Francisco de Assis, jovem que, após uma fase mundana, passou a viver a simplicidade. A história de Francisco mostra as dificuldades da sociedade medieval, em particular da Itália no século XII. Nota-se que muitos jovens nobres ingressaram na vida religiosa com intuito de combater a pobreza e a indiferença social. O jovem pode ser comparado à juventude da Antiguidade, formada para o militarismo, enquanto no período medievo o

militarismo retoma uma nova forma, tendo como perspectiva a missão de Cristo. Embora a religião esteja inteiramente relacionada à socialização na Idade Média, muitos jovens viviam uma liberdade não aceita na contemporaneidade (LIBÂNIO, 2004).

Para Dick (2003), o século IV oferece rol significativo de jovens que se tornaram santos, como Agostinho (354-430), bom exemplo da juventude da época. Quando jovem, aos vinte anos de idade, tornou-se pai. Importava para Agostinho, antes de se tornar santo, a riqueza, os prazeres e tudo que parecia ser atrativo. A conversão ocorreu doze anos depois, em Milão, ao participar de debates filosóficos com Santo Ambrósio (DICK, 2003). Assim como Agostinho, séculos depois Francisco, Clara e outros se destacaram pela postura crítica e profunda rejeição à indiferença social e política que tanto caracterizou as diferentes épocas da Idade Antiga e Medieval.

Libânio (2004) analisa a situação juvenil desde a Antiguidade até os tempos atuais. Afirma que a Roma Antiga até o século II a.C. não conheceu esse período de idade atualmente conhecida como juventude. Havia um rito cívico religioso que enfatizava a passagem da idade infantil para a vida adulta. A sociedade romana apenas conhecia três principais categorias: infância, adulto e velhice. Para o autor, somente a partir do século II a.C. inventa-se em Roma a fase intermediária entre infância e adulto, ou seja, a juventude.

A preocupação com as leis que limitavam a participação dos jovens em cargos públicos na Idade Média se dava pela disputa entre papéis sociais. Disso decorre a concepção juvenil a partir do viés social, conceito usado entre especialistas da área da construção social6. Também, na Grécia Antiga, os jovens eram considerados inaptos ao cargo público por serem considerados imaturos. A virtude era alcançada na vida adulta, período propício à vida política. Ressalta-se que a situação juvenil nem sempre se caracterizou pela passividade, com posturas contrárias à situação social vigente (idem).

Pastoureau (1996) retrata dois sistemas relacionados à faixa etária na Idade Média. O primeiro, metaforicamente associado às quatro estações e aos quatro elementos: a primavera representada pela infância; o verão associado à juventude medieval; a “idade média” comparada ao outono; e a velhice representada pelo inverno. O segundo sistema define especificamente a idade a partir de cinco

6 Pesquisador sobre juventudes na contemporaneidade, Juarez Dayrell, da Faculdade de Educação

estágios, quais sejam: infantia, pueritia, adulescentia, juventus e virilitas. A primeira caracterizada pelo nascimento até os sete anos; a segunda seguia dos 7 aos 14 anos; a terceira, dos 14 aos 21 anos; a quarta, dos 21 aos 35 anos; e por fim, a quinta, dos 35 aos 55 anos.

Ao pesquisar a prostituição na Idade Média, Roussiaud (1991) constatou, nos anos de 1436 a 1486, em Dijon, que os jovens participaram de 85% do geral das agressões sexuais às mulheres. A ação dos jovens envolvidos ocorria de forma coletiva, com proximidade etária, solteiros, operários e filhos de pais que compartilhavam o mesmo ofício, tendo em comum a condição social. Tais constatações apontam os jovens como protagonistas em agressões e desordens no mencionado período.

Como a juventude causava a desordem em múltiplos cenários do período medievo, cabia à sociedade discipliná-la (CASSAB, 2011). Em alguns séculos, como o IV, por exemplo, a educação nos mosteiros era importante aos jovens que visavam vida pautada no cristianismo.

Dick (2003) ressalta o sentido que tantas jovens davam ao martírio, uma prova da concepção moralista da época, sendo o sexo fonte de pecado. Aponta ainda algumas inquietações relacionadas à escolha dos jovens, desde os que entravam no mosteiro aos que se refugiavam da sociedade.

A palavra juventude, na Idade Média, quase não era usada como classe etária definida. Na Itália, nos séculos XIII a XV, por exemplo, “a juventude era formada por um conjunto de pessoas que ‘devia ser naturalmente regulado’” (DICK, 2003, p. 114). Alguns relatos do modo de vida das famílias medievais atestam a juventude como a era do tempo dos apetites, aqueles que precisavam de controle.

Os objetivos da educação medieval consistiam em preparar a juventude para a vivência social e a ascensão econômica. Era a independência ou a autonomia econômica que integrava a pessoa, de fato, na sociedade. Quanto mais avançada a idade, mais distante a pessoa ficava da “idade dos perigos”, da idade da delinquência, relata Dick (2003). A experiência de vida, munida de uma boa educação, tornava o indivíduo um cidadão completo.

Ao analisar a situação juvenil na Idade Média, Dick (2003) descreve duas perspectivas diferentes. A primeira relata os jovens em sua prodigalidade, voltados às paixões, à desobediência, aos escândalos e à total submissão aos mais velhos. A segunda, de forma mais otimista, relaciona os jovens à diversão social e os mostra

como importantes sujeitos nas atividades militares e nas festas. Nesse sentido, importa ressaltar a educação cavalheiresca: “aos 15 anos o adolescente tornava-se pajem ou escudeiro de algum cavaleiro, tomado como mestre; aos vinte anos esse adolescente jovem era proclamado cavaleiro numa cerimônia solene” (DICK, 2003, p. 120), depois recebia as armas para o uso na sua vida de milícia. O relato transparece o espírito jovial, guerreiro, voltado às conquistas e ao reconhecimento social. Os jovens eram responsáveis não somente pelas festividades sociais, mas também pela segurança social. Ao mesmo tempo em que era o “motor das festas”, a juventude, por provocar distorções, necessitava de forte repressão (DICK, 2003).

De acordo com Dick (2003), os dois lados apresentados sobre a juventude na Idade Média, um voltado à rebeldia que ela incitava, e outro ao ímpeto corajoso, possibilitam compreensão sobre a juventude da época. Contudo, ressalta a complexidade do tema, presente em várias sociedades com sistemas políticos distintos, bem como uma economia diferenciada, com culturas que nem sempre convergiam em termos axiológicos.

Para Libânio (2004), na Idade Média, considerando o período pré-industrial, as crianças deixavam com facilidades casas para trabalhar como aprendizes de artífices ou como empregados/as. Os mais jovens gozavam de liberdade de movimento que hoje seria inconcebível. A situação juvenil muda radicalmente com a industrialização. Surge, no contexto industrial, a necessidade de criar a escola, com organização por idade entre os estudantes, ao ter o esporte papel essencial no pertencimento à equipe e no respeito às regras.

As mudanças ocasionadas com a industrialização e o surgimento da escola de massa, séculos depois, fomentarão outras discussões, próprias das tensões geradas pela modernidade, próximo tópico a ser contextualizado. Notou-se, desde a antiguidade, que a perspectiva juvenil era pouco ou quase nada otimista, ao estar, durante vários séculos, em situação de inferioridade aos mais velhos, os chamados adultos, com seus mais de 40 anos de idade. Outro fator preponderante a ser destacado sobre a juventude é a exaltação da masculinidade em relação à feminilidade. Esta, quase sempre e em sua maioria, condicionada aos serviços domésticos.

Tamanha era a inferioridade das mulheres que, no período feudal, por exemplo, o chefe da casa era o homem adulto e livre e, quando este não estava mais presente, não havendo outro de sexo masculino e livre na casa, capaz de

proteger os menores da família, cabia ao rei delegar agentes para tomar sob sua guarda a viúva (mulher) e o órfão (ARIÈS; DUBY, 2009). É visível nessa época a relevância da presença masculina como principal chefe da família. Também no início do cristianismo, especificamente nos relatos da vida de Cristo, é possível constatar a mesma situação, quando o próprio Jesus, crucificado, delega a um de seus discípulos, João, a guarda da própria mãe, Maria. Socialmente, uma mulher viúva e sem filhos era totalmente excluída na cidade (ARIÈS; DUBY, 2009).

A condição juvenil na Idade Média contribui com os estudos de juventude na contemporaneidade, possibilitando a evolução social, marcada constantemente por reivindicações de novos direitos. Weller (2005) destaca a necessidade de pesquisas voltadas para a compreensão das ações juvenis em seus contextos específicos.