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3. A UPP e o Rio de Janeiro: retratos de uma cidade à venda

3.1. Condições estruturais da comunidade do Borel pós UPP: o que mudou?

As perguntas iniciais referiam-se ao que havia sido modificado pós-obras do PAC, e abrangiam diversos serviços públicos, tais como: abastecimento de água e energia, coleta de lixo, de esgoto, entre outros. Em geral, as avaliações não foram positivas, pois a maioria dos entrevistados considera não ter havido tantas mudanças assim. Em relação ao abastecimento de água, por exemplo, o que se percebe é que a maioria não considera que este tenha melhorado, outros pensam que permaneceu igual e uma minoria (somente M5, M7 e M9) considera que houve melhoras, assim, os relatos vão de frases como “não faltava água, agora falta” (M6) a “todo dia tem água, e ela chega na torneira” (M9).

No que diz respeito aos demais serviços públicos, a realidade não é muito diferente. Em geral, os entrevistados afirmam que o esgoto sanitário continua sendo lançado em valas, no entanto, “melhorou um pouco, pois agora as valas foram tampadas, as vezes a gente sente o cheiro, mas não vemos mais nada” (M10), outro morador afirma que “tem rede de esgoto, e é muito boa, mas falta manutenção” (M11), existem ainda relatos, como o de M2, que afirma a existência de valas de esgoto a céu aberto na comunidade. A coleta de lixo, por sua vez, possui quantitativo de reprovação alarmante, dois moradores (M1 e M4) relataram ser a coleta de lixo o maior problema da comunidade, enquanto M3 e M5 afirmam que permanece igual e M6, M7, M8 e M11 consideram que o sistema de coleta piorou, “a coleta de lixo piorou por causa da UPP, antes tinha gari comunitário, a prefeitura pagava um valor a um morador, e ele fazia a limpeza das ruas, agora ficamos dependendo da Comlurb” (M8), já M1 diz “meu marido que dá um jeitinho na nossa rua, ele capina, cata os lixos”. Somente M2, M9 e M12 afirmam que tal serviço melhorou, “a limpeza das ruas está excelente” (M12). No entanto, em se tratando do

lixo doméstico, todos os moradores relatam terem que jogar seus lixos na caçamba, já que a coleta não é feita por domicílio.

Em relação ao fornecimento de energia elétrica, todos afirmam que após a implantação da UPP e do PAC adquiriram relógio medidor de consumo, e que por isso, passaram a ter o compromisso mensal de quitar a conta de luz, “a conta esta vindo muito alta, a light fez um troço em prol para ela” (M10), outro morador diz “eu tenho condição de pagar, e quem não tem?” (M4). No entanto, a iluminação pública local não é fornecida a todos igualmente, dos entrevistados cinco afirmam que tem acesso a iluminação pública (M4, M5, M6, M7 e M12), dois afirmam que o acesso é parcial (M10 e M13), dois não responderam (M1 e M8) e quatro afirmam que não possuem (M2, M3, M9 e M11), “o que tem a gente que botou” (M2) e “tem poste mas não tem iluminação pública” (M9). Já M13 diz que “uma parte da rua tem, a outra não” e M7 diz “iluminação melhorou com o PAC”.

O acesso ao serviço dos correios, por sua vez, não ocorre de maneira efetiva na comunidade, visto que a localidade não possui nomeação de ruas, ou seja, percorrendo a comunidade nota-se que esta não possui um sistema de identificação oficial das ruas (não existem placas informativas), as informações são obtidas através de escritos dos próprios moradores nas paredes e portões. Outro ponto dificultador é o sistema de numeração das casas, este é feito pelos próprios moradores, ao que parece de forma aleatória, sendo muito comum a repetição do mesmo número em casas diferentes de uma mesma viela ou beco. Dessa forma, o acesso ao serviço dos correios é feito diferentemente da maneira como ocorre no restante da cidade carioca, todos os entrevistados afirmam que para receberem suas correspondências eles se utilizam da associação de moradores local, assim, todas as correspondências chegam à sede da associação, e devem ser buscadas na mesma por seus titulares.

Diante desse contexto, não fica difícil imaginar o quão difícil é encontrar moradores que possuam título oficial de propriedade de seus imóveis. Dos entrevistados, apenas três afirmaram possuir o documento de escritura (M6, M10 e M12), dois não responderam (M1 e M4) e os demais afirmam que não possuem, sendo que M3 diz “escritura eu não tenho não, mas tenho um recibo assinado pela associação, (...), não é registrado em cartório não” e M9 afirma possuir recibo de compra e venda.

Já a avaliação do acesso a serviços emergenciais e entregas de lojas não foi tão negativa quanto aos demais. Nenhum dos entrevistados negou que tenha acesso a serviços como: ambulância, bombeiros, polícia e entrega de lojas (eletrodomésticos, móveis etc.). É unânime a existência de tais serviços, e alguns afirmam que o acesso até melhorou após a UPP (M5, M6, M7, M8, M12 e M13), no entanto, M9 e M11 dizem que o acesso a ambulância piorou e os demais ficaram estáticos. O campeão de afirmativas de aumento quantitativo foi o serviço de viatura policial, quase todos afirmaram que o patrulhamento policial aumentou consideravelmente, “polícia tem muito” (M10).

Outra prerrogativa da UPP é que com o território “pacificado”, seria possível a inclusão dele no atendimento de projetos sociais, culturais e de lazer, visto que estes poderiam ser agentes propiciadores de minimização das desigualdades sociais. No entanto, a maioria dos entrevistados afirma desconhecerem projetos sociais voltados para a comunidade. Apenas M6, M7, M8 e M11 souberam citar o nome de algum, sendo que M7 citou dois projetos (ambos voltados a atividades recreativas e educativas para crianças) e afirmou que “os projetos são poucos, acabam rápido e nem todos que precisam tem acesso”. Já M2, ao ser questionada, rebate “teve isso? Não conheço projeto social na favela, escuto falar, mas na prática nada”. Com relação ao quesito cultura e lazer, não houve nenhuma avaliação positiva, a maioria afirma não haver iniciativas voltadas a tais, e dois (M5 e M7) afirmam que elas até existem, mas que são ruins.

A partir das exposições feitas acima percebe-se que, dentro de um contexto geral, a comunidade do Borel não adquiriu tantas mudanças estruturais. Analisando o todo das entrevistas, nota-se que os principais direitos efetivados pós instalação das UPPs são direitos que, contraditoriamente, vão contra ao próprio morador. Pensemos, por exemplo, na aquisição compulsória de relógios medidores do consumo elétrico, a posse de tal elemento é unânime entre as respostas dos entrevistados. Tal fato é apresentado, pelos instrumentos de divulgação da UPP, como um dos resultados positivos da implantação do programa, já que agora o fornecimento de energia ocorre de forma legalizada e equivalente ao funcionamento do restante da cidade. No entanto, não considero a efetivação deste “direito” como indicativo de resultado positivo das UPPs, visto que a sua efetivação isolada não garante uma concreta melhora de qualidade de vida local. Retomemos a fala de M10

que nos diz “a conta esta vindo muito alta, a light fez um troço em prol para ela”, com isso, podemos afirmar que a efetivação pura e simples desse “direito”, o qual me parece mais um dever, não se consubstancia em uma melhora e igualação do acesso desse segmento da sociedade civil aos direitos efetivados nas demais áreas da cidade.

Outro ponto que merece destaque é a fala de M10 “polícia tem muito”, juntamente com a unanimidade apontada sobre o aumento do quantitativo policial pós UPP. Conforme dito anteriormente, umas das prerrogativas do programa é que após a “pacificação” ocorreria uma entrada de direitos, ou seja, que seria necessário pacificar primeiro para depois efetivar direitos, no entanto, a pesquisa nos mostra que nesta comunidade não houve tal objetivação, pelo contrário, é nítido o contraponto da presença policial em relação aos demais serviços (ambulância, bombeiros, projetos sociais).

Dito isto, podemos afirmar que por hora só tivemos a primeira parte do idealizado, ou seja, por enquanto só constata-se a entrada massiva de forças policiais, a segunda parte do plano, a efetivação de direitos sociais permanece no plano da idealização, lembremos de M2 que nos diz “não conheço projeto social na favela, escuto falar, mas na prática nada”. Outra fala muito demonstrativa deste panorama é a de M7 “os projetos são poucos, acabam rápido e nem todos que precisam tem acesso”, tais afirmativas nos remete novamente a superficialidade dos projetos sociais, que atuam de forma focalizada, abarcando pequenas parcelas deste fragmento social, negligenciando assim, o preceito constitucional da universalidade do acesso à direitos e serviços públicos. Suas intervenções (quando existentes) ocorrem de maneira pontual e paliativa, já que não objetivam e muitos menos possibilitam uma mudança concreta no cenário socialmente desigual, apenas (retomando um pouco a discussão do capítulo anterior) fazem com que tais desigualdades tornem-se menos aparentes. Pois, enfatizemos, as UPPs representam unicamente os interesses do capital, por isso, ela não nasceu visando o acesso efetivo dos favelados a direitos sociais, até por que, é de total interesse burguês que a desigualdade social permaneça com caráter estático.

Assim, teríamos como características básicas da instalação deste programa, a efetivação do direito ao consumo, e o direito à segurança pública. Importante que se diga que tais “direitos”, não podem ser considerados como algo positivo, muito

menos ainda se considerado o contexto em que estão inseridos. Penso que, por mais que o discurso estatal seja de valorização de tais “conquistas” como algo bom para os favelados, a realidade vem mostrando que tais elementos têm melhores rebatimentos na vida de quem mora fora da favela, em detrimento dos próprios favelados. Pensemos na política de segurança pública que vem sendo direcionada a este segmento, é nítido que a forma como a questão da segurança pública vem sendo organizada nas favelas pacificadas, visam garantir a segurança, preferencialmente, de quem mora nas adjacências deste espaço.

Dentro do espaço favelado a lógica é de legitimação da estratégia governamental de controle social, ou seja, de contenção dos seus moradores, os quais são submetidos a um controle direto das corporações pacificadoras. Esse contexto, fortalece a argumentação de que existem diferenças entre as premissas oficiais e criadoras da UPP e a forma com que elas vêm atuando na prática, pois, enfatizo, tal programa tem trazido mais benefícios para quem mora fora da favela do que para seus próprios moradores.

Assim, nota-se que em relação a infra-estrutura, os moradores, em geral, não demonstram perceber muitas mudanças em sua comunidade após a “pacificação”, M4 diz “isso aqui está tudo doido, já se vê que aqui não tem organização, fiquei vinte anos fora daqui, eu voltei e está a mesma coisa”, M11 considera as obras do PAC “pouco importantes, eles só querem fazer quadra”. Temos, inclusive, relatos de piora da organização do Borel pós UPP, retomemos parte da fala de M11 que diz “a coleta de lixo piorou por causa da UPP, antes tinha gari comunitário, (...), agora ficamos dependendo da Comlurb”. Tal afirmativa nos da embasamento para considerar a premissa de que ao tomar posse do território favelado, as UPPs passam a ser as ditadoras das regras e do funcionamento local, ignorando assim, o próprio modo de ser da comunidade. Pois, não esquecemos, tanto a favela quanto o restante da cidade tem que funcionar de acordo com a lógica de cidade-empresa citada no capítulo anterior, e por isso suas normas são possuidoras de incontestabilidade absoluta.

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