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Favela: a bola da vez ou a vez da bola? Considerações acerca da implantação das unidades de polícia pacificadora nas favelas cariocas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PÓLO UNIVERSITÁRIO DE RIO DAS OSTRAS – PURO

SERVIÇO SOCIAL

Camilla Moura Santos

Rio das Ostras 2013

FAVELA: A BOLA DA VEZ OU A VEZ DA BOLA?

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA IMPLANTAÇÃO DAS

UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA NAS

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CAMILLA MOURA SANTOS

FAVELA: A BOLA DA VEZ OU A VEZ DA BOLA?

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA IMPLANTAÇÃO DAS UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA NAS FAVELAS CARIOCAS

ORIENTADOR: Prof. Ms. Bruno Ferreira Teixeira

Rio das Ostras Março de 2013

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do Grau Bacharel.

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CAMILLA MOURA SANTOS

FAVELA: A BOLA DA VEZ OU A VEZ DA BOLA?

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA IMPLANTAÇÃO DAS UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORA NAS FAVELAS CARIOCAS

Aprovada em __/__/___

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________ Prof. Ms. BRUNO FERREIRA TEIXEIRA

ORIENTADOR

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª CRISTINA MARIA BRITES

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

______________________________________________________ Prof. Dr.EDSON TEIXEIRA DA SILVA JUNIOR

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Rio das Ostras 2013

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do Grau Bacharel.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Tereza, pela dedicação e esforço realizados para que até aqui eu pudesse chegar, a qual forneceu todo o apoio material necessário a minha formação, sem o qual eu não teria conseguido.

Ao meu pai, Adalberto, que apesar de não estar mais entre nós, jamais foi esquecido e ao qual devo também a minha existência.

Ao meu padrasto, José Luiz, o qual me acolheu ainda tão pequenina, cuidando de mim como um verdadeiro pai, e que através de sua serenidade moldou quem hoje sou.

À minha tia e madrinha, Lúcia, a qual sempre esteve de prontidão a me ouvir, me aconselhar e me dar suporte emocional nos momentos mais difíceis.

Ao meu tio, Valdeci, por todo o carinho dedicado a mim, e por ter me ajudado em tantos momentos difíceis, desfazendo-se até de seus compromissos pessoais para auxiliar-me nas minhas inúmeras mudanças.

Ao Simei, amado companheiro, que esteve ao meu lado nos momentos de leve desespero, me acalmando e me incentivando a seguir em frente, e que sem o qual essa jornada não teria o mesmo brilho.

Aos amigos, Millena, Raquel, Fernanda, Keyla, Magdália, Carla Bianca, Júlia, Aninha, Adeliana, Tiago e Douglas, pessoas tão especiais e inesquecíveis, amizades verdadeiras que fiz nesta cidade. Os quais me ajudaram, cada um a seu modo, a minimizar as dificuldades de estar longe de casa e tornaram o meu processo de formação mais agradável. Agradeço em especial ao amigo Luciano, por toda cumplicidade a mim dedicada.

À Ana Paula Rocha, querida supervisora, assistente social crítica e comprometida com a defesa dos direitos, responsável por diversas inquietações, as quais contribuíram imensamente na minha formação.

Ao Bruno Teixeira, dedicado orientador, o qual soube fazer as devidas considerações acerca do meu trabalho, sem jamais tolher meus inquietamentos e frenesis. Agradeço por toda sua paciência para comigo, e por todo o conhecimento transmitido, sem o qual a realização deste trabalho não se concretizaria.

Aos colegas Márcio Teixeira e Natália Castelo, os quais viabilizaram a efetivação de minha pesquisa de campo.

Ao colega Victor Rocha, por sua solicitude em me auxiliar no acesso aos entrevistados, o que fez com que a efetivação de minha pesquisa ocorresse de forma mais tranqüila.

Aos treze moradores da comunidade do Borel-RJ (os quais terão suas identidades preservadas devido a conjuntura que estão inseridos), pela prontidão em colaborar com minha pesquisa e pela aparente sinceridade ao responder minhas perguntas, pois sem eles essa pesquisa não se concretizaria.

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“Favela,ô Favela que me viu nascer, Eu abro o meu peito e canto o amor por você. Favela,ô Favela que me viu nascer, Só quem te conhece por dentro Pode te entender. O povo que sobe a ladeira Ajuda a fazer mutirão Divide a sobra da feira E reparte o pão. Como é que essa gente tão boa É vista como marginal Eu acho que a sociedade Tá enxergando mal Entendo esse mundo complexo Favela é a minha raiz Sem rumo,sem tino,sem nexo E ainda feliz. Nem toda maldade humana Está em quem porta um fuzil Tem gente de terno e gravata Matando o Brasil acima de tudo” (Compositor: Leandro Sapucay; Intérprete: Arlindo Cruz)

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RESUMO

Este trabalho parte de uma análise da contextualização política das favelas cariocas ao longo da história, para que desse modo sejam dispostos elementos que auxiliem na análise da inserção desses espaços nas políticas contemporâneas. Desta forma, este trabalho tratará dos principais projetos e programas estatais voltados, ao longo da história, para as favelas da cidade do Rio de Janeiro, buscando destacar suas particularidades e principais interesses legitimadores. Assim, munidos da concepção do que estes espaços, de fato, representam para a elite burguesa, grandemente representada pelo Estado, é possível compreender as atuais intervenções de combate ao “problema” favela. Desse modo, esse estudo tem como objeto central de análise a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora nas favelas cariocas, de modo a obter a compreensão acerca de seus elementos principais, seus meandros e seus rebatimentos no contexto político e social da cidade carioca. Para tal análise, serão utilizadas: bibliografias da corrente teórica da Criminologia Crítica, a qual se destaca como matriz teórica de fundamentação do trabalho, assim como as informações coletadas através da pesquisa de campo realizada em uma favela carioca. Acredita-se que este trabalho será relevante para se pensar a forma como a cidade do Rio de Janeiro vem sendo organizada atualmente, a quais interesses esta nova organização esta direcionada e quais os rebatimentos desse contexto nas vidas dos tradicionais moradores das favelas da grande urbe.

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ABSTRACT

This paper presents an analysis of the political context of slums throughout history, to be arranged so that elements that assist in the analysis of entry into these spaces in contemporary politics. Thus, this paper will address the key state projects and programs aimed, throughout history, to the slums of the city of Rio de Janeiro, seeking to highlight their particular interests and major legitimizing. So, armed with the design of these spaces, in fact, represent the elite bourgeois, largely represented by the state, it is possible to understand the current interventions to combat "problem" slum. Thus, this study is the central object of analysis to deployment of the Pacifying Police Units in the slums, to obtain the understanding of major elements, its intricacies and its repercussions in political and social context of the city of Rio. For this analysis, will be used: the theoretical current bibliographies of Critical Criminology, which stands as the foundation of theoretical matrix work, as well as information collected through field research conducted in a Rio slum. It is believed that this work will be important to think about how the city of Rio de Janeiro is currently being organized, the interests which this new organization is directed and what the repercussions of this context in the lives of slum dwellers of the traditional big city.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...08

1. O Estado moderno, seu processo histórico na cidade do Rio de Janeiro e a sua atuação nas favelas da cidade ...11

1.1. Alguma considerações acerca do Estado Capitalista ...11

1.2. Contexto histórico e político da cidade do Rio de Janeiro...18

2. A favela na cena contemporânea: abordagens, dilemas e formas de tratamento...29

2.1. Conhecendo o modelo de Policiamento Comunitário ...37

2.2. Unidade de Polícia Pacificadora: desmitificando conceitos e abordagens...40

3. A UPP e o Rio de Janeiro: retratos de uma cidade à venda ...50

3.1. Condições estruturais da comunidade do Borel pós UPP: o que mudou?...52

3.2 Polícia Pacificadora ou Polícia Repressora?...57

3.3 UPP: programa de segurança pública ou reorganização das comunidades em prol dos novos interesses do capital?...61

CONSIDERAÇÕES FINAIS...67

BIBLIOGRAFIA...69

APÊNDICES ...74

APÊNDICE 1 – Pesquisa de Campo ...74

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INTRODUÇÃO

O presente estudo é fruto de questionamentos que, insistentemente, fazem parte do meu cotidiano há algum tempo. Antes mesmo do ingresso na Universidade, e desta forma, inserida ainda no senso comum, algumas coisas não pareciam tão óbvias como eram para a maioria das pessoas as quais tinha convívio. Lembro que a palavra favela, e da mesma maneira, tudo o que se vinculava a ela, me inquietavam e causavam até certo fascínio, no entanto, a favela parecia significar coisas diferentes para as outras pessoas, que em geral, possuíam medo e as menosprezavam. Após inserção na Universidade, tive o primeiro contato com uma corrente teórica denominada Criminologia Crítica, tal encontro, que ocorreu durante um grupo de estudos, foi determinante para a escolha de qual seria a minha linha de pesquisa, a qual inicia-se agora com este trabalho de conclusão de curso.

O objetivo central deste trabalho é compreender os meandros do principal programa contemporâneo direcionado para as favelas, as Unidades de Polícia Pacificadora, para desta forma, compreender os impactos que sua criação/implementação proporciona na estrutura organizacional das favelas atendidas e na própria organização da cidade carioca. No entanto, para um qualificado alcance de tal objeto é necessário, primeiramente, tentar desvelar antigas conotações que circundam os espaços favelados, de forma a apreender como ocorre a sua inserção no contexto político e social de uma cidade.Neste caso, o estudo teve como foco preferencial, o processo de formação e constituição desses espaços na cidade do Rio de Janeiro. O trabalho constitui-se em uma tentativa de desmistificar algumas antigas “verdades” amplamente propagadas, que sempre faziam menção a favela como espaço naturalmente imoral e periculoso. Para além disso, buscou-se também compreender quais interesses estariam representados por tais “verdades”, assim como, entender o processo que culminou em suas legitimações e para quais finalidades foram criadas.

Assim, primeiramente lançamo-nos num processo de resgate histórico da formação das favelas cariocas, buscando entender como estas haviam sido formadas e quais foram os tratamentos direcionados para elas ao longo da história, em especial, as medidas estatais utilizadas para tratar das questões referentes ao enfrentamento da pobreza na cidade do Rio de Janeiro.

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Desta forma, o primeiro capítulo constitui-se em dois momentos: primeiramente, fez-se necessário entender de que modelo de Estado estamos falando, ou seja, o trabalho inicia-se com um apanhado teórico, acerca da definição do Estado dentro da lógica capitalista, abarcando sua metodologia de funcionamento, assim como os interesses vinculados a ele. Já tendo claro o modelo de Estado vigente, dá-se início ao segundo momento, que constitui-se em um apanhado histórico das medidas estatais do governo carioca de enfrentamento-controle da pobreza, tal contextualização caminha entre o início do século XX e o fim da década de 1980, e abarcam o surgimento do espaço favelado e as principais políticas públicas direcionadas para ele.

O segundo capítulo também se constitui em dois momentos: o primeiro trata das abordagens contemporâneas acerca das favelas, ou seja, aqui expomos qual o modelo de política que vem sendo direcionado atualmente para as mesmas, assim como, as estratégias utilizadas para o legitimarem. Após essa breve atualização do contexto estrutural das favelas cariocas, iniciamos o segundo momento deste capítulo. Este se trata de um aprofundamento teórico e crítico sobre o principal programa da atualidade, dentro da cidade do Rio de Janeiro, com atuação voltada para as favelas: as Unidades de Polícia Pacificadora; aqui, o foco estará direcionado a análise dos elementos centrais que norteiam tal programa, assim como os elementos da realidade cotidiana carioca que o propiciaram.

Por fim, o terceiro capítulo constitui-se na avaliação das conseqüências da aplicação do programa supracitado, analisando as suas particularidades e mediações. Para tal, fez-se necessário a execução de uma pesquisa de campo, que foi realizada na favela do Borel-RJ (contemplada pelo programa desde 2010), e teve como principal objetivo apreender o processo de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, a partir do olhar do público-alvo oficial, assim como os progressos e/ou regressos percebidos por estes, e a forma pela qual a relação entre ambos é estabelecida. A partir da análise dos dados coletados e de reportagens sobre o assunto, lançamo-nos em uma reflexão sobre a estrutura desse programa, visando compreender quais são seus verdadeiros objetivos e para quem foi criado.

Acreditamos que essa pesquisa se faz relevante para compreendermos, de forma mais qualificada e com fundamentação teórica, quais sãos as correlações de força e de poder vinculadas à favela, compreendendo assim, a sua posição no

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contexto histórico e político da cidade. Tal estudo é importante também para pensarmos a atual forma de organização da cidade do Rio de Janeiro, de forma a refletir sobre quais são os interesses norteadores de quem a governa.

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CAPÍTULO 1

O Estado moderno, seu processo histórico na cidade do Rio de Janeiro e a sua atuação nas favelas da cidade

1.1 – Algumas considerações acerca do Estado Capitalista

O Estado se configura em uma instituição que, apesar de seu caráter público, surgiu a partir da necessidade capitalista da existência de um órgão que defenda e represente os interesses da classe dominante,

a noção de Estado enquanto representante do interesse geral, (...), não passa de uma aparência a ocultar a dominação de uma casta burocrática que defende apenas, como todas as outras ‘corporações’ da sociedade civil, os seus próprios interesses particulares. (COUTINHO,1996, p.18)

O Estado capitalista tem como ponto de origem as relações sociais, ou seja, a necessidade de criação desse aparato jurídico surge a partir de interesses concretos de um fragmento da sociedade civil. Dessa forma, o Estado capitalista nada mais é do que uma instituição pública com o objetivo de viabilizar interesses privados, ele é “a forma de organização que os burgueses criam para si, (...), com a finalidade de garantirem suas propriedades e seus interesses.” (COUTINHO, 1996, p. 19), ou seja, apesar de se tratar de uma instituição pública, sabemos que as intervenções do Estado capitalista são permeadas e norteadas pelos interesses de uma pequena elite, a burguesia. No entanto, para que esses interesses particulares sejam defendidos e para que a lógica do capital continue a se legitimar, faz-se necessário usar de artifícios e estratégias que visem controlar a classe subalternizada, para que essa seja obediente a classe dominante, garantindo assim a manutenção da “ordem”.

Sabemos que a economia capitalista se reproduz através da obtenção da mais-valia, ou seja, para que haja reprodução do capital é primordial que exista a exploração do homem pelo homem, se faz necessário que o trabalhador venda a sua força de trabalho (único bem que possui) para os proprietários dos meios de produção (que foram obtidos através de expropriações e acumulações), sendo assim, ao vender sua força de trabalho ao capitalista, o trabalhador recebe deste um salário que, teoricamente, é equivalente ao necessário para a sua manutenção e a

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de sua família. No entanto, os bens produzidos por ele geram riquezas para seu patrão que não são repassadas para o trabalhador, pois esse já recebeu por seu trabalho. Dessa forma, o capitalismo só existe em concomitância com a desigualdade social, ou seja, para que o sistema capitalista exista obrigatoriamente haverá pobreza. Contudo, é importante que se diga que a desigualdade social, e da mesma forma as relações sociais norteadas pela exploração, não são algo exclusivo do capitalismo, em outras estruturas de sociedades (feudalismo, escravidão) ela também esteve presente. Como nos diz Netto:

a exploração não é um traço distintivo do regime do capital (sabe-se, de fato, que formas sociais assentadas na exploração precedem largamente a ordem burguesa); o que é distintivo desse regime é que a exploração se efetiva num marco de contradições e antagonismos que a tornam, pela primeira vez na história registrada, suprimível sem a supressão das condições nas quais se cria exponencialmente a riqueza social. (...). Nas sociedades anteriores à ordem burguesa, as desigualdades, as privações etc. decorriam de uma escassez que o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas não podia suprimir (...); na ordem burguesa constituída, decorrem de uma escassez produzida socialmente, de uma escassez que resulta necessariamente da contradição entre as forças produtivas (crescentemente socializadas) e as relações de produção (que garantem a apropriação privada do excedente e a decisão privada da sua destinação). (2001, p. 46)

Assim, a manutenção da “ordem” referida acima, é aquela necessidade burguesa de controlar as classes subalternizadas, de forma que elas não modifiquem e nem atrapalhem o andamento do modelo de sociedade vigente. Tudo o que venha a questionar, discutir e propor mudanças, é considerado pela ideário dominante como algo que incita à desordem, ou seja, tais ideais são considerados como um problema que deve ser tratado e eliminado para que as relações de produção capitalistas não sejam prejudicadas. Nesse contexto, pode-se dizer que manter a “ordem” significa permitir que a lógica do capital continue se reproduzindo, para tal são instituídos leis e decretos que visam definir os atos que podem ou não serem cometidos.

Importante enfatizar que estamos tratando aqui de um Estado classista, que se utiliza de um pré-estabelecido discurso de defesa dos interesses universais para mascarar suas ações em prol dos interesses de uma pequena minoria, dessa forma, sabemos que a principal função do Estado capitalista é, de uma forma organizada, perpetuar a relação de opressão de uma classe sobre outra.

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No entanto, para se alcançar esse objetivo é necessário a criação de mecanismos que o legitimem, por isso, cria-se o conceito de igualdade jurídica entre os cidadãos, cria-se uma ideia de que o Estado, por estar além das classes sociais, defende a todos os cidadãos da mesma forma (todos são iguais perante a lei independentemente de classe social, gênero, etnia). Ou seja, “os indivíduos se abordam no mercado essencialmente como iguais” (HARVEY, 2005, p. 81), já que todos teriam acesso aos mesmos direitos, e teriam o mesmo tratamento jurídico. Essa “igualdade” estaria representada também pelo dinheiro, já que, dentro desse pensamento, todos possuem as mesmas oportunidades de adquiri-lo, e que tendo posse deste, os indivíduos possuem as mesmas condições de consumo. Assim, utilizando-se de tais estratagemas, cria-se uma ideia de que não existiria diferenciação da sociedade entre classes.

O Estado moderno tem como uma das suas características essenciais a proteção e inviolabilidade da propriedade privada, e conseqüentemente a defesa das relações mercantis, e é para alcançar tais objetivos, que essa instituição se estrutura dessa forma. Como nos diz Edmundo Dias:

Ele e o universo ideológico que constrói/veicula, viabilizam a possibilidade do capitalismo como dominação e a tornam possível sem que a violência (exploração/opressão) se torne visível, impedindo assim, ou tratando de, a explosão da rebeldia das classes subalternas. (1999, p. 50)

Para além da mistificação de um Estado regido por interesses universais, as classes subalternizadas também sempre foram submetidas a medidas de coerção executadas através dos agentes do ideário dominante1. Essas medidas coercitivas tiveram, em cada momento histórico, uma característica específica, mas sempre se referiram ao mesmo pensamento, onde a classe dominante dita as regras a serem seguidas através do uso da violência (física ou ideológica) como argumento. Na história brasileira a coerção sempre existiu, contudo, ela se expressou de maneiras diferenciadas em cada período. No período escravocrata, por exemplo, acreditava-se que os negros não eram acreditava-seres humanos como os homens brancos e que por serem inferiores, deviam se submeter a exploração dos senhores de engenhos, estes por sua vez arcavam com a manutenção material (mesmo que precária)

1

“A transição para o capitalismo conduz a um direito penal orientado diretamente contra estes setores populares. A criação de um direito eficaz para combater os delitos contra a propriedade torna-se a preocupação central da burguesia urbana ascendente.” (Batista, 2003, p. 43)

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daqueles, ou seja, forneciam moradia, alimentação e vestimentas mínimas para que continuassem vivendo e assim trabalhando.

O Estado capitalista necessita que a classe trabalhadora continue exercendo suas atividades laborativas e dessa forma produzindo mais-valia, no entanto, o Estado por si só não é capaz de garantir a sobrevivência material de toda essa classe. Por isso, para continuar se legitimando, é necessário que o Estado crie alguma forma de obter a aceitação da população, assim, cria-se um sistema estatal onde os representantes legais da população são eleitos através do voto “livre” 2

. Não podemos ignorar que esse fato, o acesso ao direito de escolher quem serão os governantes, é uma conquista da classe subalternizada, pois implica num maior controle sobre o funcionamento do Estado.

No entanto, uma observação mais cuidadosa desta realidade mostra que, embora os eleitores possuam o direito a escolher “livremente” seus representantes, tal escolha não é feita de forma consciente, pois é muito comum termos eleitores que sequer sabem as funções de um deputado, ou de um senador, entre outros. Ou seja, em nosso país é muito comum a crítica pura e simples da ação de um ou outro político, mais são poucos os cidadãos que participam dos espaços de deliberação pública, até por que tal participação não possui incentivo governamental para que ocorra, e são poucas as divulgações de tais espaços. Em geral, nossos eleitores estão muito ocupados com a tarefa árdua e compulsória, de obter a sua subsistência e a de sua família, e por isto, não possuem disponibilidade de tempo para outras funções que não essas. Assim, o direito de votar acaba se constituindo em mais uma estratégia de legitimação burguesa, onde é possível através de instrumentos como, por exemplo, as pesquisas de intenção de voto amplamente divulgado nos aparelhos privados de hegemonia, modular as eleições de acordo com os interesses dominantes.

A realidade brasileira, em especial, é marcada pela ausência de uma práxis política entre a população, dessa forma, muito embora seja pregado que os políticos eleitos representam a escolha livre e consciente dos eleitores, percebe-se que não é

2

O processo de escolha de um candidato não ocorre de forma tão neutra, sabemos que em algumas regiões este é marcado pelo clientelismo, sendo muito comum termos notícias da troca de votos por pequenos favores ou doações simplistas, tais como: cestas básicas, dentaduras, materiais para construção civil, entre outros. Tal fato é característico da ausência de consciência política e total detrimento do interesse coletivo em prol do interesse individual.

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exatamente assim que se dá o funcionamento da política nacional. Com isso, ao se intitularem como “representantes do povo”, dissimula-se a ideia de que eles representam os interesses da maioria e assim possibilita-se que seus interesses particulares sejam impostos à população, mesmo que essa não compartilhe dos mesmos.Contudo, existem segmentos da sociedade que se opõem a tal contexto, e que se organizam para resistir a tal arbitrariedade, porém, tais movimentos são considerados pelas grandes mídias, como sendo ações baderneiras e sem propósito fundamentado. Tais premissas são repassadas a população, que as aceitam acriticamente, e com isso legitima-se a vulgarização e enfraquecimento dos movimentos de resistência.

Vale aqui uma pequena ressalva, com o intuito de clarificar a importância das grandes mídias no processo de legitimação da hegemonia burguesa. Não podemos ignorar que essas grandes mídias, como por exemplo, a Rede Globo, são empresas privadas inseridas na lógica capitalista, e que dessa forma, estão inseridas dentro do que Gramsci denomina de “aparelhos ‘privados’ de hegemonia” (COUTINHO, 1996, p. 54). Para que uma determinada classe se torne hegemônica, é necessário que seja formada sobre ela um certo consenso, para além da autoridade exercida através da coerção. Dessa forma, tais aparelhos funcionam como um braço de divulgação e defesa dos interesses (neste caso) burgueses, os quais são propagados entre a população de maneira quase que imperceptível, e se tornam possuidores de uma verdade quase que irrefutável.

Ao se pensar com mais profundidade e de maneira critica a respeito do Estado capitalista, é possível constatar que apesar de se apresentar como instituição neutra e superior as classes, tal neutralidade não passa de um embuste, pois o Estado funciona como um mediador dos conflitos entre as classes, visando sempre os interesses dominantes em sobreposição aos dos subalternizados. Para impetrar sua autoridade, o Estado utiliza-se, para além dos elementos citados acima, de aparelhos repressivos e burocrático-executivos que funcionam como agentes defensores da lei, ou seja, as forças policiais, que atuam de forma repressiva, fazendo uso, quando necessário, da violência para que a “ordem” não seja abalada e para que o “mal” seja exterminado.

As relações sociais mundiais contemporâneas são regidas pelo neoliberalismo, tal forma de organização societária defende que o funcionamento da

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sociedade, e em principal o do mercado, ocorram de forma “natural”, ou seja, ele mesmo se auto-regula através da lei da oferta e da procura, e que por isso é necessário permitir que essas relações aconteçam livremente e sem intervenções, enfatizo que principalmente intervenções estatais na esfera social. O neoliberalismo afirma e reproduz a crença de que o problema da desigualdade social é de cunho individual e moral, ou seja, aqui é defendida a premissa positivista3 de que a pobreza não é um problema decorrente do sistema de produção vigente, pois esse funciona de maneira natural e harmônica, mas sim de uma dificuldade individual de se adaptar ao que está posto e de aproveitar as oportunidades colocadas, ou seja, o fato de um indivíduo não conseguir se inserir economicamente em sociedade seria uma patologia individual e não estrutural. Dessa forma:

cada indivíduo agindo em seu próprio interesse econômico, quando atuando junto a uma coletividade de indivíduos, maximizaria o bem-estar coletivo. É o funcionamento livre e ilimitado do mercado que asseguraria o bem-estar. (BEHRING & BOSCHETTI, 2007, p.56)

A premissa neoliberal defende que os gastos do Estado com a esfera social devem ser mínimos, sua intervenção nessa esfera deve acontecer de forma paliativa, visto que o mercado é auto-regulador, e não necessita da ação social estatal para garantir sua harmonia, já que ele é harmônico por si só. O mercado não deve sofrer limitações por parte do Estado, pois é preciso permitir que sua “mão invisível” aja livremente, ao se fazer isso o mercado garantirá um equilíbrio entre os indivíduos, já que a eles estariam garantidas “livre concorrência e livre escolha”. Tais pensadores defendem que quando o Estado intervém na esfera social, garantindo à população direitos e benefícios ampliados, ele está estimulando a ociosidade entre os sujeitos e também subtraindo a capacidade de liberdade dos cidadãos, desse modo, ele estará atrapalhando a formação do “exército industrial de reserva” tão necessário à perpetuação desse sistema. Devido a isso, o ideal propagado é que a intervenção social do Estado deve ocorrer apenas nos casos de extrema miséria, onde o indivíduo seja considerado incapaz de ser possuidor de “empregabilidade”.

Partindo do pressuposto de que o fato de um sujeito ser pobre é decorrente de uma dificuldade individual de inserção no mercado, as organizações neoliberais (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) definem que as políticas de

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Segundo Michel Lowy, a idéia central do positivismo é que as: “leis que regulam o funcionamento da vida social, econômica e política, são do mesmo tipo que as leis naturais e, portanto, o que reina na sociedade é uma harmonia semelhante à da natureza, uma espécie de harmonia natural.” (1998, p. 36)

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combate a pobreza devem ser focalizadas apenas nesses sujeitos, de forma que os transformem em sujeitos competitivos e capazes de inserir-se no mercado formal de trabalho e, dessa forma, sair da linha de pobreza. Contudo, mesmo nesses casos o acesso ao direito é amplamente dificultado, o Estado utiliza-se de uma estratégia denominada por Wacquant como “técnica administrativa de contração do Estado caritativo”:

ela consiste em acumular os obstáculos e pré-requisitos burocráticos impostos aos postulantes, de modo a desencorajá-los ou a eliminá-los (mesmo que temporariamente) das listas de beneficiários. (...) as agências de ajuda social multiplicaram os formulários a preencher, o número de documentos a fornecer, a freqüência dos controles e os critérios de reavaliação de dossiê. (2003, p. 24-25)

Utilizando-se dessa estratégia, as organizações neoliberais chegam a êxito em dois objetivos: elas não interferem e/ou prejudicam o andamento da produção de mais-valia capitalista, pois os indivíduos considerados “competitivos” continuam a produzir; e, ainda transmitem à sociedade civil a ideia de estarem preocupados com a luta pelo combate à pobreza (mesmo sem tocar nos fundamentos dessa desigualdade social), garantindo assim a sua legitimidade.

Devido à perpetuação do neoliberalismo, as expressões da questão social têm sido tratadas com políticas sociais pontuais e com práticas coercitivas recorrentes, com a forte tendência de vincular pobreza com marginalidade. Não existem políticas voltadas para a real emancipação do homem. Netto diz que:

o cuidado com as manifestações da ‘questão social’ é expressamente desvinculado de qualquer medida tendente a problematizar a ordem econômico-social estabelecida; trata-se de combater as manifestações da ‘questão social’ sem tocar nos fundamentos da sociedade burguesa. (2001, p. 44).

De acordo com Faleiros (2007), tais políticas sociais não ultrapassam a esfera do mínimo necessário a sobrevivência, pois ficarão sempre restritos ao âmbito do que é fundamental e indispensável à reprodução da vida humana, ou seja, visam garantir aos contemplados alguns insumos básicos à sobrevivência, os quais não foram supridos pelas relações sociais capitalistas. E utilizando-se de tais elementos, o Estado ganha uma denotação paternalista, e suas ações são mistificadas como ações preocupadas com o bem-estar dos pobres. No entanto, entende-se que tais políticas sociais, da forma em que se estruturam, não surgiram da simples benevolência estatal para com os pobres, elas são resultados de lutas históricas

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entre representantes da classe subalterna e burguesia, e apresentam a síntese de tais embates, contudo, sua própria efetivação mostra-se contraditória, visto que,

Do ponto de vista das classes trabalhadoras, estes serviços podem ser encarados como complementares, mas necessários à sua sobrevivência, diante de uma política salarial que mantém os salários aquém das necessidades mínimas historicamente estabelecidas para a reprodução de suas condições de vida. (...). Do ponto de vista do capital, tais serviços constituem meios de socializar os custos de reprodução da força de trabalho, preferível à elevação do salário real, que afeta diretamente a lucratividade da classe capitalista. Os custos desses serviços passam a ser partilhados não só pelo conjunto dos capitalistas, mas pelos próprios usuários, sendo subsidiados pelo Estado. (IAMAMOTO, 2008, p. 97)

Assim, podemos definir que o Estado nada mais é do que um prolongamento do sistema capitalista, o capitalismo não existiria sem a presença do Estado, e em contrapartida, fora da sociedade capitalista não haveria a necessidade de existência deste, já que não haveriam classes sociais antagônicas e por isso, o Estado, nos moldes atuais, seria desnecessário. De acordo com Dias (1999), é necessário que exista essa instituição reguladora aparentemente neutra e extraclasse. O pensamento capitalista ganha legitimidade, ao propagar a ideia de um Estado como sendo superior as classes sociais e que por isso não há diferença entre os cidadãos, sendo todos iguais perante a lei, dessa forma, “exploração e opressão são tornadas palavras vazias pelo efeito mágico da ideia de individualidade e de cidadania. Tudo se passa como se todos fossem iguais.” (p.42). Assim, embora garanta direitos sociais, o objetivo principal do Estado não é garantia de uma sociedade, de fato, igualitária em todas as esferas da totalidade social, mas sim, a manutenção do sistema capitalista.

1.2 – Contexto histórico e político da cidade do Rio de Janeiro.

A história de construção da cidade do Rio de Janeiro é marcada pela presença de ações que buscaram sempre legitimar os interesses das classes dominantes. As intervenções públicas, em sua grande maioria, foram pensadas e efetivadas com o propósito de colaborar com tal objetivo.

Durante o período do Brasil-Colônia não havia a separação espacial entre ricos e pobres, a diferenciação se dava através da aparência das habitações. Com a chegada do século XX, a cidade carioca passa a usufruir do bonde de burro e do

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trem a vapor como meios de transporte, dessa forma “são lançados no espaço os elementos que possibilitam, dentre eles a separação, gradual a principio e acelerada depois, dos usos e classes sociais que se amontoavam no antigo espaço colonial.” (ABREU, 2008, p. 36). Pode-se dizer então, que a obtenção desses novos meios de transporte foi a medida que desencadeou em um longo processo de evolução e expansão urbana.

A partir daí, a cidade passa a ser pensada e estruturada de uma forma que favoreça as relações mercantis da época, e torna-se o ponto de partida para o processo de satisfação das necessidades do capital. Devido ao fato de que esses meios de transportes, teoricamente, agilizavam e facilitavam a vida da população, passa-se a povoar áreas que antes não eram habitadas devido a falta de acesso, dessa forma, são criados novos bairros distantes do núcleo urbano, que posteriormente serão chamados de periferias.

Na época em que o Rio de Janeiro era a capital da nação já existia uma ruptura na cidade, pois havia uma tentativa de embranquecimento da população para que essa se tornasse uma cidade baseada nos moldes europeus, referindo-se a esse período, Zaluar utiliza-se da seguinte frase de Lima Barreto: “vê-se bem que a principal preocupação do atual governador do Rio de Janeiro é dividi-lo em duas cidades: uma será européia e a outra indígena” (ZALUAR, 2006, p. 12). Tal dualidade defendida acima foi primordial para legitimar a atual distinção “favela x asfalto”.

A problematização da questão referente às condições físicas e sanitárias das casas e dos bairros populares, ganhava uma proporção maior a medida que o tempo avançava, era necessário que essas habitações e ruas (as quais possuíam ainda grandes características coloniais) fossem adaptadas às novas necessidades mercantis, por exemplo, deveriam ser pensadas de forma a facilitar o escoamento de mercadorias para o mercado internacional. Porém, de acordo com Campos (2007), é necessário elucidar que essas preocupações reinavam apenas no campo político e econômico, ou seja, embora fazendo uso de um discurso de preocupação com a saúde pública e o meio ambiente, não eram essas as questões que realmente fomentavam a necessidade de modificações, e sim o interesse de tornar a capital carioca atraente ao capital estrangeiro.

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O processo de higienização vinculado as classes mais pobres teve seus primeiros adeptos durante o período da República Velha4. O discurso utilizado à época era de que as habitações dessa classe eram foco de epidemias devido aos seus baixos padrões de higiene e precárias estruturas físicas, e com isso prejudicavam o embelezamento do cenário urbano; no entanto, ao invés de colocarem em prática políticas públicas de habitação e saneamento para esse segmento social, o que houve foi o período conhecido como a Era das Demolições. Para essas classes estigmatizadas, a única política do Estado que se fez presente foi a repressão através da força policial, onde miséria, fome, ausência de saneamento, baixa escolaridade, moradias precárias e irregulares foram tratadas como questão de polícia e remoção, e não como frentes de trabalho que necessitassem de políticas sociais públicas e de qualidade.

Não há como falar do processo de higienização da cidade do Rio de Janeiro sem falar do governo Pereira Passos, principalmente por que foi nesse momento histórico que aconteceram as primeiras intervenções no tecido urbano realizadas diretamente pelo governo municipal, visto que as ações que antecederam a ele tinham como executores os setores privados e a sociedade civil, ficando o Estado apenas no âmbito de controlar essas ações (estimulando, regulando e/ou proibindo). Passos “propõe uma cirurgia na cidade com esvaziamento do centro e remoção dos bairros pobres para áreas periféricas” (BATISTA, 2003, p.39). Ele inicia seu mandato deixando muito claro que seu foco estava em torno dessa problemática5, nesse sentido, uma série de medidas foram tomadas para se alcançar esse ideal.

O objetivo era retirar dos grandes centros aquilo que representava ameaça ao desenvolvimento da cidade e “sujava” sua imagem, e colocá-los em territórios que fossem afastados do centro da mesma, para que essa pudesse crescer em seus empreendimentos imobiliários e comerciais; assim, os pobres que moravam nas habitações populares, e principalmente nos cortiços, foram expulsos de suas casas através do uso da violência, pois elas “sujavam” a imagem da cidade. Fazendo a

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Em 9/12/1882, foi promulgado um decreto que isentava de impostos aduaneiros e concedia outros benefícios ás indústrias que construíssem “casas populares higiênicas, com fossas, dependências de cozinha e de lavanderia, elevadas do solo e com boa aeração”. (ABREU, 2008, p. 57)

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“Para empreender seu programa de reformas, Passos determinou, logo após ser nomeado, a reorganização da antiga Comissão da Carta Cadastral, que deveria fornecer o apoio logístico necessário às obras que pretendia realizar, as quais foram discriminadas na mensagem encaminhada à Câmara em 1/9/1903 sob o título ‘Embelezamento e Saneamento da Cidade.’ ” (ABREU, 2008, p.60)

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expulsão desses para as periferias, a cidade estaria livre das ameaças que essas massas representavam, desta forma,

na maioria dos casos, a Prefeitura desapropriava mais prédios do que aqueles necessários para o alargamento de ruas. Visava com isso a venda dos terrenos remanescentes (e agora valorizados) após o término das obras, ressarcindo-se de grande parte dos seus custos. (ABREU, 2008, p. 61)

Passos iniciou assim um longo processo de tentativa do Estado de retirar esses “empecilhos” do caminho. Ao longo das várias administrações públicas6 posteriores a ele, grandes modificações foram ocorrendo no cenário urbano carioca, no lugar dos antigos cortiços e habitações populares foram criadas extensas avenidas, espaços para realização de grandes eventos e loteamentos de terrenos que, devido ao seu alto custo, passaram a ser habitados pelas classes mais abastadas da época. Dessa forma, a classe subalternizada foi retirada de suas residências, de forma violenta na maioria dos casos, alguns destes receberam um valor material pela desapropriação, no entanto esse valor era módico, o que não permitia a aquisição/manutenção de outra residência. Assim,

Ao tirar os pobres e demolir as casas mais antigas e precárias das regiões centrais da cidade, o valor dos imóveis destes bairros subiu muito. O trabalhador deixou de poder pagar um aluguel no centro, que virou propriedade exclusiva dos ricos. (BOULOS, 2012, p. 28)

De acordo com Boulos (2012), toda atenção da classe dominante estava voltada ao processo de tornar o centro da cidade um lugar ideal para as necessidades mercantis, o fato de haver cidadãos sem moradia não era algo que, de fato, preocupasse-os, pois para a burguesia pouco importava se havia pessoas sem casa para morar, o importante eram as pessoas que poderiam pagar por esta.

O Estado propunha que essa população pobre procurasse moradia nas periferias da cidade, que por sua vez eram áreas sem valor econômico, e bem distantes do grande centro, assim, seria possível alcançar o lucro almejado com a especulação imobiliária e ainda fazer com que esses sujeitos (que “sujavam” o cenário urbano) ficassem longe dos olhos da elite e da classe média. Porém, muitas dessas pessoas trabalhavam nas indústrias e fábricas localizadas no centro, o que tornava a moradia em periferias uma dificuldade para elas devido à distância que

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De acordo com Mauricio de Abreu (2008), não só o governo Passos (1902-1906) se dedicou à reconstrução da forma urbana, como também os governos de Serzedello Correa (1909-1913), Amaro Cavalcanti (1914-1918), Paulo de Frontin (01/1919 – 07/1919), Carlos Sampaio (1920-1922).

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teriam que percorrer para chegar ao trabalho, mesmo assim, houve um deslocamento dessas pessoas para as periferias, mas a grande maioria desses expurgados optou por habitar os morros e encostas próximos ao centro: essa área não tinha valor econômico e, portanto, não interessava ao Estado e as classes dominantes, surgem assim, o que atualmente chamamos de favelas, ou seja,

povoações de habitação precária, edificadas sem recursos e conhecimento técnico, pelo esforço de sobrevivência dos excluídos da ordem urbana, em áreas localizadas na maior parte das vezes em morros, (...), sem serviços públicos que ultrapassem uma inconstante e preconceituosa vigilância policial. (MELO, 2009, p. 18)

Assim como os extintos cortiços, as favelas desde o seu surgimento são consideradas espaços degradantes, nos quais existe um forte estímulo e naturalização da ociosidade e por isso tornam-se, no senso comum, “berço” da marginalidade e refúgio de pessoas ligadas ao crime. No entanto, naquele momento histórico, a ocupação dessas encostas e morros não era algo que prejudicasse os interesses burgueses e por isso tal êxodo não foi abortado.

Devido ao grande desenvolvimento industrial e a instalação de grandes fábricas, houve um aumento considerável de vagas de emprego, tal fator fez com que a cidade carioca se tornasse um atrativo para muitos imigrantes em busca de inserção no mercado de trabalho, pessoas de outras cidades e até de outros estados mudaram-se para o Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. Ao chegarem à cidade depararam-se com os altos preços dos terrenos e imóveis, os quais não eram compatíveis com as suas possibilidades financeiras, sendo a principal solução para tal celeuma habitar as favelas que se formavam na cidade, visto que a aquisição de terrenos e casas nesses espaços era financeiramente mais viável. Como se pode imaginar, esse contexto fez com que as favelas se expandissem e se multiplicassem pela cidade, principalmente pelo fato de não terem sofrido (a princípio) tentativas de extinção, já que não atrapalhavam os interesses dominantes, pelo contrário, a favela torna-se, naquele momento, uma fonte de mão-de-obra barata indispensável ao desenvolvimento capitalista.

No entanto, com o passar do tempo, a favela passa a ser um problema de cunho moral e político, já que eram causadoras de condições insalubres e impediam a expansão urbana, ou seja, um mal que necessitava ser exterminado, como nos mostra o Código de Obras criado em 1937, legislação que

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registra com precisão a situação marginal das favelas: por serem consideradas uma ‘aberração’ não podem constar do mapa oficial da cidade; por isso, o código propõe sua eliminação, pelo que também tornava proibida a construção de novas moradias, assim como a melhoria das existentes. (ZALUAR, 2006, p.27)

Baseados nesse preceito surgem os Parques Proletários, bairros onde as casas eram feitas para serem vendidas a preços baixos às pessoas comprovadamente pobres. O ideal defendido era que tais pessoas eram “almas necessitadas de uma pedagogia civilizatória” (ZALUAR, 2006, p. 28), ou seja, era necessário ensinar para essas pessoas a maneira correta de se viver, elas deveriam passar por lições de moral7, e isso seria facilitado se tais pessoas fossem agrupadas em um espaço de fácil controle para o Estado. A cidade carioca inaugurou três parques proletários (Gávea, Leblon e Caju) que serviram de abrigo a cerca de quatro mil pessoas. Para atrair essa população para os parques, o Estado discursou que essa mudança de residência seria provisória e que essas famílias poderiam voltar para suas antigas habitações assim que essas áreas estivessem urbanizadas, mas, como era de se esperar, tal urbanização nunca ocorreu.

A implementação dos parques proletários era algo que assustava a população das favelas que ainda não tinham passado pelo processo, pois elas não queriam sair de suas casas, bem como do bairro onde moravam. Diante dessa ameaça, os moradores de favelas passaram a se constituir em sujeitos políticos ativos, começaram a se organizar enquanto associação de moradores, reivindicando melhorias na infra-estrutura de suas localidades e a efetivação de direitos sociais. A partir daí, uma série de programas e projetos foram elaborados para fazer com que essas pessoas não se rebelassem contra o governo e permanecessem sob controle, tais iniciativas tinham como principais agentes o Estado e a Igreja Católica. Ao invés de se utilizarem da coerção direta, esses agentes optaram pela persuasão.

Datam desse período a criação de instituições cujas ações eram direcionadas diretamente para a população favelada, como por exemplo, a Fundação Leão XIII. Tal instituição foi criada pela arquidiocese carioca, e sua função era dar assistência material e moral aos habitantes, dessa forma ela inaugurou serviços básicos como

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As pessoas que moravam nos Parques Proletários eram submetidas a regras, para entrar nesses espaços os moradores tinham que apresentar uma carteira de identificação e a entrada só era permitida até as 22h, após esse horário os portões eram fechados. Além disso, funcionava nesses parques uma espécie de “rádio”, onde o administrador comentava os fatos do dia e ainda expressava suas opiniões sobre eles, de forma a ensinar aos moradores a maneira correta de agir nas mais variadas situações.

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água, esgoto e iluminação pública em algumas favelas. No âmbito das intervenções religiosas, tivemos também ações como a Cruzada São Sebastião, que tinha o intuito de aprofundar o trabalho dessa instituição com as favelas, unindo urbanização e pedagogia cristã. Já no âmbito do governo municipal, tivemos o Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-higiênicas (Serfha) e a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (Codesco). Todas essas ações visavam controlar de alguma forma o desenvolvimento e expansão das favelas.

O Serfha, por exemplo, impunha à todas as associações de moradores que assinassem um acordo, onde deveriam: notificar ao Estado quaisquer melhorias nas casas, sendo sujeito a veto; impedir a construção de novas casas; recolher contribuições dos moradores e utilizá-las na melhoria local; contribuir para manutenção da ordem nas favelas, entre outros. Em contrapartida, o Estado, segundo Zaluar, teria que:

∙Fortalecer a associação da favela e nada fazer nas favelas ou vilas sem anúncio ou acordo prévio;

∙Supervisionar a utilização dos recursos recolhidos pela associação e aplicados em melhorias na favela;

∙Substituir progressivamente os barracos por construções mais adequadas, com a ajuda dos próprios favelados;

∙Autorizar a melhoria dos barracos existentes, tendo sido os reparos aprovados pela associação. (2006, p. 32)

Seguiu-se a isso um período de intervenções públicas mescladas entre remoção e urbanização, ou seja, concomitantemente a execução de obras de infra-estrutura efetivada em algumas favelas, ocorreu a criação da Cidade de Deus, bem como das vilas Kennedy, Aliança e Esperança, que funcionaram como conjuntos habitacionais que serviram de abrigo aos moradores de favelas erradicadas. Importante falar que esses favelados obtinham autorização para construir suas habitações nesses novos espaços, mas não lhes era concedido o direito jurídico sobre esses terrenos.

No entanto, com a instauração da ditadura civil-militar, a prática remocionista ganha destaque em relação à urbanista e a favela volta a ser tratada como um mal que precisa ser exterminado. Assim, as associações de moradores perdem o direito que tinham de participarem (mesmo que minimamente) das decisões referentes a

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suas localidades, ficando todas as decisões a encargo unicamente do Estado, ou seja, a partir daquele momento, as associações de moradores das favelas serviriam apenas aos interesses militares, não tendo mais uma contrapartida estatal, dessa forma o governo assume as suas reais intenções em relação a esse espaço.

É criada, pelo governo federal, a Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio (Chisam), que defendia a erradicação das favelas8, devido ao fato de que seus moradores deveriam ser integrados a sociedade “não somente no modo de habitar, mas também no modo de pensar e viver” (VALLA, 1984:17 apud ZALUAR, 2006, p. 36). Tal programa era uma intervenção direta do governo militar na política urbana do Rio de janeiro e visava extinguir toda e qualquer prática urbanista que ainda proliferasse, o objetivo era a criação de conjuntos habitacionais populares nas periferias e utilização dos espaços favelados para tornar a área central mais nobre e dessa forma valorizar o mercado imobiliário. No entanto, tais objetivos não foram aceitos pela população favelada, a qual não queria ser removida de suas casas e por isso apresentaram resistência a essas medidas, o que fez com que o período fosse marcado como sendo de muita violência e repressão, tendo essas lideranças desaparecido “misteriosamente” à época9.

A prática remocionista ficou em destaque até 1975, a partir desse ano o autoritarismo militar começa a enfraquecer-se e devido a isso se fazia necessário reconquistar a confiança da população. Devido a crise do “milagre econômico”, que culminou em uma alta taxa de endividamento externo do Brasil, iniciou-se um forte processo de organização popular num movimento contrário ao regime ditatorial.

O mais representativo exemplo dessa progressiva ‘movimentação do social’ está na reinserção da classe operária na cena política e na ação do movimento popular. É esse fato novo que obriga a autocracia burguesa a combinar medidas repressivas com concessões e atos de negociação, culminando, assim, na sua crise. (NETTO, 1991, p.42, apud, DURIGUETTO, 2007, p.138)

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Zaluar (2006) defende que entre 1968- 1975, cem mil pessoas foram removidas de suas casas, tendo sido destruídas cerca de sessenta favelas.

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O período da ditadura civil-militar foi marcado por uma forte imposição das idéias dos governantes, tais pensamentos não podiam ser questionados em hipótese alguma e os que, por ventura, manifestassem publicamente opinião contrária sofriam forte retaliação. Dessa forma, esse período histórico ficou marcado pelas milharesde mortes e desaparecimentos de pessoas, aos quais chamamos de mortos e/ou desaparecidos políticos, já que não houve nenhuma explicação oficial sobre tais fatos.

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Assim, para continuar possuindo hegemonia foi necessário que os militares mudassem a estratégia, agora, a participação popular nas decisões políticas é primordial para a manutenção do poder. Passa-se a investir na institucionalização da vida política, utilizando meios que façam com que essa fique sob controle militar. Foram criados espaços para que ocorresse tal interação entre governante e governado, tendo a população o direito de opinar sobre os assuntos públicos e ainda escolher, através do direito ao voto, quem seriam seus representantes políticos. Inicia-se assim um período onde o clientelismo é altamente utilizado nas intervenções públicas, uma marca dessa transição foi o programa Promorar10, que tinha uma lógica muito mais urbanista do que remocionista, já que falava na necessidade de sanear essas comunidades e integrá-las à cidade.

Possuindo novamente o poder de escolha de seus representantes legais, o povo elegeu, em 1982, Leonel Brizola como seu representante no poder executivo, que marcou o seu governo pelos programas de intervenção nas favelas11, foram construídos sistemas de água e esgoto, iluminação pública e implementados serviços de coletas de lixo adaptados às condições das favelas, assim como a iniciativa de regularizar as propriedades locais, além disso, tal governo pretendia incorporar os direitos humanos nas intervenções policiais, fazendo com que essas respeitassem os direitos civis dessa população.

Com a elaboração do Plano Diretor da Cidade, em 1992, o objetivo de integrar a favela à cidade se torna uma prioridade real, tal plano era marcado pela ausência de preconceitos e avaliações morais em referência as condições estruturais das favelas e pela ausência de ações diretamente nos domicílios, ficando o foco mais voltado para o espaço público (ruas, vielas, praças etc), um programa efetivado nessa linha foi o Favela-Bairro. Esse programa, criado pela prefeitura do Rio de Janeiro durante o governo de Cesar Maia, tinha como foco a urbanização das favelas, visto que era norteado pelos princípios da Constituição Federal de 1988,

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Foi organizado em 1979 e efetivado em seis favelas: Parque União, Rubem Vaz, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Timbau e Maré.

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“Segundo levantamento realizado pela prefeitura no início dos anos 80, apenas 1% das 364 favelas cadastradas era servido por rede oficial de esgoto sanitário completa (6% dispunham parcialmente do serviço); 6% possuíam rede de água total, e 13%, rede parcial com caráter oficial; e em 92% das localidades, a única forma de esgotamento pluvial era a drenagem natural pelo terreno. A coleta de lixo só foi considerada suficiente em cerca de 17% das áreas faveladas.” (ZALUAR, 2006, p. 41)

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que negavam as práticas remocionistas e defendiam que transformando as favelas em bairros estas seriam constituídas partes integrantes da cidade.

Já em 1993, temos a elaboração do Plano Estratégico da cidade do Rio de Janeiro, que marca a institucionalização de uma prática de normatização da vinculação da cidade aos interesses dominantes, assim,

Penso ser possível afirmar que estamos diante do processo de construção de uma nova hegemonia urbana. O PECRJ é parte deste processo. Despolitizado e despolitizador, ele constrói o consenso porque o supõe como instaurado previamente. Na verdade, não se trata de construí-lo no processo político, mas simplesmente de reconhecê-lo, identificá-lo e enunciá-lo. O plano é, pois, o mero enunciado da cidade que todos nós queremos e simplesmente ainda não sabíamos. (VAINER, 2011, p. 116)

Nesse breve retrospecto histórico das intervenções estatais na cidade carioca, percebe-se que as ações sempre tiveram como norte a legitimação e manutenção dos interesses burgueses. Apesar de tais ações terem sido, ao longo do tempo, mescladas entre a remoção e a urbanização, o foco central sempre foi a favela como um problema apenas físico, ou seja, o que se pretendia era que esses espaços fossem adaptados às necessidades mercadológicas do capitalismo, nenhum desses programas e projetos visava tocar na gênese da favela, tais medidas sempre visaram minimizar e/ou esconder a desigualdade social que esses espaços apresentavam, mas nenhuma delas visava tocar no fundamento que gerava essa pobreza. Atualmente essa lógica permanece vigente, porém, com novas roupagens e com novos objetivos, conforme analisaremos no capítulo seguinte.

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CAPÍTULO 2

A favela na cena contemporânea: abordagens, dilemas e formas de tratamento

[...] Se a burguesia lhe fizer o favor de se enriquecer à sua custa, espera-o um salário que mal chega para o manter vivo; [...] ou pode ainda morrer de fome, caso em que a polícia velará para que morra de forma tranquila, e nem um pouco chocante para a burguesia”. (PINHEIRO apud ENGELS, 1986, p. 37).

A partir de todo o contexto exposto no capítulo anterior, percebe-se que a favela desde a sua gênese é pensada, pelos governantes, como uma frente de trabalho, no entanto, isso não ocorre devido à situação precária de vida de seus moradores, mas sim, pelo consensual “perigo e ameaça” que esta representa para os demais segmentos da sociedade civil. Nota-se que a lógica de organização da cidade possui diferentes formas de aplicabilidade, que irão depender do território em especifico. Ou seja, é como se existisse uma ruptura na cidade, e a favela seria considerada como um território a parte, que por possuir problemas diferenciados é tratada também de forma diferenciada. No entanto, sabemos que esses espaços são totalmente necessários ao funcionamento da cidade, e com isso, considerá-los como algo a parte seria um equívoco, já que tanto seu processo de formação como a forma na qual se estrutura, estão totalmente relacionadas ao funcionamento do sistema capitalista.

Conforme dito anteriormente, as favelas cariocas sempre constituíram frentes de trabalho para o governo local, no entanto, as práticas direcionadas a este segmento passaram por modificações ao longo do tempo. Atualmente, existe uma gama de projetos e programas voltados especificamente para as favelas, no entanto, tais iniciativas ganharam um novo agente. Diferentemente do contexto explicitado no capítulo anterior, é cada vez mais comum a inserção de novas instituições na programática social, um exemplo de tais instituições é o que vem sendo chamado de Terceiro Setor12, que abrange organizações não governamentais, instituições filantrópicas e o voluntariado. Assim, é cada vez mais notória a criação de instituições sociais ligadas a artistas renomados e a chamada filantropia

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“Na interpretação governamental, ele é tido como distinto do Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor), considerado como um setor ‘não governamental’, ‘não lucrativo’ e voltado ao desenvolvimento social, que daria origem a uma ‘esfera pública não estatal’, constituída por ‘organizações da sociedade civil de interesse público’.” (IAMAMOTO, 2009, p. 365)

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empresarial. É comum também a presença de instituições sociais ligadas a políticos, que se utilizam desses espaços como “currais eleitorais” através de práticas assistencialistas e clientelistas. A presença religiosa nesses espaços também é algo recorrente, em especial as igrejas evangélicas e as católicas. Tal processo é característico da nova forma que a burguesia encontrou para conservar sua hegemonia, agora criou-se um processo de chamada da sociedade civil à participar ativamente do enfrentamento da pobreza, assim,

A ideologia da responsabilidade social, mais do que alicerçar a filantropização da questão social, realiza de fato uma profunda reforma intelectual e moral do homem individual e coletivo contemporâneo, com vistas a perpetuar, sob nova roupagem, a dominação burguesa. (...) O que quer dizer que a execução de ações aparentemente autônomas de responsabilidade social, realizadas por distintos sujeitos políticos coletivos da sociedade civil na atualidade, fazem parte de um projeto estatal de construção da nova sociabilidade do capital. (NEVES, 2007, p. 7-8)

Tendo como base o pensamento neoliberal, solidifica-se uma prática de desresponsabilização cada vez maior do Estado e a disseminação do conceito de solidariedade entre a sociedade civil. Esta passa a ser chamada a participar ativamente em prol do bem comum, e surge o que Neves (2007) denomina de “passagem de um Estado do Bem-Estar para uma Sociedade do Bem-Estar”. Assim, naturaliza-se uma prática de fomento da caridade civil para com o próximo, a qual é disseminada em grande escala pela mídia. Exemplo nítido de tal processo é o evento anual da Rede Globo intitulado Criança Esperança, tal programa é marcado pelo apelo excessivo usado por seus apresentadores para que a população colabore financeiramente (com quantias predefinidas), para sensibilizar os telespectadores são apresentadas reportagens sobre atuações pontuais de projetos, os quais limitam-se preferencialmente a área da cultura.

Os projetos efetivados por este setor, em sua maioria, atuam como oficinas pedagógica, eles são constituídos por atividades de teatro, dança, música, canto, entre outros, possuindo critérios de seletividade para inserção (em geral a renda familiar) e condicionalidades para permanência (freqüência a unidade escolar). Embora sejam efetivados por outros agentes, tais iniciativas não diferem das já utilizadas pelo Estado ao ficarem apenas no âmbito da superficialidade, pois os projetos supracitados agem de maneira pontual, sem problematizar a estrutura social, atuando apenas como minimizadores dos problemas sociais mais aparentes. Dessa forma,

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as lutas concebidas em termos exclusivamente extra-econômicos, portanto, não representam, em si mesmas, um perigo fatal para ele [o capitalismo], (...), a organização desses grupos, sem qualquer vinculação com lutas históricas das classes dominadas, pode desviar a atenção de importantes segmentos das classes dominadas da reflexão sobre os mecanismos de expropriação e exploração a que são submetidos, ao mesmo tempo em que podem ainda reforçar a disseminação do individualismo. (NEVES, 2007, p. 3)

Embora a sociedade capitalista seja constituída de duas grandes classes sociais antagônicas (a dominada e a dominante), e que devido a isto, seu funcionamento não seja totalmente harmônico, como a concepção de igualdade formal e jurídica criada pelo capitalismo defendem, já que ela se constitui em campo constante de lutas entre as classes de interesses divergentes, o ideal que se quer propagar é de que se todos se unirem algo poderá ser feito e mudado. Ou seja, ignora-se o caráter contraditório da sociedade capitalista e difunde-se a ideia de sociedade civil como um espaço do bem comum, assim, legitima-se uma falsa noção de que com a união de todos é possível a existência de um capitalismo de face mais humanizada. Dessa forma, a responsabilização da sociedade civil pela resolução do problema da desigualdade social torna-se verídica, segundo Iamamoto,

Salienta-se a coesão social e um forte apelo moral ao ‘bem comum’, discurso esse que corre paralelo à reprodução ampliada das desigualdades, da pobreza e da violência. Estas tendem a ser naturalizadas e o horizonte é a redução de seus índices mais alarmantes. (2009, p. 365).

É importante que se reflita: embora o discurso usado mostre que sim, será que tais iniciativas visam alguma mudança concreta nesta realidade? Penso que não. Sabe-se que o capitalismo só existe em concomitância com a pobreza, para que existam ricos necessariamente haverá pobres. Dessa forma, acabar com a pobreza, implicaria obrigatoriamente no fim do capitalismo. Assim, a reprodução do capitalismo é perpassada pela necessidade burguesa de manutenção da desigualdade social geradora da favela, e por isto, é perfeitamente compreensível que não existam planos reais de modificação de tal estrutura. Ou seja, por mais que o discurso propagado seja de efetivação de direitos a este segmento e aos demais segmentos da sociedade civil, sabemos que na prática funciona de forma diferente.

Para além do problema da insalubridade, que representa um problema de saúde, tão em destaque nos governos anteriores, a favela atualmente vem também sendo tratada como um problema de Segurança Pública, de acordo com Zaccone, as intervenções vão do “modelo sanitarista ao atual modelo bélico” (2008, p. 47). Ao

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