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Condições de produção: São Paulo, Rio de Janeiro e os “paulistas do entre-lugar”

1. CINEMA NOVO E(M) SÃO PAULO: “CINEMA DE AUTOR”, BRASIL ANOS

1.4 Condições de produção: São Paulo, Rio de Janeiro e os “paulistas do entre-lugar”

Para compreender as condições de produção do cinema em São Paulo nos anos 1960, é necessário examinar o contexto de formação, e, sobretudo, de derrocada, da experiência do cinema “industrial” que marcou a cidade na década anterior. Maria Rita Galvão (197–)74 defende o argumento de que a fundação da Companhia Cinematográfica Vera

70 Cf. BERNARDET, 1967 In: ROCHA, 1997, p.284.

71 Roteiro depositado na Cinemateca Brasileira. Cf. PERSON, Luís Sérgio, BERNARDET, Jean-Claude. A hora

dos ruminantes. Extraído da obra homônima de José J. Veiga. São Paulo: s.n., julho de 1967. 79 p.

72 Ver, por exemplo, as entrevistas de Person ao programa Luzes, câmera da TV Cultura e ao Pasquim publicadas

em Labaki (2002).

73 Exceção no cinema paulista é Walter Hugo Khouri que manteve regularidade na sua produção, com marcados

traços autorais, porém o fez ao longo dos anos 1970 aproximando-se largamente do cinema erótico. O erotismo já era um traço de sua filmografia em que se destacam temas existenciais, tendo sido, possivelmente, exacerbado pelas condições de produção da época. Filmes como As deusas (1972); O último êxtase (1973); O desejo (1975); O prisioneiro do sexo (1979) e Convite ao prazer (1980) têm produção de A.P.Galante, um dos maiores produtores da Boca do Lixo como veremos no capítulo 2. Ozualdo Candeias e Carlos Reichenbach, cineastas que surgem e se estabelecem no contexto da Boca, também têm trajetórias peculiares, articulando em seus filmes marcas autorais com as exigências eróticas daquele contexto de produção.

74 Texto não publicado, disponível na Cinemateca Brasileira: GALVÃO, Maria Rita. Origens do cinema

independente em São Paulo. Pesquisa para a realização de um filme de longa metragem sobre o cinema independente em São Paulo na década de 50. Säo Paulo, 197-. 393 p. Fot. Incl. depoimentos e filmografia completa.

Cruz teve um impacto que alterou não somente os rumos do cinema paulista mas do cinema brasileiro como um todo. Nascida no bojo das iniciativas da burguesia paulista em direção à cultura,75 a Vera Cruz foi seguida por dezenas de outras companhias cinematográficas, entre as quais se destacam a Maristela e a Multifilmes. São Paulo desponta então no cenário cinematográfico brasileiro e atrai vários profissionais, como atores, críticos e cineastas, todos em busca de melhores condições de trabalho do que as encontradas nos estúdios cariocas produtores de chanchadas (conhecidas pelo baixo custo e precariedade)76. Desse modo, nomes de destaque do cinema carioca como Fernando de Barros, José Carlos Burle, Alinor Azevedo, Alex Viany, Adhemar Gonzaga, Anselmo Duarte, Tônia Carrero e Maria Della Costa migram para o cenário paulista, o que endossa o argumento da autora de que “O centro de produção cinematográfica nacional se desloca nitidamente do Rio para São Paulo” (GALVÃO, 197–, p.7). Os depoimentos de Alex Viany, Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos, colhidos pela autora, corroboram a ideia da efervescência do meio cinematográfico paulista que se sobrepõe até mesmo à falência dos grandes estúdios em meados dos anos 1950, visto que, em paralelo à produção “industrial”, vinham emergindo seminários, cineclubes, grupos de discussão e associações em torno do cinema, o que resultou num “verdadeiro salto no desenvolvimento das ideias cinematográficas e no pensamento sobre o cinema no Brasil” (GALVÃO, 197-, p.7), dando origem a novas formas de se conceber e realizar cinema: o chamado cinema independente. Nomes como Rodolfo Nanni, Alex Viany, Carlos Ortiz, Nelson Pereira dos Santos, Galileu Garcia, Bráulio Pedroso, os irmãos Geraldo e Renato Santos Pereira destacam-se nas discussões que desde antes das falências dos estúdios colocavam em questão o modelo “industrial”, questionando temas, linguagem e condições de produção, sob influência do neorrealismo italiano e de um ideário da esquerda nacionalista. Embora a definição de um cinema independente não fosse isenta de contradições, conforme assinala Galvão (197- e 1980), o que começa a se esboçar é a ideia de um cinema de cunho autoral, realizado por pequenos produtores, com esquemas de produções modestos e equipe reduzida.

No contexto da derrocada das companhias cinematográficas paulistas aumentam as pressões por subvenções estatais e, em 1956, consegue-se obter do Banco do Estado de São

75 De fins dos anos 1940 aos anos 1950, o cenário cultural de São Paulo se modifica significativamente a partir

de iniciativas como a fundação do Museu de Arte de São Paulo (MASP), do Museu de Arte Moderna (MAM), do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), da Escola de Arte Dramática (EAD), que são acompanhadas pela multiplicação de exposições, de conferências, de revistas de divulgação artística e cultural etc. Sobre o tema, ver Arruda (2001).

Paulo uma carteira específica de financiamento para o cinema. Conforme José Inacio de Melo e Souza (2003), os apelos do setor cinematográfico por intervenção estatal cresciam desde os congressos nacionais de cinema no início dos anos 1950, conquistando em São Paulo a criação da Comissão Municipal de Cinema (CMC) em 1955, seguida, em 1956, pela Comissão Estadual de Cinema (CEC). Em 1955, a lei municipal 4.854, estabeleceu uma taxa adicional sobre os ingressos de cinema a ser revertida como adicional de receita para os filmes paulistas (10% da renda bruta aos filmes de qualidade normal e 15% para os filmes com valor artístico ou técnico), bem como prêmios individuais a serem concedidos por um júri municipal. E, em março de 1956, foi então criada a Carteira de Cinema do Banco do Estado de São Paulo, estabelecendo-se, inicialmente, o teto máximo de financiamento em 1 milhão de cruzeiros, aumentado, a partir de dezembro, para 2 milhões, a partir de reivindicações do setor sob justificativa de que o custo médio dos filmes era de quase 4 milhões de cruzeiros. Os critérios de seleção dos filmes a serem financiados combinavam garantias bancárias com avaliações quanto ao teor moral e ideológico dos argumentos e roteiros submetidos. A análise do caso Bahia de todos os santos (Trigueirinho Neto, 1960) realizada por Melo e Souza (2003) traz amostra significativa do método de avaliação adotado pelo Banco que se valia de pareceres externos para a definição dos projetos financiados, como por exemplo os do crítico Hélio Furtado do Amaral, ex-seminarista ligado a entidades católicas conservadoras, “avalista moral”, como o caracteriza Melo e Souza (2003, p.4), e da Comissão Estadual de Cinema formada por Almeida Salles, Plínio Garcia Sanchez, Jacques Deheinzelin, Fernando de Barros, Abílio Pereira de Almeida e Flávio Tambellini. Os pareceres, no entanto, eram apenas indicativos, não decisivos, e ficavam submetidos a decisões dos altos escalões do banco.

Fontes primárias ou secundárias sobre esse período do chamado cinema independente paulista, no ínterim que cobre a falência das grandes companhias cinematográficas à emergência do Cinema Novo, são bastante escassas, sendo, em particular a atuação do Banco do Estado de São Paulo e os filmes por ele patrocinados, um tema importante para uma pesquisa específica. Além do fundamental trabalho de Maria Rita Galvão (197-, 1980, 1981) – que incluía planos de um longa-metragem sobre esse período77 – há dois outros textos, breves, porém ricos em informações, acerca do financiamento do Banco do Estado de São Paulo: o referido texto de Melo e Souza (2003), que constitui uma apresentação dos arquivos da Carteira de Cinema do Banco do Estado de São Paulo na ocasião recém-

depositados na Cinemateca Brasileira por iniciativa do Grupo Santander/Banespa78 e um texto de Máximo Barro (2001), composto de três páginas em que expõe – alicerçado na sua experiência como montador e integrante ativo daquela geração do cinema paulista – as condições de produção no período pós-fracasso da experiência “industrial” de cinema em São Paulo.

De acordo com Barro (2001), o incentivo estatal à produção era naquele momento essencial para “não desativar o parque paulista de cinema, que além dos estúdios contava com vários laboratórios de revelação e copiagem que, afiançados nos deslumbres dos novos tempos de 1950, haviam investido pesado, modernizando toda a aparelhagem” (BARRO, 2001, p.72). Pressionado pelas articulações do setor, o Banco do Estado comprometeu-se então a conceder empréstimos a juros módicos aos produtores paulistas – Barro (2001, p.72) fala em teto de 2 mil cruzeiros mas é provável que haja um erro nessa cifra que mais certamente seria de 2 milhões, como aponta Melo e Souza (2003)79. Independentemente desse valor incerto, Barro (2001) traz importantes informações sobre as estratégias e procedimentos de produção utilizados naquele período, com destaque para a atuação da recém-fundada Brasil Filmes que se sustentava sem capital próprio, utilizando-se dos estúdios e equipamentos da falida Vera Cruz e valendo-se das manobras de Abílio Pereira de Almeida, fundador do TBC e ex-diretor da Vera Cruz, que, como “renomado advogado da área financeira, conhecia todos os meandros e atalhos que a legislação brasileira permitia” (BARRO, 2001, p.71). Em confluência com o relatado por Roberto Santos a Galvão (197-, p. 69), Barro (2001) explica que o dinheiro do Banco não era liberado de imediato e estava, em parte, condicionado à entrega do “copião” (primeira cópia feita com o negativo do filme), o que exigia dos produtores o adiamento máximo de todos os gastos e pagamentos. Sendo assim, Abílio Pereira de Almeida, por exemplo, utilizava-se da estratégia de comprar latas de negativo para pagamento em 60 ou 90 dias, penhorá-las junto ao Banco do Brasil e filmar rapidamente para poder ter em mãos o copião no menor tempo possível, o que exigia um ritmo de trabalho e de ensaios bastante diferente daquele dos tempos da Vera Cruz quando cenas podiam ser repetidas sem preocupações com os gastos de negativos. Barro (2001) sublinha também a importância do trabalho de Galileu Garcia – realizador de um único longa Cara de fogo

78 O arquivo é constituído por 45 dossiês de projetos que, conforme aponta Melo e Souza (2003, p.1),

apresentam valor variado, alguns com volume significativo de documentos sobre todo o processo de financiamento, outros apenas com uma ficha cadastral. Seria interessante uma pesquisa específica que analisasse em detalhe esse material.

79 Além da maior precisão documental do trabalho de Melo e Souza (2003), as cifras da CAIC, assinaladas por

(1958) – como diretor de produção, atuando no levantamento de recursos para as filmagens alicerçando-se no cheque avalizado pelo Banco do Estado: “o moderno Galileu da Paulicéia multiplicava pães, peixes e fotografias. Sensibilizava a todos com suas pregações em favor do cinema brasileiro, ainda mais quando apoiado por um papel bancário” (BARRO, 2001, p.73). De acordo com Barro (2001), essa estratégia foi repetida na produção de um conjunto de filmes:

O processo foi empregado em Osso, amor e papagaios [Carlos Alberto de Souza Barros e César Mêmolo Jr, 1957], O gato de madame [Agostinho Martins Pereira, 1956], O sobrado [Walter Dürst, 1956], Estranho encontro [Walter Hugo Khouri, 1958], Paixão de gaúcho [Walter George Dürst, 1957], Rebelião em Vila Rica [Geraldo e Renato Santos Pereira, 1957], Ravina [Rubem Biáfora, 1958], todos da Brasil Filmes, mais os da Maristela e independentes, que em alguma fase da produção tiveram o apoio da trama de Abílio. Isso possibilitou o batismo de Walter George Dürst, Renato Santos Pereira, Rubem Biáfora, Carlos Alberto de Souza Barros, Cezar [sic] Memolo e a crisma de Walter Hugo Khouri e Agostinho Martins Pereira. (BARRO, 2001, p.73).

O grande momento (Roberto Santos, 1958) foi realizado seguindo mesmo

esquema, embora não estivesse vinculado à Brasil Filmes – produtora gerenciada por Abílio Pereira de Almeida e herdeira da estrutura da Vera Cruz – mas sim à recém-extinta Companhia Cinematográfica Maristela, tendo por avalista o fundador daquela empresa, Mário Audrá que avalizou também Rio, Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957) junto ao Banco de Estado. Em seu livro de memórias, Audrá (1997) fala com ressentimento do apoio dado aos dois realizadores “independentes”:

[...] para cada um deles consegui e avalizei financiamentos de US$ 10,000 no Banco do Estado de São Paulo, além de ceder estúdios e equipamentos mediante um contrato que me daria uma ridícula porcentagem nos rendimentos de cada filme. Na verdade, nada recebi em troca, nem ao menos um agradecimento; muito pelo contrário, só recebi comentários desabonadores. (AUDRÁ, 1997, p.134).

Ele relata ter ouvido de Roberto Santos, durante as filmagens de O grande momento, o seguinte comentário: “esses produtores vivem da nossa fome” (AUDRÁ, 1997, p.156). Polêmicas à parte, o fato é que O grande momento teve um baixíssimo orçamento – de acordo com informações Roberto Santos (In Galvão, 197-, p.70), o filme custou cerca da metade do orçamento do igualmente independente Osso, amor e papagaios (César Mêmolo Jr e Carlos Alberto de Souza Barros 1956) e menos de um quarto do valor das produções da Vera Cruz – sendo realizado em condições precárias de produção, o que impossibilitou inclusive a realização dos objetivos de filmar em locações, seguindo os ditames do neorrealismo italiano:

Tudo foi feito tendo em vista a maior economia possível. Por, exemplo, a nossa ideia inicial era filmar em locações; a influência do reorrealismo era decisiva naquele momento […] Mas filmar em locação significava uma despesa que não estávamos em condições de fazer: locomoção de equipe e equipamento, impossibilidade de gravação direta, o que implicava em despesas posteriores de dublagem e mixagem, sujeição às condições do tempo, chuva, sol, encoberto, perda de dinheiro em esperas etc. Por paradoxal que possa parecer, filmamos em estúdio pra fazer economia. A equipe dormia lá mesmo na Maristela e a alimentação eu consegui com o SENAI [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial]. (SANTOS In GALVÃO, 197-, p.70-71).

Lançado em São Paulo em plena noite de 31 de dezembro por dificuldades de inserção no circuito exibidor80, O grande momento foi um fracasso de bilheteria e ficou pouco tempo em cartaz. O destino não foi muito diferente para a maioria dos filmes que receberam recursos do Banco do Estado de São Paulo. Como informa Melo e Souza (2003), a partir de comentários de Joaquim de Melo Bastos, gerente da carteira de créditos do Banco do Estado de São Paulo:

[...] dos 29 filmes financiados pela Carteira desde 1956, com exceção dos filmes da EMECE em cores e cinemascope (um deles provavelmente era Meus amores no Rio), “apenas três produziram renda líquida de Cr$ 2.000.000,00 no prazo de 2 anos”, ou seja, a Carteira era declaradamente deficitária. (MELO E SOUZA, 2003, p.8).

A problemática do cinema brasileiro, como já apontavam os Congressos de Cinema dos anos 1950, exigia uma luta articulada que contemplasse não só o polo da produção, mas também a distribuição e a exibição de modo a fazer frente ao cinema estrangeiro, sobretudo o norte-americano. Esta é uma questão que segue em aberto até os dias atuais, não obstante as conquistas do setor ao longo dos anos 1960 e 1970.81 Por ora cabe assinalar que o apoio do Banco do Estado de São Paulo encerrou-se no início dos anos 1960. Galvão (197- , p.91), na cronologia que faz dos “eventos significativos para cinema independente”, marca em 1959 o fim dos financiamentos do Banco do Estado de São Paulo à produção cinematográfica iniciados em 1956. Barro (2001), por sua vez, assinala que “Até

80 Cf. Simões, 1997, p.52. No Rio, segundo o autor, o filme estreara na primeira quinzena de dezembro também

sem sucesso de público.

81 Arthur Autran (2004, 2013) realiza um importante estudo sobre as vicissitudes do “pensamento industrial

cinematográfico brasileiro”, de 1924 a 1990. Conforme demonstra o autor, embora o discurso industrialista tenha perpassado, em diferentes matizes, o pensamento cinematográfico brasileiro ao longo dos anos, sendo um elemento de coesão entre os cineastas, a industrialização cinematográfica nunca se realizou efetivamente, não obstante as tentativas pontuais, com destaque para as iniciativas privadas da Vera Cruz e as estatais da Embrafilme. Articulando o pensamento cinematográfico ao pensamento social brasileiro, o autor atribui o fracasso da industrialização do cinema brasileiro aos impasses implicados no desenvolvimento capitalista dependente. As demandas por industrialização tenderam a se associar a uma perspectiva “culturalista” que buscou antes o incentivo à produção artística nacional e não enfrentou efetivamente a ocupação do mercado pelo cinema norte-americano, criando-se bases industriais sólidas e medidas protecionistas no sentido da ocupação do mercado interno.

1960 ainda financiavam-se algumas produções com esse método, que aos poucos foi sendo superado por outros, porque, ao lado da crescente televisão, começava a caminhada inteiramente independente do Cinema Novo” (BARRO, 2013, p.3). Os dossiês consultados no catálogo da Cinemateca Brasileira referentes à carteira de créditos do Banco do Estado de São Paulo, compreendem o período 1956 a 1962, sendo que a maioria dos projetos situa-se na virada dos anos 1950 para 1960. Independentemente da precisão de data, os dados mostram que o cinema paulista teve, após o fracasso da experiência industrial, uma sobrevida ativa ao longo dos anos 1950, contando por alguns anos com o auxílio do Estado, mas que, a partir do surgimento do Cinema Novo, houve um claro (re)deslocamento do eixo cinematográfico para o Rio de Janeiro. É simbólica dessa transição a célebre “noite-manifesto” na Bienal de 1961 na Cinemateca Brasileira em São Paulo, em que se realizou, conforme referido no item 1.2, o confronto entre a “velha guarda” paulista e os jovens entusiastas de um novo cinema. Com fundação da CAIC (Comissão de Apoio à Indústria Cinematográfica), vinculada ao Banco do Estado da Guanabara, em 1963, a força do movimento nascente ganhou contornos mais concretos, consolidando o deslocamento da produção para o Rio. Como consequência, muitos dos expoentes do chamado “cinema independente” paulista dos anos 1950 afastaram-se do cinema, como César Mêmolo Jr., Galileu Garcia, Walter Dürst e Rodolfo Nanni82 e os novos aspirantes a cineastas paulistas tiveram dificuldades de realização uma vez que o Banco do Estado fechara suas portas, conforme assinala João Batista de Andrade:

[…] aqui em São Paulo a gente lutou muitas vezes para tentar que o Banco do Estado financiasse. Nós tentamos inclusive o Banco Nacional aqui também, mas era muito fechado, e o Banco do Estado não queria nem saber porque ainda tinha dívidas da Vera Cruz. Então havia esse lado econômico negativo. (BATISTA In: SOUZA e SAVIETO (Orgs.), 1980, p.37).

E é sintomático desse quadro que filmes dos “paulistas do entre-lugar” tenham obtido financiamento de bancos fora do estado de São Paulo, valendo-se dos esquemas de realização do Cinema Novo, como é o caso de A hora e a vez de Augusto Matraga (Roberto

82 César Mêmolo Jr. depois de ter dirigido, em parceria com Carlos Alberto de Souza Barros, Osso, Amor e

Papagaios (1956) passou à produção de filmes publicitários – “não passei, fui passado”, conforme afirma em seu depoimento ao citado programa Luzes Câmera da TV Cultura (Memôlo Jr., 197-) – e não mais dirigiu nenhum longa. Nos anos 1970 por meio de sua empresa de publicidade Lynxfilm começa a investir na produção de alguns filmes, sendo o primeiro Vozes do medo (1970), coordenado por Roberto Santos, seguido por O predileto (Roberto Palmari,1974); O seminarista (Geraldo Santos Pereira, 1976) e Contos eróticos (Roberto Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Roberto Palmari e Eduardo Escorel, 1977). Galileu Garcia, depois de Cara de fogo (1957), igualmente, não realizou mais nenhum longa e passou a trabalhar com publicidade. Rodolfo Nanni, conforme antes mencionado, realizou apenas dois longas de ficção em sua carreira: O saci, em 1953 e Cordélia, Cordélia, em 1971. Walter George Dürst depois de O sobrado (1956) e Paixão de gaúcho (1957) foi para a televisão onde permaneceu por toda sua carreira.

Santos, 1965), produção de Luiz Carlos Barreto e distribuição da Difilm, com financiamento da CAIC e do Banco Nacional de Minas Gerais e Bebel, garota propaganda (Maurice Capovilla, 1967), produção associada à Difilm e à Saga Filmes83, com financiamento doBanco Mineiro do Oeste S.A.

Percebe-se, assim, que o malogro da experiência do cinema “industrial” deixou para São Paulo não só um estigma “cultural”, como um modelo de cinema a ser superado, mas legou também nefastas consequências econômicas, incluindo a impraticabilidade de financiamentos junto ao Bando do Estado. A mesma reclamação de Batista aparece nas declarações de Maurice Capovilla à reportagem de José de Moura (1966), cuja primeira frase, citando o cineasta é: “só está faltando uma coisa para o cinema paulista: financiamento”. (CAPOVILLA apud MOURA, 1966). A comparação com a conjuntura do Rio é inevitável. Ambos os cineastas fazem referência ao apoio da CAIC ao Cinema Novo, que teve ainda o Banco Nacional de Minas Gerais como relevante apoiador. De acordo com Luciano Fernandes (2008), as redes de relações nas quais estavam inseridos os cinemanovistas abriram caminhos para o acesso aos financiamentos. No trânsito junto à CAIC teria contribuído o relacionamento do produtor Luiz Carlos Barreto com o vice-governador Rafael de Almeida Magalhães; a amizade de Glauber Rocha com Luís Carlos Mendes, filho do deputado baiano João Mendes que era amigo do governador Carlos Lacerda; bem como o parentesco de Joaquim Pedro de Andrade com Almeida Braga, presidente do Banco do Estado da Guanabara. Já o Banco Nacional de Minas Gerais era presidido por Magalhães Lins, casado com uma prima de Joaquim Pedro.