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1. CINEMA NOVO E(M) SÃO PAULO: “CINEMA DE AUTOR”, BRASIL ANOS

2.2 Publicidade: questão de sobrevivência?

Por longo tempo o comercial movimentou 75% da economia do parque paulista cinematográfico, passando em pouco tempo de marginal intruso a senhor respeitado, enquanto o longa era encarado pelos laboratórios de processamento como bico. (BARRO, 2008, p.179-180)

Analisando o contexto da produção audiovisual no Brasil dos anos 1970, José Mário Ortiz Ramos (2004) considera que:

130 Cf. Ramalho apud Sabadin (2009, p. 61-62). Conforme relata o cineasta, ele enfrentou primeiramente a

negativa da autora da peça em autorizar a adaptação e depois, quando ela finalmente concordou, ele não dispunha da quantia requerida para pagar-lhe os direitos autorais.

Podemos voltar a pensar o cinema dividido em dois setores relativamente estanques e com dinâmicas diferenciadas: um, marcado pela autonomia cultural e artística – integrantes do Cinema Novo, ou cineastas isolados como W.H.Khouri –, que desconsiderava a televisão como possibilidade estética; outro, determinado pelo isolamento do cinema comercial dos anos 70, que não olhava além das salas a serem alcançadas rapidamente com filmes de baixos custos. (RAMOS, 2004, p.82).

O autor acrescenta que mesmo o polo comercial, ou seja, o Cinema da Boca do Lixo, estava inclinado a defender a superioridade do cinema em relação à televisão. Pautando- se em depoimentos como os de Ody Fraga e David Cardoso, nomes fortemente ligados àquele cinema, Ramos entende que: “O desprezado universo da Boca recusava a TV num esforço de distinção no interior da produção audiovisual, procurando se valer de uma pretensa ‘aura’ do cinema e do seu caráter ‘artístico’. (RAMOS, 2004, p.83).

Nos discursos dos profissionais do audiovisual, a televisão, assim como a publicidade, é tradicionalmente vista como um espaço de produção “fabril”, em contraponto com o cinema, que é visto como espaço de criação “artesanal”, conforme mostra Ramos (2004). No caso da publicidade a rejeição é, para muitos, ainda mais forte. Conforme declarou em 1970 o publicitário José Zaragoza, da DPZ: “os cineastas acham que é uma espécie de prostituição fazer filme comercial” (ZARAGOZA, 1970 apud RAMOS, p.90-91).

Sylvio Back (197- ), ao falar da atividade que exerceu após o fracasso de A guerra

dos pelados (1970), endividado com os produtores da Boca do Lixo, expressa bem essa carga

pejorativa forte:

Eu levei cinco anos para fazer um filme depois da Guerra dos pelados. Nesses cinco anos, tive que fazer de tudo: fazer filme de publicidade, documentários comerciais, fiz cento e trinta filmes de publicidade. Tive que fazer uma empresa de publicidade. Eu odeio filme de publicidade. Filme de publicidade é o intestino grosso do cinema. Um negócio horroroso, sem criatividade. Um negócio que acaba com talentos. Liquida as pessoas. (BACK, 197- p.4)

Como já mencionado, nossos “paulistas do entre-lugar” tiveram todos passagens, longas ou breves, pela publicidade e/ou pela televisão. Pela publicidade passaram: Roberto Santos, Luiz Sérgio Person, Sérgio Muniz, Francisco Ramalho Jr. e Renato Tapajós. E pela televisão passaram: Roberto Santos, Luiz Sérgio Person, Sérgio Muniz, Renato Tapajós, João Batista de Andrade e Maurice Capovilla, sendo que Batista e Capovilla, embora não tenham trabalhado diretamente com comerciais, realizaram documentários institucionais, ou seja, filmes que não são propriamente publicitários, pois não vendem explicitamente um produto, mas são patrocinados e vinculados a um produto, marca ou empresa. No caso do programa

permitindo uma margem relativa de autonomia, enquanto que em outros projetos como o documentário As cidades do sonho que Capovilla realizou em 1975 para a agência de publicidade de Roberto Medina, o projeto era claro: “Nada mais que um institucional sobre cidades planejadas, a serviço de um empreendimento imobiliário”. (CAPOVILLA apud MATTOS, 2006, p. 174). Outro projeto desse tipo realizado pelo cineasta foi um institucional sobre corridas de rali sob o patrocínio da Ford. No entanto, neste caso Capovilla (apud Mattos, 2006, p.141) relata que partiu dele a ideia de seguir um dos competidores, acompanhando a corrida e os bastidores durante todo o trajeto da prova entre São Paulo e Minas. Assim, o curta-metragem, intitulado Rally (1971), não deixa de ser um documentário com uma certa “autoralidade”, embora esteja inserido nas contradições implicadas em ser um produto vinculado ao seu patrocinador. Batista, por sua vez, assume a realização de pelo menos dois documentários institucionais, em 1969, para a produtora do (ex-) cineasta Romain Lessage: “(um chamado Erradicação Cafeeira e outro sobre a Usiminas), raríssimos trabalhos comerciais ou institucionais que fiz em toda a minha vida, já que eu sempre odiei esse tipo de compromisso.” (ANDRADE apud CAETANO, 2004, p. 133).

Alexandre Krügner Constantino (2004), valendo-se de um referencial bourdieusiano, posiciona o campo publicitário como um subcampo, dominado, do campo cultural, em intersecção com o campo econômico e o campo político, sendo, portanto, um campo próximo de posições dominantes no campo do poder mas desconfortável em relação ao campo artístico, o que pode ser percebido em diversas declarações de publicitários que procuram defender o caráter “criador” de sua profissão, na tentativa de elevá-la para além dos imperativos puros do mercado e da política. Maria Eduarda da Mota Rocha (2010, p.19) encontra uma das poucas referências de Bourdieu à publicidade na qual ele a situa como parte do campo econômico e em oposição ao campo artístico, definindo-a como “operação interesseira de valorização da mercadoria” (BOURDIEU, 2002 apud ROCHA, 2010, p.19). A questão que se coloca, como atenta Rocha (2010) é que a criação é elemento diferenciador na produção publicitária, aspecto cada vez mais fundamental no capitalismo avançado, como demonstrou Jameson (1996). De acordo com este autor:

A produção estética hoje está integrada à produção das mercadorias em geral: a urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam novidades (de roupas à aviões), com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo. (JAMESON, 1996, p.30).

Há, nesse sentido, uma dissolução de fronteiras somando-se à “mercantilização da cultura”, a “culturalização da economia” – processo que, a meu ver, é difícil de ser compreendido pela lógica dos “campos”. De todo modo, não é necessário recorrer ao conceitual bourdieusiano para compreender que o ingresso na publicidade é um fator de incômodo para pessoas que se identificam como artistas e, mais do que isso, como artistas de esquerda. Roberto Santos, que, ao lado de Person, foi, dentre os cineastas de nosso conjunto, aquele que estabeleceu vínculos mais fortes – e conflituados – com a publicidade, declara de maneira incisiva: “Eu tenho feito coisas que realmente... eu sei que estou vendendo produtos, eu sei que estou alienando, eu sei que estou mistificando às vezes, mas eu sei que preciso comer.” (SANTOS, 197-, p.9). Contabilizando ter feito até meados dos anos 1970 em torno de 300 ou 400 comerciais, em suas entrevistas ele se preocupa em justificar a atividade como forma de sobrevivência: “Eu trabalho bastante com comercial. Trabalho e não tenho outro jeito de sobreviver senão trabalhar com comercial. Porque o que me pagam fora do comercial não dá pra sustentar a minha família. Então eu trabalho.” (SANTOS, 197-, p.9).

Não se trata de vitimizar o cineasta, mas é necessário observar que de fato o leque de possibilidades de trabalho não era amplo para alguém que, como Santos, abandonara as faculdades de Arquitetura e Filosofia em que ingressara em 1950 para dedicar-se aos primeiros cursos de cinema que foram os seminários oferecidos pela Prefeitura de São Paulo entre 1950 e 1952, seguindo de certa forma o ofício de seu pai, fotógrafo de simpatias anarquistas131.

A entrada de Roberto na publicidade se dá na virada dos anos 1950 para os anos 1960, logo após seu importante longa de estreia, O grande momento (1958). Segundo Simões (1997), ele trabalhou inicialmente no setor administrativo da Ubayara Filmes, que distribuíra

O grande momento e voltou à realização audiovisual na Amplavisão, empresa de Primo

Carbonari, realizadora de cinejornais e documentários institucionais. Lá dirigiu Bahia com H,

Usina de Votuporanga e Viadutos de São Paulo, datados de 1958, com lançamentos em 1959.

Logo após, ingressou, a convite do ex-cineasta paulista César Mêmolo Jr., na empresa de filmes publicitários Lince Filmes, depois Lynx Filmes. Mêmolo recém-fundara a empresa, trazendo para a equipe nomes do cinema paulista dos anos 1950, como o fotógrafo Chick Fowle e os cineastas Galileu Garcia, o próprio Santos e Agostinho Pereira que mais tarde

131 Cf. Futemma (1982), Simões (1997) e “Biografia” no portal Cineasta Roberto Santos. Disponível em:

dissociou-se da Lince e fundou sua própria produtora a AMP.132

A fundação da Lince insere-se num contexto de surgimento de várias empresas de filmes publicitários criadas por profissionais egressos das companhias cinematográficas paulistas. Uma das empresas pioneiras foi a Musa Filmes que, segundo Barro (2008, p.177), fora fundada ainda em 1951 com a intenção de realizar longas-metragens, mas perante as dificuldades do mercado cinematográfico acabou se voltando para os cinejornais, assim como para o nascente mercado de filmes publicitários para televisão.133 Capitaneada pelo jornalista, escritor, cineasta e comunista italiano Tito Batini, a Musa tinha em seu quadro de profissionais o fotógrafo francês Jacques Deheinzelin e o diretor e montador britânico John Waterhouse que posteriormente fundarão a Jota Filmes em 1957, mesmo ano de fundação da Lince.

Essas empresas surgem no contexto da notável expansão do mercado publicitário a partir de meados dos anos 1950, quando o Brasil vivia novos padrões de desenvolvimento econômico, numa voga desenvolvimentista impulsionada pelo Estado e pela entrada de capital multinacional. Nesse momento, a publicidade atingia uma fase propriamente “empresarial”, conforme caracteriza Maria Arminda Arruda (2004). O retorno da circulação da revista

Propaganda (fundada em 1937 e interrompida em 1939) em 1956 e o I Congresso Brasileiro

de Propaganda em 1957 são elementos que marcam o florescimento do setor. A televisão, surgida em 1950 na capital paulista, começava a substituir, em meados da década, os rudimentares comerciais feitos ao vivo com cartelas ilustradas acompanhadas de voz over134, garotas-propaganda ou slides, por audiovisuais encomendados às agências, o que favorecia a racionalização do tempo de publicidade para frações de 30 segundos. Essa racionalização foi impulsionada a partir dos anos 1960 com os institutos de pesquisa mercadológica que permitiam mensuração mais precisa da audiência e os investimentos publicitários na mídia televisiva foram gradualmente incrementados, de modo que em 1963, conforme Rafael Santos (2003, p.196), as verbas publicitárias direcionadas à TV ultrapassaram aquelas dirigidas às revistas.135

A realização de filmes publicitários passou a ser, assim, um ramo atraente a todo

132 Sobre Agostinho Pereira ver Máximo Barro (2008).

133 Cf. Sobre a Musa Filmes ver Máximo Barro (2008, p.177). Outras referências à empresa estão na biografia de

Barro, elaborada por Sternheim (2009).

134 Voz que se sobrepõe às imagens, sem associação com um falante em tela, por vezes assume a forma de

narração.

135 Sobre publicidade no Brasil ver Ricardo Ramos (1985), Maria Arminda Arruda (2004), Maria Eduarda da

Mota Rocha (2010), Rafael José dos Santos (2003), além dos trabalhos de caráter mais amplo de Renato Ortiz (1988), José Mário Ortiz Ramos (2004).

um contingente de egressos das companhias cinematográficas falidas, incluindo aí não apenas os cineastas, mas também os profissionais técnicos. Nas palavras de Máximo Barro, pesquisador de cinema e histórico montador:

Trabalho contínuo, ótimos salários e possibilidades de nos intervalos continuar no longa-metragem foram deslocando aos poucos todo o contingente técnico. A situação esdrúxula da economia cinematográfica invertia o processo histórico. Ao invés de receber contingentes formados nos comerciais o longa-metragem é que os fornecia. […] Contam-se nos dedos os diretores e produtores que não tenham trabalhado nos comerciais […] Nos outros setores desconhecemos exceções. Todos os iluminadores, de Chick Fowle e Rodolfo Icsay a Toni Rabatoni e Ruy Santos, lá trabalharam, quando não continuamente, pelo menos em escapulidas esporádicas. Montadores com João Alencar e Lucio Braun, por muitos anos, só a isso se dedicaram enquanto Silvio Reinoldi, Lorenzo Serrano, Luis Elias, Maria Guadalupe, Glauco Mirko Laurelli, Eduardo Llorenti, Mauro Alice e nós [Máximo Barro] transitamos com maior ou menor freqüência. (BARRO, 2008, p.178-79).

Voltando à Lynx Filmes, que se tornaria nos anos 1970 a “maior produtora de comerciais do país, e da América latina”, segundo Simões (1997, p.62), cabem aqui alguns comentários sobre a trajetória de seu fundador, César Mêmolo Jr.. Mêmolo dirigiu, em parceria com Carlos Alberto de Souza Barros, Osso, amor e papagaios (1956), filme elogiado por Glauber Rocha no seu Revisão Crítica do Cinema Brasileiro como sendo “uma comédia popular, social, inteligente como nunca antes acontecera no cinema paulista” (ROCHA, 2003 [1963], p.112). Rocha (2003) lamenta que os paulistas Mêmolo e Souza Barros, assim como Galileu Garcia (do também positivamente avaliado Cara de fogo, 1957) e Roberto Santos, tivessem sido “injustamente atirados” à realização de filmes publicitários. Em entrevista ao programa Luzes Câmera da TV Cultura, Mêmolo (197-) respondeu que sua decisão de passar ao mercado de filmes publicitários foi devida às circunstâncias da crise do cinema paulista no pós-Vera Cruz: “Eu na verdade não passei, eu fui passado porque depois de Osso, amor e

papagaios, adveio aquela que foi a maior crise no cinema brasileiro, realmente surgiu um

marasmo terrível e não se tinha perspectiva nenhuma [...]” (MÊMOLO JR., 197-, p. 19 e 20). O cineasta – que nos anos 1950 superara Nelson Pereira dos Santos num concurso promovido pelo Instituto Cultural Ítalo-brasileiro para ser bolsista no Centro Experimentale di

Cinematografia, em Roma – viu, na época, ruir seu projeto de filmar Vidas Secas. Chegou a

fazer uma viagem exploratória pelo Nordeste, em parceria com a Sul Cinematográfica e a Brasil Filmes, mas logo em seguida esta empresa fechou as portas e o projeto foi abortado. Fundou então a Lince Filmes, onde inicialmente dedicou-se às mais diversas funções, inclusive a direção de filmes publicitários, e depois, com o crescimento da empresa, dedicou-

se à função de administrador geral, afastando-se definitivamente da realização audiovisual. 136 Nos anos 1970, com a empresa consolidada, começou a investir na produção de alguns longas-metragens, sendo o primeiro deles o ousado projeto de Roberto Santos, Vozes do medo (1970), do qual trataremos no capítulo 3. De acordo com Simões (1997), as relações entre Santos e Mêmolo se estenderam até a morte de Roberto em 1987, mas foram sempre conflituosas:

Em menos de cinco minutos de conversa estavam discordando […] Roberto cobrava de César mais empenho na questão geral do cinema e o outro defendia sua posição de empresário. […] Em perspectiva percebe-se hoje que Roberto deu uma grande contribuição à Lynx, dirigindo filmes que foram decisivos no processo de decolagem da empresa, e por outro lado a Lynx retribuiu funcionando como uma espécie de segundo lar que ele frequentou até os últimos dias para conversar ou discutir algum filme, inclusive Quincas Borba [último filme de Roberto, de 1986], que foi montado na moviola da empresa. (SIMÕES, 1997, p.62-63).

Outro filme com participação de Roberto Santos e que contou com produção da Lynx Filmes foi Contos eróticos (Roberto Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Roberto Palmari e Eduardo Escorel, 1977). Falando sobre o episódio que dirigiu para esse filme, Arroz

e feijão, Roberto Santos declarou: “Mesmo dentro da proposta industrial de fazer filmes,

consegui junto com o César [Mêmolo] – meu amigo, inimigo leal – realizar Arroz e feijão dentro de minhas convicções” (SANTOS, 1979 apud FUTTEMA (Org.),1982).137

Quanto ao trabalho com comerciais, Roberto Santos contabilizou entre 1958 e 1963 cerca de 150 filmes publicitários, além de documentários institucionais como o já citado

Primeira chance (1959), realizado para o governo do estado de São Paulo138 Em 1965 consegue voltar ao longa-metragem com A hora e a vez de Augusto Matraga, cuja produção se dá num esquema próximo ao Cinema Novo, conforme tratado no capítulo anterior, e realiza em seguida As cariocas (3º episódio, 1966), O homem nu (1968), Vozes do medo (1970) e Um anjo mau (1971), com diferentes esquemas de produção. Nos anos 1970, com a conjuntura cinematográfica cada vez mais polarizada, tendo, de um lado, os filmes “cultos” dos egressos do Cinema Novo que mantinham ascendência sobre o Estado e, de outro, os filmes de baixo custo com enfoque eminentemente comercial produzidos na Boca do Lixo, Roberto Santos trabalha para a televisão e também retorna à publicidade, contabilizando mais

136 Cf. Mêmolo Jr. (197-).

137 Contos eróticos surgiu a partir da proposta de levar para o cinema os textos ganhadores de um concurso

promovido pela revista masculina Status. Roberto Santos escolheu o episódio Arroz e feijão por tratar do “homem comum”, figura privilegiada em sua filmografia.

de 300 comerciais, conforme mencionamos. Em entrevistas da época, é patente seu tom amargurado e auto-justificativo, expressando sua frustração com o afastamento do cinema, ainda que, conforme consta em seu currículo, tenha conquistado prêmios nos Estados Unidos e México com comerciais realizados para Ducal e Clube Lojistas Gang entre 1974 e 1975139. Em uma dessas declarações, o cineasta explica que, diante da necessidade de fazer publicidade, ele buscava ao menos um aprendizado técnico, tendo sempre em vista o fazer cinematográfico:

Eu me defendo assim: de cada trabalho desse tipo eu faço uma pesquisa pro meu trabalho de cinema. Como é que corta, o tempo, o ritmo, o som, o gesto, e inclusive, o que seria uma dramaturgia nesse sentido. Mas eu sei que posso fazer outras coisas, e acho muito mais importante um filme em que consigo dizer alguma coisa, ou um documentário importante. Tudo é mais sério do que aquelas porcariazinhas. (SANTOS, 1976, p.24).

O discurso de Roberto Santos vai ao encontro das considerações de José Mário Ortiz Ramos (2004, p.93-94) que destaca duas dimensões na relação entre diretores de cinema e publicidade: de um lado, a dificuldade de aceitação por parte dos cineastas da dinâmica própria da publicidade, pautada num excesso de detalhismo e na inglória tarefa de tornar sedutoras as mercadorias, o que se choca com as expectativas culturais daqueles que têm com a imagem uma relação de sentido diversa; e, de outro lado, a dimensão de apuro técnico como um fator visto com positividade pelos realizadores que têm na atividade a possibilidade de exercício e aperfeiçoamento contínuo do ofício.

Esse aperfeiçoamento técnico se dá não apenas no ponto de vista do “saber fazer” mas igualmente no âmbito material da importação de equipamentos mais modernos. Se no início havia também na publicidade muita improvisação, com a necessidade de soluções inventivas para a superação da precariedade, como comenta Ramos (2004, p.66), com o aumento da demanda, crescem os investimentos e as empresas elevam progressivamente o seu patamar técnico da produção, o que fez com que os comerciais por vezes fossem os conteúdos de melhor qualidade técnica da televisão brasileira. Esse processo criou também uma outra estrutura e aparelhagem para o cinema, como reconhece o próprio Roberto Santos:

Todo mundo despreza muito esse tipo de cinema, sem se dar conta do quanto foi importante essa produção contínua de filmes publicitários. Importante não apenas enquanto mercado de trabalho, mas na própria evolução de linguagem do cinema brasileiro […] a televisão passou a consumir mais e mais filmes de propaganda, o negócio dava lucro, então as firmas começaram a progredir, alugar ou construir estúdios e – o que foi fundamental – começaram a importar equipamentos. E equipamentos novos, refinadíssimos, leves, completos. […] O meu Augusto

Matraga é filho direto dessa verdadeira revolução de linguagem em que implicou a importação de novos equipamentos no Brasil. E pra montar um filme de repente surgiram as moviolas horizontais, trazidas pelas empresas de jingles, que triplicavam os recursos dos velhos olhos-de-boi (moviolas verticais) da Vera Cruz... (SANTOS apud GALVÃO 197-, p.74).

Seguindo pelo exame das trajetórias, Sérgio Muniz é o único de nosso conjunto de cineastas com formação específica em publicidade, tendo frequentado a Escola Superior de Propaganda (atual Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM). O seu caminho de certa forma é inverso, passando da publicidade ao cinema, não fosse por uma primeira participação, anos antes do ingresso na faculdade, como assistente de câmera no documentário A casa de Mário de Andrade (1954) de Ruy Santos. O contato com o cineasta se dá a partir de um primo de Sérgio, o dramaturgo Bráulio Pedroso que, assim como Ruy, estava vinculado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dessa época, Muniz (2013) se recorda que travava contato com outros cineastas ligados ao Partido Comunista, como Rodolfo Nanni e Nelson Pereira dos Santos. Ele, porém, não conseguiu, ingressar no meio cinematográfico e, após empregar-se numa instituição bancária e no departamento legal de um frigorífico, ingressa, então, por sugestão de um amigo, na Escola Superior de Propaganda em 1959, de onde é convidado por um professor para trabalhar numa agência, a Denison Propaganda. A partir daí, trabalha também em outras agências de publicidade, como a Alcântara Machado, a Multi Propaganda, a Proeme e a Documental, esta dos (ex-)cineastas