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1. CINEMA NOVO E(M) SÃO PAULO: “CINEMA DE AUTOR”, BRASIL ANOS

2.3 Televisão: brechas e contradições

[...] buscar na TV uma forma de trabalho, comunicação de massa [...] maneira de expor e auto- conhecimento. Eu viajei o Brasil todo fazendo umas merdas de filmes que não eram nada do que eu queria fazer, mas de uma certa forma era um pouco daquilo que estava tentando. Inclusive na crença de que a presença da gente na TV poderia transformar aquela máquina infernal. (CAPOVILLA, 2001 [1981], p.83).

Surgida em 1950 na capital paulista, em momento paralelo ao da fundação das grandes companhias cinematográficas, a televisão a princípio não estabeleceu maiores relações com o setor. Em sua origem, a televisão brasileira estava ligada sobretudo ao rádio, em termos de linguagem e de absorção de mão-de-obra. E foi por meio da publicidade que os profissionais do cinema começaram a se inserir na televisão, numa época em que a programação televisiva era realizada ao vivo e em condições técnicas muito precárias. Os filmes publicitários, por sua vez, eram, conforme Rafael Santos (2003, p.180), realizados em película 35mm e convertidos para 16mm para adaptação à televisão e durante algum tempo tornaram-se os conteúdos com maior qualidade técnica da televisão brasileira, conforme já mencionamos. Dos cineastas de nosso conjunto, Person foi o único que trabalhou na televisão em seus primórdios quando, ainda muito jovem, atuou como ator, adaptador e diretor de teleteatro nas TVs Tupi, canal 4, e Record, canal 7, entre 1955 e 1958. A carreira artística de Person iniciara-se antes ainda quando constituiu na adolescência um grupo de teatro amador juntamente com os futuros diretores teatrais Flávio Rangel e Antunes Filho, sendo que a relação com a TV se dá por meio deste último que o convida para trabalhar a seu lado na TV Tupi. Um outro amigo de mocidade de Person que estabeleceu relações estreitas com a televisão foi o músico Cláudio Petraglia, igualmente inserido na Tupi.

Roberto Santos, por sua vez, tem suas primeiras relações de trabalho com a TV em 1967 quando dirige, para a TV Record, o programa Disparada, protagonizado pelo cantor e compositor Geraldo Vandré que fora o compositor da trilha sonora de seu A hora e a vez de

Augusto Matraga (1966). A atração aproveitava o sucesso conquistado pela canção Disparada

no Festival da Música Popular Brasileira de 1966 mas durou apenas quatro programas, sendo interrompida por divergências entre Vandré e a emissora, segundo informação de Capovilla

que foi assistente de Roberto na empreitada (CAPOVILLA apud MATTOS, 2006, p. 167). Os dois filmes seguintes de Roberto, o episódio para As cariocas (1966) e O homem nu (1968), têm ligação indireta com a TV, pois foram produzidos pela Wallfilme, de Wallace Simonsen, da TV Excelsior. E, em 1972, o cineasta volta a trabalhar na TV quando realiza para a TV Cultura, canal 2, a série Personagens do cinema brasileiro, com 26 programas. Até 1976 realiza outros programas para a TV Cultura: Caminhos do Curta Metragem, 12 programas;

Ubatuba, documentário de 25 minutos; Raízes de luz e sombra, 14 programas, um deles sobre

o cineasta Humberto Mauro e outros sobre figuras como Castro Alves e Euclides da Cunha;

Terra e gente no curta-metragem brasileiro, 14 programas; O poeta e a cidade, 10 programas

de 25 minutos cada, com abordagem poética sobre diversas facetas de São Paulo; e Asas de

terra, 6 documentários de uma hora cada, “sobre gente”, como ele descreve149, dois sobre inventores populares, dois sobre circo e dois sobre artesãos. O site “Cineasta Roberto Santos”150 lista ainda os programas Cidade dos meus amores, série sobre cultura popular nos arredores de São Paulo, e O grande momento: 30 anos depois como programas realizados para a TV Cultura.151 É possível que estes últimos tenham sido realizados depois de 1980 pois não constam no currículo de Santos depositado na Cinemateca Brasileira que tem como data final 1980. Roberto realizou ainda audiovisuais para a TV Globo sobre os quais há escassas e por vezes divergentes informações. O documentário Terceira classe – Atlântico-Pacífico (Os

imigrantes) realizado em 1973 com produção da Blimp Film para o programa Globo Shell da

TV Globo está listado em seu currículo mas, conforme Simões (1997, p.172), foi motivo de divergências entre o cineasta e os responsáveis pelo programa que numa pós-edição alteraram substancialmente a sua concepção do tema o que resultou num pedido para retirarem seu nome dos créditos. Terceira classe – Atlântico-Pacífico é creditado por Heidy Vargas (2009, p.93 e 201) ao diretor Marcos Matraga, enquanto Igor Sacramento (2008, p.125) o credita ao cineasta Domingos de Oliveira. Ambos os autores, estudiosos da produção Globo Shell e

Globo Repórter, valem-se de fontes primárias como jornais que publicaram notícias sobre os

programas na época. Outras realizações de Roberto Santos para a TV Globo são os especiais de teledramaturgia Sarapalha, adaptação do conto de Guimarães Rosa, premiado como “melhor especial de 1975” pela Associação Paulista de Críticos de Arte e O Poço, adaptação

149 Santos apud Simões (1997, p.173).

150 Disponível em: <http://www.cineastarobertosantos.com.br/> Acesso em: 12 de novembro de 2015.

151 As informações apresentas neste parágrafo foram compiladas de diversas fontes que incluem o referido site, a

biografia elaborada por Simões (1997) e o catálogo da Biblioteca Roberto Santos onde estão praticamente todos os audiovisuais realizados pelo cineastas para a TV Cultura.

do conto de Mário de Andrade, de 1977, também para o núcleo Casos Especiais da TV Globo. Na realização deste último constam novas divergências entre o cineasta e a emissora: “Roberto queria dois atores negros, que a Globo achou melhor não incluir no elenco” (Simões, 1997, p.1975). Antes do Baile Verde, adaptação do conto de Lygia Fagundes Telles, também de 1977, é referenciado pelo site “Cineasta Roberto Santos” como realização para a Globo, enquanto o currículo o lista como produção para o Instituto Goethe dirigida à exibição na TV alemã. O mesmo documento lista ainda a realização, em 1975, de uma pesquisa sobre obras literárias brasileiras com a finalidade de adaptação para telenovelas ou especiais para a TV Tupi.

De acordo com Simões (1997, p.171-74), Roberto Santos tinha uma visão bastante crítica da TV, resistia a ter o aparelho em casa e desaconselhava os filhos a assistirem à sua programação até mesmo na casa de vizinhos. Ao mesmo tempo, se mostrava empolgado com o novo modo de trabalho que a TV lhe proporcionava, permitindo-lhe, por exemplo, trabalhar com três câmeras no estúdios. É possível perceber pelos temas e quantidade de programas realizados para a TV Cultura e pelos significativos episódios de divergências com a TV Globo que Roberto estabelecia relações diferenciadas com as duas emissoras. Isso é confirmado por ele em entrevista à jornalista Ana Maria de Abreu (1979) em que explica que na TV Cultura não sofria qualquer tipo de pressão, que seu único problema ali era em relação ao orçamento, enquanto que na TV Globo ocorria o inverso, as condições técnicas de realização eram ótimas – ele podia trabalhar com equipes de cerca de 70 pessoas e era prontamente atendido em solicitações como quando demandou um violeiro e lhe trouxeram dez – mas a liberdade de conteúdo era tolhida: “eles dão condições de trabalho, mas se for falar politicamente o papo é outro. Se for fazer alguma coisa que prejudique não só o Padrão Globo de Qualidade, mas o Sistema, aí vira tudo.” (SANTOS apud ABREU, 1979). Conforme Simões (1997, p.171), Roberto Santos chegou a ser convidado várias vezes para ser contratado pela Globo, até mesmo para dirigir novelas, tendo recusado os convites por não querer mudar-se de São Paulo. É possível que sua consciência das condições de trabalho tenha influído na recusa, mas ele continuou enviando cartas para o núcleo de ficção da emissora com sugestões de histórias, como Rádio-amador, que gostaria de realizar com Antonio Fagundes como protagonista, projeto que descreveu do seguinte modo: “Há testemunhos incríveis de rádio- amadores. Cada noite é um tema. Temas da vida comum, de vida trepidante. […] Torno a repetir. Há muitos temas. Tanto quanto uma pequena grande vida pode oferecer” (SANTOS apud SIMÕES, 1997, p.176). Na TV Cultura, cujo diretor do departamento cultural era Walter

Georg Dürst, (ex) comunista que trilhou trajetória na televisão depois de passar pelo rádio e pelo cinema152, Roberto Santos pôde desenvolver mais livremente seu gosto por histórias de pessoas simples, de “pequena grande vida” como os protagonistas da série Asas de terra.

Os cineastas de nosso conjunto que, ao que consta, não fizeram publicidade stricto

sensu, Maurice Capovilla e João Batista de Andrade, são os mais conhecidos pelo trabalho na

televisão. Ambos tiveram vínculos de longa duração com a mídia televisiva, o que possivelmente lhes deu condições para não precisar recorrer à publicidade como área de trabalho.

Maurice Capovilla conta a Igor Sacramento (2008, p.124) que seus primeiros contatos com a produção televisiva se deram ainda antes de sua assistência de direção a Roberto Santos no programa Disparada, em 1967, quando frequentava os estúdios da TV Tupi em São Paulo, assistindo à gravação de alguns programas, como musicais intimistas de que gostava. Seu primeiro trabalho para televisão, entretanto, é Terra dos Brasis, documentário de 1971 patrocinado pela petrolífera Shell e encomendado à produtora de publicidade paulista Magaldi, Maia & Prosperi. O cineasta escolhido para realização desse projeto de um grande painel sobre o Brasil inicialmente era Ruy Guerra que foi preterido diante de sua proposta de documentar o país por meio de seus rios, o que tomaria muito tempo. Capovilla, convidado a propor um novo projeto, sugere percorrer o Brasil de avião e apresentar cada região por meio do trabalho de seus habitantes. O projeto é aceito e realizado com fotografia de Dib Lufti e trilha sonora de seu irmão, Sérgio Ricardo. Os nomes desses dois últimos, ligados ao Cinema Novo e à canção engajada, somados à ideia de Capovilla de documentar a região por meio do trabalho de pessoas simples (um carregador amazonense, um vaqueiro pernambucano, um pescador cearense, um desmatador da Transamazônica etc) já sugere que o filme não seria exatamente laudatório, pleno de belas imagens como agradaria aos patrocinadores e, assim, o filme foi finalizado mas jamais exibido. De acordo com Capovilla: “o tom crítico que às vezes imprimimos, além do caráter excelsamente popular, não se prestou ao objetivo do patrocinador, que era presentear o governo Médici.” (CAPOVILLA apud MATTOS, 2006, p.143). A questão que se coloca é: se o objetivo era presentear o governo Médici, por que entregar o projeto nas mãos de cineastas com passado reconhecidamente de matizes “esquerdistas” como Ruy Guerra ou Capovilla? E o mais interessante é que mesmo após essa ocorrência, Capovilla realizará episódios para o mesmo

152 Sobre Walter Dürst ver Nilu Lebert (2009), David José Lessa Mattos (2002, p.193-199), e entrevista ao

patrocinador, no programa Globo Shell. Isso de certa forma pode ser explicado pelo fato de que a TV Globo e a indústria cultural brasileira de um modo geral se consolidava naquele momento e, por vezes, os melhores profissionais, mais preparados técnica e artisticamente, estavam dentro do espectro da esquerda. É esta a linha de argumento de Sérgio Miceli (1994) que entende que o recrutamento pela indústria cultural de profissionais com tendências políticas de esquerda foi responsável pelo sucesso dessa produção em nível nacional e mesmo internacional por estarem eles habilitados a produzir bens culturais em consonância com o gosto dos públicos. Conforme mostraram Igor Sacramento (2008) e Heidy Vargas (2009), a Globo naquele momento buscava atingir novos estratos sociais, conquistando maior prestígio cultural para suas produções na tentativa de afastar-se das críticas direcionadas à produção popularesca ou meramente reprodutora de “enlatados” estrangeiros que caracterizava, em linhas gerais, a programação televisiva. Conforme argumenta Renato Ortiz (1988), a indústria cultural absorveu de maneira despolitizante elementos do nacional-popular que marcara a produção cultural de esquerda nos anos 1960. Embora o argumento possa ser corroborado pelas próprias produções de que trataremos aqui, sobretudo aquelas do programa Globo-Shell, essa relação entre artistas de esquerda e meios de comunicação de massa comportou matizes e contradições que exigem explicações dialéticas. Marcelo Ridenti (2000) tratou desta questão tendo como referência um quadro mais amplo e Igor Sacramento (2008) se dedicou especificamente ao cinema e às produções Globo-Shell e Globo Repórter. Retornaremos a esse tema adiante. Por ora, voltamos à trajetória de Capovilla na televisão.

Em 1971 estreia o programa Globo-Shell Especial que ganhou destaque na imprensa por levar à televisão cineastas, alguns dos quais de trajetória ligada ao Cinema Novo, notadamente Walter Lima Jr., Gustavo Dahl, Domingos de Oliveira e Paulo Gil Soares, que coordenava o projeto. O programa teve, conforme Heidy Vargas (2009), duas fases. A primeira vai de 14 de novembro de 1971 a 26 de novembro de 1972 e conta com quatorze documentários produzidos por uma equipe formada no Rio de Janeiro que incluía, além dos cineastas acima mencionados: Geraldo Sarno, Therezinha Muniz, Fernando Amaral, Antônio Calmon, Ismar Pôrto, todos com experiência no cinema, e o jornalista Hélio Polito. Já a segunda fase se inicia em setembro de 1972 com a exibição do documentário São Paulo, terra

do amor, de Carlos Augusto de Oliveira, Guga, sócio- proprietário da Blimp Film, empresa

que realizará onze documentários para o programa. A Blimp, conforme mencionamos no tópico 2.1, teve sua origem vinculada à publicidade153 e desde de 1971 passara – a convite do

irmão de Guga, Boni, superintendente de produção e programação da TV Globo – a realizar trabalhos para a emissora como vinhetas e aberturas de novelas e shows, produzindo posteriormente documentários para programas como Globo Shell, Globo Repórter e

Fantástico. Capovilla insere-se nessa segunda fase do Globo Shell a partir da amizade com

Guga, que conhecera durante as filmagens de seu filme Bebel, garota propaganda (1967), e realiza, via Blimp, dois documentários para o programa: As crianças – O poder infantil e Do

sertão ao beco da lapa, ambos exibidos em 1973. O primeiro, com roteiro em parceria com o

crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, tratou do universo infantil, levando em consideração “a criança na família; a criança fora da família (delinquência, juizado de menores); criança e criatividade; criança e escola; criança e meios de comunicação; e criança e sociedade de consumo” (O Globo, 27/02/1973, p. 12 apud SACRAMENTO, 2008, p.124), já o segundo tratou dos universos de formação de três escritores brasileiros: Guimarães Rosa, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, sendo a última parte realizada por Rudá Andrade, sob o aposto E o Mundo de Oswald. Do sertão ao beco da lapa, exibido em novembro de 1973, faz parte da transição do Globo Shell para o Globo Repórter, sendo exibido sob a rubrica, Globo

Repórter Documento – Globo Shell Especial, conforme aponta Vargas (2009, p.65). Outro

programa do Globo Shell citado por Vargas como tendo a participação de Capovilla é O

caminho do homem (Ar, Terra e Mar), exibido em setembro de 1973, e cuja direção foi

dividida com Carlos Augusto de Oliveira e Getúlio de Oliveira. Capovilla não faz referência a este filme mas menciona outros três documentários realizados por ele via Blimp Film para o núcleo de projetos especiais da TV Globo, entre 1971 e 1972, portanto, previamente à fase “paulista” do Globo Shell: “O poder jovem [que] tratava de educação, comportamento, diversão e relacionamento entre os jovens da época. A indústria da moda e Revolução do

consumo, [que] como sugeriam os títulos, traziam insights dos bastidores do capitalismo

florescente. (MATTOS, 2006, p.169).

Heidy Vargas (2009) defende que, mais ainda do que o Globo Repórter, o programa Globo Shell foi marcado pela autoralidade dos cineastas. O programa buscava a experimentação – mais praticável devido ao horário, 23 horas, em que era exibido – e de certa forma convidou os cineastas para que exercessem seu métier na TV e trouxessem com eles o prestígio cultural que a emissora e a patrocinadora buscavam. A produção era altamente custosa e sem prazo rígido para realização, o que contrastava com os padrões televisivos de

esposa de Guga, sobre a produtora, Heidy Vargas (2009, p.39, 64-65) explica que a Blimp foi fundada em 1968 por Guga e Walter Carvalho Corrêa como agência de publicidade, conquistou grandes clientes como a Chevrolet, a Ford e a Nestlé, e se tornou uma das grandes empresas paulistas do setor.

produção acelerada. Cada programa demorava de três semanas a dois meses para ser realizado, o que exigia o revezamento de equipes para manter a exibição quinzenal. De acordo a autora: “Eram tarefas do diretor: escolher equipes, definir a narrativa e até julgar o tempo necessário para executar todo o trabalho.” (VARGAS, 2009, p.78). A produção e edição também se dava sob a coordenação dos diretores. Desse modo, os cineastas recebiam condições técnicas e tinham liberdade de trabalho para levar para a TV linguagens próprias ao cinema com enquadramentos, movimentos de câmera e formas narrativas até então inéditas no meio. No caso das produções da Blimp, os audiovisuais eram ainda mais sofisticados do que os do núcleo carioca visto que a empresa de publicidade era dotada de excelente estrutura com equipamentos mais sofisticados do que os da sede da TV Globo no Rio. Isto, além do interesse da emissora em ampliar a aproximação com o público paulista, explica a contratação da Blimp na segunda fase do programa já que o objetivo do Globo Shell era “bom gosto e ótimas imagens” nas palavras de Walter Clark, então diretor geral da TV Globo (apud Vargas, 2009, p.36). No auge da produção, a empresa de Guga chegou a contar com oito equipes, totalizando 150 profissionais entre diretores, pesquisadores, câmeras, fotógrafos e técnicos de som, conforme VáleriaBalbi (apud Vargas, 2009, p.77).

Capovilla relata à autora (Capovilla, 2012) e a Mattos (2006) que a Blimp tornou- se um espaço de convivência no meio cinematográfico paulista, sendo frequentada por cineastas como Roberto Santos e Person, conforme mencionamos no tópico anterior. O cineasta considera que havia bastante liberdade para realização dos documentários em decorrência da terceirização que afastava os projetos de maior dirigismo da emissora. A produtora detinha a confiança da Globo e Capovilla conta que participou da criação do famoso plim-plim, vinheta para distinguir mais claramente os programas dos comerciais. É interessante notar que a vinheta tem ligação com elementos do cinema, considerando que o som remete à marca sonora de sincronização do material de dublagem e a imagem sugeria o obturador de uma câmera, conforme explica o cineasta.

Conforme argumenta Vargas (2009), as produções do Globo-Shell, assim como aquelas dirigidas por cineastas no Globo Repórter nos anos 1970, podem ser consideradas propriamente “documentários” e não “reportagens especiais”. As equipes eram montadas de acordo com necessidades cinematográficas, as filmagens eram feitas em película 16 ou 35mm e a linguagem era própria do documentário, deixando de lado a figura do repórter como intermediador da relação entre fatos e personagens. Esse caráter “cinematográfico” da produção, se foi laureado em algumas críticas jornalísticas da época, foi também motivo de

críticas, como ocorreu com as duas principais produções de Capovilla para o Globo-Shell: As

crianças – o poder infantil, criticado por Artur da Távola, jornalista de O Globo, pelo seu

ritmo lento e “não televisivo” (Cf. Sacramento, 2008, p.124-125) e Do sertão ao beco da

lapa. E o Mundo de Oswald criticado por Valério Andrade do Jornal do Brasil não só pelo seu

ritmo lento mas principalmente por desconsiderar o nível cultural do espectador televisivo:

No fundo Do Sertão ao Beco da Lapa padece daquele velho vício que destruiu a carreira comercial de muitos filmes do antigo Cinema Novo. Pretensioso, monótono, o documentário dirigido por Maurice Capovilla e Rudá de Andrade ignora solenemente o público e o nível de informação da gigantesca platéia que tinha à disposição. A visão de Capovilla sobre Guimarães Rosa, então, só se admite em trabalho feito para uma platéia de cineclubistas. (ANDRADE, 1973 apud SACRAMENTO, 2008, p. 150).

O Globo-Shell foi, talvez, a experiência mais próxima de “cinema na TV”. Os altos custos e o ritmo diferenciado da produção, nem sempre alcançando retorno desejado de audiência foram, no entanto, inviabilizando a produção. De acordo com Vargas (2009) desde o final de 1972 o programa já passava por indefinição devido ao desinteresse da Shell em continuar apoiando o projeto. Nos últimos meses foram exibidos apenas documentários produzidos pela Blimp em São Paulo, ficando o núcleo carioca parado. Nessa conjuntura em abril de 1973 surge em caráter experimental o programa Globo Repórter que seria mais ágil, diversificando temas e contando com uma mescla de produções nacionais e adaptações de produções estrangeiras de modo a diminuir os custos de produção e incorporar aspectos mais “jornalísticos”. O novo programa era dividido em segmentos revezados ao longo das exibições: Globo Repórter Atualidade, abordando de três a quatro assuntos de destaque do