• Nenhum resultado encontrado

Em termos de ação motora, o condicionamento determina certo tipo de ocorrência muscular. A cada vez intensifica-se a prontidão do corpo em reagir, perfazendo a mesma trajetória daquela forma predeterminada, ao qual resulta certo movimento esperado. A repetição, ao longo do tempo, “apronta”, “reedita” a resposta do corpo sempre que o estímulo ocorrer na mesma direção e da mesma forma, numa descrição uniforme e linear. O esquema funcional do condicionamento é este: reunir insuspeitavelmente uma ação a uma reação. Das influências consideradas perniciosas desse me- canismo, o aspecto da dependência é certamente o mais repudiado. Klauss Vianna (1990) entendia que este modo limitado se ligava ao gradual empo- brecimento repertorial de movimento e recusava as suas leis. Pressupondo todas as formas de condicionamento, o referido professor procura impri- mir um ritmo de trabalho que busca examinar minuciosamente as rela- ções estruturais entre músculos, articulações e ossos por procedimentos, via acionamentos, que visa desbloquear o corpo.

de entranhas congeladas - temos de continuamente parir nossos pensamentos em meio a nossa dor, dando-lhes maternalmente todo o sangue, fogo, prazer, paixão, tormento, consciência, destino e fatalidade que há em nós

Os experimentos se dão lentamente, sob controle minucioso, e vão em direção contrária aos resultados por encadeamentos lineares causa-efeito, buscando se aproximar de um campo de ações que fique circunscrito à ex- ploração da estrutura musculoesquelética. “Num processo de aprendizado é necessário reconhecer e localizar a musculatura, sentir como ela trabalha, quais os movimentos que pode gerar, as diversas intenções que pode trans- mitir, seu encurtamento, seu alongamento.” (VIANNA, 1990, p. 65) Com a intenção de promover uma modificação do comportamento muscular, esta forma de prática não garantia a modificação imediata das compensações. Uma vez localizado o ponto de origem, e de inserção do músculo no osso, e o grau de tensão correspondente, desfazer o condicionamento operante levaria tempo, em qualquer um dos aspectos ligados ao trabalho. Seria a relação entre atenção, intenção e sustentação, que desencadeariam o pro- cesso da conscientização, contrariamente a uma ação progressiva mecânica e automática, seria um constante campo de monitoramento com avanços e recuos, ganhos e perdas.

Essa perspectiva não linear traz à tona a questão da consciência corpo- ral – buscar na mão contrária dos automatismos – ir em direção contrária ao que se encontra predeterminado. Daí vem o “perder” e “achar” à que Klauss se referia em aula. Muitas vezes surge uma compreensão corpórea

do procedimento em curso, outras não. Corpórea no sentido de ativada localmente e acessada globalmente descentralizadamente. A gente acha e perde a rotação necessária para o alinhamento por direção óssea, a gente perde a intenção e some a perspectiva do trabalho em curso. Não está garantida a transformação imediata nem o desalojamento do condiciona- mento. A que se deve isso?

Considerando que a ação contínua muscular pelo condicionamento operante está sendo posto em questão, o que se encontra resultante da resposta muscular se vê questionado por novas combinatórias de acio- namentos, em que o tempo da ação que reproduz um evento e sua du- ração é substituído por um tempo de percepção e um tempo sustenido de observação, naquilo que Klauss Vianna (1990) qualificava como meio intermediário.

Isso talvez se ligue de alguma maneira a intitulada dicotomia reinante entre transmissão de conhecimentos e produção de conhecimentos. A pri- meira, diz respeito a passar adiante pela economia de resultados; a segunda, interfere na cadeia prévia dos conhecimentos existentes. A ênfase dada a “processo” no trabalho de consciência corporal vem carregada do sentido de despontar como um antídoto, ou seja, a capacidade de vivenciar as eta- pas intermediárias da resolução do movimento sem saltar diretamente para a reação já preestabelecida por um determinado condicionamento, uma forma de estar verificando o que ocorre a todo instante, abrindo espaço para as transformações. Essa aproximação do campo perceptivo se fez no- tar em alguns trabalhos artísticos resultantes da geração que trabalhou com Klauss Vianna, entre eles, Duda Costines, Zélia Monteiro, Patrícia Noronha e Zé Maria, são exemplos.

No momento exato da rotação, pode intervir o pré-estabelecido, pois o jogo de forças condicionadas já estão preparadas pelo planejamento pré- -motor, enquanto o caminho intencional do movimento na reorganiza- ção e realinhamento por direção óssea está em ritmo de aprendizagem. Experimenta-se uma sensação alternada entre sai de cena o condiciona- mento, entra em cena o condicionamento, perde-se a intenção, encontra- -se o caminho novamente das oposições e das espirais.

Somado a isso está nascendo um novo jeito de lidar com o corpo, um jeito consciente de apreender os fenômenos via movimentos, consciência, corpo. Klauss ressalta que:

Estamos sempre evoluindo e há um momento nessa evolução que se revela em nosso corpo e nos assusta. Depois disso ocorre uma verdadeira renovação e já não temos mais medo daquilo que se apresenta diante de nós como novo. Esse processo é marcado por contradições, avanços e recuos, por idas e vindas que tornam intensamente ricas a nossa ação e abrem espaço para profundas trans- formações. (VIANNA, 1990, p. 83)

Os princípios que nortearam a pesquisa autodidata do professor Klauss buscaram trabalhar como diretrizes para um processo não condicionante, no sentido dos automatismos. As estratégias previam um desnudamento gradual da potencialidade inventiva de movimentos inaugurais.

Repetições

A questão da repetição se insere como reveladora da atitude de Klauss. Teoricamente, a repetição ocorre relativa aos fenômenos reversíveis, abs- traindo-se da flecha do tempo dos fenômenos irreversíveis. Tomemos a observação de um fenômeno corrente em dança como o de “girar seis vezes”, o espaço-tempo estendido da movimentação impede uma repe- tição no estrito senso e cada momentum dos giros refere-se há um ins- tante irreversível e único. Porém, no panorama do desenho na evolução

do movimento, como partitura ou elemento coreográfico, a repetição des- ponta como um conceito estatístico. No instante em que a ação se dá a mesma se apresenta como única no espaço-tempo. Em relação às ações da mesma espécie, outros fatores se mantendo constantes, ela pode ser revertida, isto é, registrada como uma repetição.

O modelo da repetição por condicionamento operante valeu-se de ter sido a mais amplamente difundida e propagada tanto no ensino tradicional, como na dança em geral.

Trata-se de dois tipos distintos de ensino aprendizagem na dança: o que busca evitar e desfazer condicionamentos e o que o propõe. Distinção cru- cial para a praxis somática. O condicionamento skinneriano, a despeito de fazer crer uma reação quase instantânea e imediata, só se torna possível após um longo processo de repetição, que ocorre de forma constante pelo reforço estímulo-resposta destinado a determinado fim. No caso dos expe- rimentos de Klauss, a repetição se dá na forma de um procedimento empí- rico: retoma-se a tentativa e erro aula a aula, verificando e examinando as condições do condicionamento instalado para desprepará-lo. De fato, há uma diferença na atitude de repetir ou retomar. A questão da presença é crucial para o entendimento desta diferença, num novo conceito de repe- tição consciente.

O problema agora detectado incide em termos de uma oposição entre (da suposta negação e antagonismo relativos aos conceitos de) processo e re- petição (onde ocorreria um, não ocorreria o outro). A questão é que ambos dizem respeito a escalas distintas, de modos diversos de aplicação e perten- cem a visões de mundo diferentes. Isto fica mais claro entendendo um pouco mais sobre o procedimento empírico da tentativa e erro na teoria evolutiva.