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Conduta do empregador frente à perversão moral

Atualmente, o assédio moral está em evidência nas relações de trabalho, sobretudo nos vínculos empregatícios, em que há relação de subordinação, tanto na iniciativa privada quanto nas instituições públicas, manifestando-se de forma perversa e prejudicial. Por vezes o psicoterror laboral é estimulado pelas instituições, visto a ilusão de que seria uma ferramenta de incentivo à competição e motivação ao atingimento de metas. Logo, a própria empresa pode ser o perverso, ao adotar meios destrutíveis, a fim de atingir seus objetivos. Ocorre, entretanto, que os efeitos não são os esperados e os empregadores que adotam esta postura hostil, tendem a arcar com os riscos e consequências de sua postura errônea.

8 Doença psicossomática é uma doença que envolve mente e corpo. Algumas doenças físicas são consideradas

Nesse viés, imperioso salientar os ensinamentos da Dra. Hirigoyen (2002, p. 75), ao proclamar que:

Essa situação é demasiada frequente no contexto atual, em que se busca fazer crer aos assalariados que eles têm que estar disposto a aceitar tudo se quiserem manter o emprego. A empresa deixa um indivíduo dirigir seus subordinados de maneira tirânica ou perversa, ou porque isso lhe convém, ou porque não lhe perece ter a menor importância. As consequências são muito pesadas para o subordinado. Pode ser simplesmente um caso de abuso de poder: um superior se prevalece de sua posição hierárquica de maneira desmedida e persegue seus subordinados por medo de perder o controle; é o caso de poder dos pequenos chefes. Pode ser também uma manobra perversa de um indivíduo que, para engrandecer-se, sente necessidade de rebaixar os demais; ou que tem necessidade, para existir, de destruir um determinado indivíduo escolhido como bode expiatório.

As discrepâncias presentes nas relações de emprego, demonstram que o processo desumano se torna ainda mais robusto devido à incompetência e a indiferença das empresas e seus prepostos, transparecendo a massiva incapacidade dos superiores hierárquicos, no que tange ao combate ou ao desvencilhamento da relação laboral corrompida pelo cerco autodestrutivo da perversão moral. Embora a presença dos ‘grandes’ perversos seja singular na relação laboral, quando presentes são extremamente perigosos, minam o ambiente e destroem gradativamente os indivíduos que não se submetem ao ‘jogo’, sendo este, compreendido como legitimo pela empresa que visualiza apenas o benefício próprio.

Nessa linha, imperioso destacar as palavras da Dra. Hirigoyen (2002, p. 89), que contextualiza a postura equivocada dos empregadores, ao depararem-se com situações perversas no ambiente laboral, destacando que “alguns empregadores tratam seus empregados como crianças, outros os consideram como ‘coisas’ suas, que podem ser utilizadas a seu bel prazer”. Esse comportamento, auxilia à degradação do vínculo empregatício, bem como legitima a ação dos sujeitos perversos, ao passo que o empregador permanece apático, trata os conflitos entre colegas como briga de irmãos, deixando-os responsáveis pela resolução de seus embates pessoais, evidenciando a falta de gestão, ética e profissionalismo.

O assédio moral pode conduzir indivíduos, que não são propriamente perversos, à perda de seus referenciais e princípios, tornando-os suscetíveis à pratica de atrocidades no ambiente laboral, intuindo a obtenção de poder, ou simplesmente a preservação de seus empregos. Deste modo, o empregador condescendente valida esse processo, à medida que deixa de impor limites aos indivíduos tendenciosos, leva-os a crer que estão agindo

corretamente e que há a anuência dos superiores para com suas ações. Logo, muitas empresas concordam com a prática do assédio moral, direta ou indiretamente, almejando que a competitividade assídua, elimina o “peso morto”, ou seja, os empregados improdutivos que não geram lucro às organizações.

Dra. Hirigoyen (2002, p. 75) destaca ainda, que:

[...] Em um sistema de concorrência desenfreada, a frieza e a dureza tornam-se a norma. A competição, sejam quais forem os meios utilizados, é considerada válida e os perdedores são deixados de lado. Os indivíduos que temem o confronto não usam procedimentos diretos para obter poder. Eles manipulam o outro de maneira sub- reptícia ou sádica, a fim de obter sua submissão. Realçam sua própria imagem desqualificando o outro.

Nessa senda, verifica-se que em um sistema econômico intensamente competitivo, os procedimentos perversos tendem a ser usados deliberadamente pelas empresas, seus prepostos e, por vezes permitidos entre colegas de trabalho. O massacre dentro das relações laborais, vem regado de muitos prejuízos, como bem pontuam os ensinamentos de Ramos e Galia (2013, p. 57), que elucidam algumas consequências acerca da postura omissa do empregador:

O assédio moral gera consequências sobre a organização do trabalho, afetando diretamente a pessoa do empregado, seja no aspecto pessoal, seja no profissional, bem como prejudica economicamente o próprio empregador em razão da queda da produtividade, do alto índice de absenteísmo e pagamento de indenizações, além de prejuízos para a coletividade, haja vista que o Estado acaba custeando o tratamento de saúde d vítima do assédio, como também o pagamento de seguro-desemprego e até mesmo de aposentadoria precoce.

Busca-se, desta forma, referir a abusividade do empregador perante a ocorrência do assédio moral, o qual não deve ser banalizado nas relações de trabalho, ou seja, considerado uma fatalidade social. Em vista disso, face a gravidade do psicoterror e suas consequências, destaca-se a afronta, entre outras normativas, ao disposto na Constituição Federal de 1988, ferindo a dignidade humana, a honra, a imagem e a privacidade do indivíduo. Logo, afetam não apenas as relações laborais, mas também o próprio Estado, que de alguma forma acaba sendo atingido pelos reflexos desta perversão, gerando graves impactos na sociedade como um todo.

2 ASSÉDIO MORAL: UMA AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA

Um Estado Democrático de Direito constitui-se fortemente na preservação e defesa da Dignidade Humana, ou seja, na consideração e no respeito às diferenças de seus indivíduos, enaltecendo assim, a busca por igualdade e legitimando a chamada “constituição cidadã”. Entretanto, conforme analisado no capítulo anterior, indubitável é que a convivência diária, principalmente sob pressão, ressalta de forma intensa as diferenças e por vezes as limitações atinentes à própria natureza humana, ou seja, características físicas ou psicológicas, sofrem perseguições, críticas e severas agressões, comumente causadas pela intolerância, pelo desrespeito e pelo preconceito, incitando consequências vitais às vítimas e suas relações interpessoais.

Há, nesse aspecto, grave colisão entre a realidade nos vínculos empregatícios e a observância da garantia constitucional do princípio da dignidade humana. Ocorre, que o trabalho é essencial à existência humana, visto a necessidade de sobrevivência da espécie. Contudo, atualmente, considerando as normativas vigentes e os critérios previdenciários, pode-se dizer que ao longo de uma vida ativa, um indivíduo dedica em média 45 anos ao labor, essa estimativa varia de acordo com a atividade desempenhada e as necessidades do indivíduo, tal fato acarreta intenso desgaste e submissão a situações fortemente degradantes, configurando verdadeiro ultraje aos direitos e garantias fundamentais.

Neste viés, com a discussão mundial sobre o reconhecimento e a garantia de direitos mínimos aos seres humanos, por referir-se a um assunto de tamanha relevância, mostra-se pertinente averiguar quão respeitada é a dignidade humana nas relações de trabalho, porquanto os reflexos de ambientes degradantes revelam significativos danos aos trabalhadores. Frente a peculiaridade do enredo perverso que se instala em muitas relações de trabalho, pretende-se conceituar o princípio constitucional da dignidade humana, a partir de sua interferência no cotidiano laboral e seu detrimento frente as circunstâncias fáticas do psicoterror. Vislumbra-se, dessa forma, a temática do presente capítulo, com análise contemporânea do entendimento jurisprudencial nacional e internacional.