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Entendimento jurisdicional trabalhista face à perversão moral

O assédio moral, é um assunto de suma relevância que está ganhando espaço no contexto jurídico nacional e internacional, conforme analisado nos tópicos anteriores, apesar de não ser uma prática nova no universo trabalhista, tal fenômeno vem sendo contextualizado e amplamente divulgado nas últimas décadas, bem como às condutas degradantes de empregadores ou trabalhadores na pratica do assédio moral vertical, horizontal ou ascendente, que resultam em constantes humilhações e terror psicológico passaram a estar presentes nos processos trabalhistas com maior recorrência, recebendo a devida penalização. O psicoterror laboral pode ser configurado em qualquer nível hierárquico e ocorre de forma intencional e frequente, intuindo, na maioria dos casos, a destruição da vítima.

Neste contexto, o Concelho Nacional de Justiça - CNJ Serviço, pela Agência CNJ de Notícias (2016, p. 1), conceitua tal prática da seguinte forma:

Entende-se por assédio moral toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repitam de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador. Na maioria das vezes, há constantes ameaças ao emprego e o ambiente de trabalho é degradado. No entanto, o assédio moral não é sinônimo de humilhação e, para ser configurado, é necessário que se prove que a

conduta desumana e antiética do empregador tenha sido realizada com frequência, de forma sistemática. Dessa forma, uma desavença esporádica no ambiente de trabalho não caracteriza assédio moral.

A ‘gestão por humilhação’ ou o psicoterror laboral vem sendo, ainda que de forma modesta, combatido no ordenamento jurídico pátrio, conforme se verifica por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul, que após a Reforma Trabalhista de 13 de julho de 2017 (vigência em 11 de novembro de 2017), ao considerar detidamente os termos do Processo Administrativo nº 0004485-17.2017.5.04.0000, referente ao pedido de adoção de ações combatentes ao adoecimento identificado na Pesquisa de Saúde do SINTRAJUFE/RS, publicou a Portaria nº 6.802, de 07 de dezembro de 2017, instituindo o Comitê de Combate ao Assédio Moral no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, intuindo fiscalizar, instruir, conscientizar e disciplinar as condutas imorais, antiéticas, indignas e degradantes ao ambiente de trabalho saudável.

Verifica-se, nesse mesmo sentido, que as consequências drásticas da prática das manobras perversas no ambiente laboral configuram a incidência de dano moral. A jurisprudência, sob o manto do princípio da dignidade humana e dos direitos fundamentais, vem se mantendo majoritária no sentindo de preservar o acesso aos direitos dos trabalhadores, mas, sobretudo, valendo-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, frente a cada caso individualmente. Observa-se tais indicativos nas decisões mais recentes da Região Sudeste do país, como exemplo o Recurso Ordinário nº 20180106885, TRT 2º Região, Relator Dr. Valdir Florindo – publicação em 16 de maio de 2018:

ASSÉDIO MORAL. EXPOSIÇÃO VEXATÓRIA DOS VENDEDORES QUE NÃO CUMPRIAM SUAS METAS. REPARAÇÃO DEVIDA. A figura do assédio moral se consubstancia na pressão psicológica do empregador ou preposto, com caráter não eventual, na busca de fazer dos constrangimentos perpetrados no trabalho, instrumento de verdadeira coação, para obtenção de maior produtividade ou mesmo para ensejar a iniciativa do empregado em rescindir o seu contrato de trabalho. O trabalhador passa a ser vítima de um ambiente de insustentável instabilidade emocional. Logo, ao aplicador do direito cabe analisar as circunstâncias e particularidades do caso concreto, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. In casu, foram devidamente comprovados os elementos probatórios que demonstram a prática de assédio moral pelo superior hierárquico do reclamante, eis que a exposição vexatória dos vendedores perante os demais colegas por ocasião das reuniões promovidas pela ré, tendo como critério o simples fato de não terem atingido suas metas, conforme narrado no depoimento da testemunha, é medida que fere a honra do trabalhador e merece a devida reparação, conforme fixado na r. sentença de origem. (SÃO PAULO, 2018, grifo nosso).

Os Tribunais do Norte do País também já demonstram preocupação com a temática abordada, como exemplo tem-se o Recurso Ordinário nº 0000673-36.2018.5.14.0005, TRT 14º Região, Relatora Dra. Socorro Guimarães – publicação em 25 de abril de 2019:

ASSÉDIO MORAL - XINGAMENTOS E COMENTÁRIOS DE CUNHO SEXUAL. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. [...] O contrato de trabalho foi rompido antes do término do contrato de experiência ante a dor psíquica e moral em que a Recorrente foi submetida, a qual optou pela ruptura imediata do contrato de trabalho a continuar sendo ridicularizada em sua intimidade sexual. [...] É devida a indenização por danos extrapatrimoniais quanto comprovada a prática de um ato ilícito do empregador, suficiente para causar prejuízo moral ao empregado, juntamente com o nexo causal entre a lesão perpetrada e a ação daquele agente. (RONDÔNIA, 2019, grifo nosso).

Logo, cumpre mencionar o entendimento da Região Centro Oeste do país, exemplificando o Recurso Ordinário nº 0000880-24.2017.5.23.0036, TRT 23º Região, Relatora Dra. Eleonora Alves Lacerda – publicação em 24 de abril de 2019:

ASSÉDIO MORAL. CUMPRIMENTO DE METAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. O assédio moral é caracterizado pelo cerco à vítima, minando sua autoestima, seu poder de criação, sua capacidade de concentração, suas expectativas em melhorias profissionais, sendo uma prática inadmissível em qualquer ambiente, não se excluindo o do trabalho. A mera cobrança de metas por parte do empregador não é suficiente para a configuração do assédio moral, ainda que seja inegável que as cobranças possam gerar certo desconforto sobre os empregados. Nesses termos, somente quando ultrapassados os limites da razoabilidade e da normalidade é que estarão presentes os elementos caracterizadores do assédio moral. Não demonstrado que o empregado foi submetido a essas situações, não se há falar em indenização por dano moral. (MATO GROSSO, 2019, grifo nosso).

Nesse sentido, observa-se o enfrentamento da causa pelos tribunais com enfoque na comprovação do ato delituoso, como por exemplo é o caso analisado pelos desembargadores da Região Nordeste do país, especificamente do Estado de Pernambuco, no Recurso Ordinário nº 0000406-69.2017.5.06.0022, TRT 6º Região, Relatores Drs. Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura – publicação em 25 de fevereiro de 2019:

RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO. ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO. O assédio moral no ambiente de trabalho consiste numa violência à vítima, de ordem moral e psicológica, decorrente de comportamentos comissivos ou omissivos por parte do agressor. Para sua configuração definem-se alguns critérios, notadamente a repetição sistemática, duradoura e específica, de atos que coloque a vítima em situações vexatórias e humilhantes, a ponto de desestabilizá-la moral e/ou fisicamente. Quanto à responsabilidade, continua sendo subjetiva, ou seja, continua a exigir um ato culposo, que tenha dado causa a um dano por força de um nexo etiológico, tal como se depreende dos artigos 186 e 927 do CC. Há a impostergável necessidade, portanto, de ser demonstrado indicativo

de atos capazes de caracterizar o assédio moral, o que não ocorreu no caso. Recurso improvido, no particular. (PERNAMBUCO, 2019, grifo nosso).

Tal entendimento é corroborado pelo posicionamento majoritário da Região Sul, em especial do Tribunal do Trabalho do Rio Grande do Sul, ao indeferir a maioria dos casos analisados, devido a alegada insuficiência probatória, verificado no Recurso Ordinário nº 0020303-58.2017.5.04.0016, TRT 4º Região, Relatora Dra. Rosane Serafini Casa Nova – publicação em 27 de fevereiro de 2019:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Não estando demonstrado, de forma cabal e robusta, que a autora foi exposta a situações de assédio moral por parte dos prepostos da empresa reclamada ou situação de racismo, não há falar em condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Negado provimento ao recurso da reclamante. (RIO GRANDE DO SUL, 2019, grifo nosso).

Tendo como exemplo nacional, a análise das decisões supra, no contexto dos tópicos anteriormente estudados, resta possível a constatação de que mesmo com a ocorrência fática do psicoterror laboral, sem a devida comprovação probatória, de forma cabal e robusta, os Tribunais não reconhecem o dano, sendo desprovido o petitório em primeira instância e o recurso em segunda instância. Frisa-se ainda, a dificuldade da produção de provas, visto que conforme o entendimento da grande parte dos Magistrados, a instruir cabalmente o processo a prova deve ser concreta, a fim de comprovar a existência reiterada da ação ou omissão do empregador, o nexo causal e o dano efetivo gerado para a vítima.

Assim sendo, acentua-se o entendimento de Ramos e Galia (2013, p. 116-117), acerca do convencimento do Magistrado:

Resta claro que a prova tem por objeto os fatos da causa, visando à formação da convicção do juiz, efetivo destinatário desta, a respeito dos fatos apresentados. Prevalecerá, contudo, o livre convencimento do magistrado na apreciação das provas, ou princípio da persuasão racional da prova, a teor do artigo 131 do CPC. [...] O juiz procura reconstituir os fatos valendo-se dos dados que lhe são oferecidos e dos que pode procurar por si mesmo nos casos em que está autorizado a proceder de ofício. Isso porque o juiz conhece o direito (iura novit curia), e, destarte, somente os fatos narrados na exordial deverão ser provados, posto que o juiz dará o direito (narra mihi factum dabo tibi jus). Assim, as provas deverão constar dos autos, pois, caso contrário, o juiz não estará obrigado a saber, uma vez que, para o sistema processual, o que não constar nos autos não conta no mundo. (Grifo nosso)

Cumpre expressar, por oportuno, que considerando os diversos níveis de hostilidade acerca do fenômeno do assédio moral no vínculo empregatício, os tribunais brasileiros

seguem tentando enfrentar tal discussão. Há, entretanto, de um lado, a tentativa na proteção consagrada às vítimas da violência moral de forma a ocasionar a fixação de indenização por dano moral, e, de outro, como já mencionado, a dificuldade de provar a fatalidade do fenômeno degradante e delituoso. Neste prisma, o TST, da 4ª Turma, ao analisar o Agravo de Instrumento n° 12425420095100008, em 09 de junho de 2017, contextualizou a definição de assédio moral e proferiu:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL

COLETIVO. ASSÉDIO MORAL VERTICAL DESCENDENTE.

TRATAMENTO OFENSIVO. EMPREGADOR. PODER DIRETIVO. ABUSO. CONFIGURAÇÃO 1. Configura assédio moral vertical descendente a conduta de superior hierárquico consistente em expor subordinados a situações vexatórias e/ou humilhantes, de modo a afetar-lhes a dignidade e a autoestima. Tal se dá quando se utiliza de palavras agressivas e ofensivas, de forma a ridicularizar da generalidade de seus subordinados, na presença de colegas. 2. Convicção que se robustece ante a constatação de que a empresa, ciente de práticas agressivas e desmesuradas de gestão, genericamente cometidas, buscou justificá-las sob a alegação de que a conduta do superior hierárquico "decorre de sua forma de administrar, do seu temperamento ou do seu jeito de ser, não revelando ser intencional esse tratamento agressivo e grosseiro". 3. Tipifica dano moral coletivo o assédio moral que implica lesão a interesses transindividuais, que ultrapassam a esfera pessoal de cada um dos empregados. 4. Por ofender direitos fundamentais e personalíssimos dos empregados, o assédio moral institucional gera direito à indenização decorrente de responsabilidade civil subjetiva, que tem como pressupostos a conduta comissiva ou omissiva do empregador, a existência de dano real à vítima e a relação de causalidade entre a conduta do ofensor e os danos experimentados. 5. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (BRASIL, 2017, grifo nosso).

Ao julgar à demanda, o Tribunal Superior do Trabalho-TST, compreendeu que uma vez evidenciados e comprovados todos os critérios à incidência do assédio moral, não há justificativa para reforma do julgado. Ressaltando-se que, em que pese haja a argumentação de atos não intencionados, bem como do temperamento forte do administrador, interpretado como agressivo, este era meramente seu jeito de ser e não acarretava a dano aos subordinados. Todavia, ressalta-se que o ato de gerenciar oportuniza mais poderes ao detentor do cargo, entretanto, consequentemente, possui limitações, as quais baseiam-se nos direitos da personalidade e principalmente na garantia a valoração da dignidade humana da pessoa do trabalhador.

Neste mesmo contexto, o TST da 6ª Turma, ao analisar o Recurso de Revista n° 4949620165200008, em 08 de fevereiro de 2019, Relator Dr. Augusto Cesar Leite de Carvalho, decidiu:

ASSÉDIO MORAL. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL. No caso em tela, o debate acerca do assédio moral, ante a possibilidade de violar direitos sociais constitucionalmente assegurados, detém transcendência social, nos termos do artigo 896-A, §1º, III, da CLT. Transcendência reconhecida. Indenização por danos morais. Ante aparente violação do artigo 5º, LX, da CF, provê-se o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Recurso de Revista. Indenização por danos morais. A prova testemunhal corroborou a versão da reclamante, no sentido de ter sido desdenhosamente ignorada por diversos dias. Ora, tal atitude não pode ser considerada conduta razoável, pois configura afronta à dignidade da pessoa humana, aliada ao abuso do poder diretivo do empregador. A conduta patronal expõe o trabalhador a constrangimento desnecessário, ensejando a condenação ao pagamento da indenização por dano moral. Recurso de revista conhecido e provido. (BRASIL, 2019, grifo nosso).

Desta feita, comprovado o incidente do fenômeno do assédio moral, projetando desrespeito a atributos físicos ou psíquicos que definam e individualizam o ser, evidencia-se objetivamente a incidência de fato da real afronta à dignidade humana, visto ser esta, essencial a preservação dos direitos da personalidade da vítima, de seus valores e suas projeções sociais. Neste sentido, face a falta de legislação específica regulamentadora do ato delituoso, mostra-se relevante a análise minuciosa a cada caso direcionado ao Poder Judiciário, objetivando sempre a atuação imparcial e justa do julgador, o qual deverá analisar as provas e decidir conforme a lei vigente.

Há, no entanto, a necessidade de atentar-se para este delito, a fim de penalizar corretamente o ato do psicoterror labor. Nesse sentido, cumpre mencionar a proposta que tramita no Congresso Nacional - Projeto de Lei nº 4.742/01, do ex-deputado Marcos de Jesus, que busca incluir o assédio moral trabalhista como novo crime no Código Penal vigente, o qual recentemente foi remetido ao Senado Federal e aguarda análise para introduzir o artigo 146-A na normativa. Pelo texto, a quem incorrer em ato lesivo ao trabalhador, praticando reiteradamente o psicoterror laboral, será aplicada pena de detenção de um a dois anos e multa, além de pena correspondente a violência proferida (dano moral). Tipificar, tal delito é medida que se impõe, a fim de equalizar a dignidade humana na relação laboral, garantindo proteção às vítimas e a devida punição aos autores do delito.

Portanto, da análise de diversos preceitos legais e posicionamentos jurisprudenciais decorre a possível a constatação de que o princípio da dignidade humanado faz-se claramente presente em todas as relações laborais, devendo ser assegurado e respeitado, inclusive e principalmente, pelo possuidor do poder diretivo, o qual deve limitar-se as obrigações do vínculo empregatício, a fim de, apenas, primar pela ordem institucional, evidenciando-se e

desenvolvendo o respeito à dignidade da pessoa do trabalhador sob a ótica dos direitos fundamentais. Enfatiza-se que o fundamento da conduta do trabalhador está na preservação de sua dignidade e dos direitos que dela emanam, haja vista ser o trabalho enaltecedor da essência humana, o qual diferencia os seres humanos dos demais seres, conforme analisar-se- á no tópico seguinte.