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Pode-se afirmar que, hodiernamente, o psicoterror é um dos problemas mais complexos enfrentados nos grupos profissionais, que pouco sabem sobre as manobras desta violência e muitas vezes fecham os olhos para sua ocorrência e seus efeitos. Tal realidade se fortalece em decorrência da globalização econômica predatória e da atual organização do trabalho, marcada pela competição agressiva, o individualismo, as desigualdades e os preconceitos massivamente presentes nas relações interpessoais e principalmente em razão da “desigualdade de forças” que predomina entre os sujeitos da relação laboral, oportunizando assim, as ações dos perversos.

A opressão dos trabalhadores através do medo e da ameaça, ocasiona o terror psicológico e causa sofrimento intenso às vítimas, atingindo diretamente sua saúde física e psicológica, criando uma predisposição ao desenvolvimento de doenças crônicas. De acordo com Dr. Christophe Dejours (1992, p. 68), o medo é uma consequência intensa na relação laboral, que decorre tanto de atividades perigosas, como de relações tempestuosas e seus efeitos são imensamente ignorados:

Na realidade, no discurso dos trabalhadores, é primeiramente a ansiedade que domina. Raramente constata-se um estado de sofrimento resultante de uma sobrecarga de trabalho ou de uma carga psicossensóriomotora muito elevada. [...] Entretanto, mesmo durante as atividades onde a carga de trabalho é pouco elevada, os trabalhadores jamais abandonam a "tensão nervosa". [...] mostram a extensão do medo que responde, ao nível psicológico, a todos os riscos que não são controlados pela prevenção coletiva. Uma prova a mais da intensidade deste medo é fornecida pelos problemas de sono e, sobretudo, pelo consumo de medicamentos psicotrópicos pela maioria dos trabalhadores: ansiolíticos durante o dia, soníferos à noite e psicoestimulantes pela manhã.

A desigualdade de forças no vínculo laboral, viabiliza a ocorrência do medo estático, o qual não é suficiente à submissão, mas que combinado com certos procedimentos perversos, ou seja, atentados psicológicos constantes, refletem severos impactos às vítimas e às impedem de reagir. Tais armadilhas afetam diretamente o emocional do assediado, fazendo-o acreditar que é incapaz e insignificante, repercutindo verdadeiro regime totalitarista. Viabilizando,

inclusive, a tirania do assediador narcisista e o massacre do equilíbrio na relação laboral, em que todos saem prejudicados, principalmente a empresa, que frente a tal realidade sofre os impactos da tensão, ansiedade e do estresse entre os sujeitos.

Nessa perspectiva, a definição da Dra. Hirigoyen (2002, p. 170), corrobora para esclarecer as consequências dos ataques sofridos pela vítima na relação laboral perversa:

Ao instalarem-se o enredamento e o controle as vítimas vão-se tornando cada vez mais confusas, sem saber ou ousar queixar-se. Ficam como que anestesiadas, queixam-se de ter um vazio na cabeça e dificuldade de pensar, descrevem o próprio empobrecimento, um aniquilamento parcial de suas faculdades, uma amputação do que elas tinham mais vivo e espontâneo. [...] A confusão é geradora de estresse. Fisiologicamente, o estresse chega ao máximo quando se está imobilizado, prisioneiro de uma grande incerteza. As vítimas dizem muitas vezes que o que faz nascer a angústia não são tanto as agressões ostensivas quanto as situações em que elas não estão certas de serem em parte responsáveis. [...] No combate psíquico, as vítimas são esvaziadas de sua substância e renunciam à sua identidade. Perdem todo valor a seus próprios olhos e também aos olhos de seu agressor, que não tem mais nada a fazer senão “jogá-la fora”, pois nada mais tem a tirar delas.

Os efeitos da agressão moral, são imediatos. As vítimas sentem-se inferiores e sem senso crítico, impossibilitadas de decidir, ou de entender as razões da agressão. Buscam comunicar-se no ambiente laboral, contudo, os demais sujeitos as confundem ainda mais, levando-as a ter crises intensas de ansiedade e certo medo insano, ocasionando erros e deslizes nunca cometidos, bem como mudanças severas de humor, desatenção, restrição de comunicação e baixa de produtividade. A vítima da agressão moral, passa a se isolar e pouco se comunica, prefere evitar contato, pois tudo o que faz e fala é compreendido de forma equivoca. Por vezes, o simples fato de estar no mesmo ambiente que o restante do grupo, coloca-a em evidência e gera sentimento de desconforto, não pertencimento e tristeza.

A desestruturação emocional, vai muito além do ambiente laboral, atingem a vítima em seus vínculos psicossociais, ou seja, afeta todas as esferas da vida do assediado, principalmente a pessoal. Na busca por alento fora do ambiente de trabalho, por vezes, a situação do indivíduo é tratada com demérito, porquanto a gravidade da agressão não é compreendida por amigos e familiares. Tal cenário auxilia na destruição emocional da vítima, que passa a ser questionada sobre sua possível contribuição para a relação conturbada, seus erros, seus defeitos e características, ao ponto de entender-se responsável pelas agressões. De outra banda, todos sofrem as consequências da ansiedade e do temor, pois o trabalho é essencial à vida do sujeito, seu sustento e de sua família.

As relações restam abaladas, visto a insegurança que se instaura sobre a vítima, a qual passa a desconfiar das pessoas e de sua própria capacidade, gerando forte sentimento de culpa, remorso e tristeza. Aceitar a submissão, acarreta um estado de tensão e conflito interno, ao passo que a vítima busca entender e apaziguar suas emoções, visando a todo custo corrigir os supostos erros cometidos, mesmo que de fato sejam inexistentes. A crença de que, não há culpa sem erro, destrói o equilíbrio psíquico do indivíduo, que cria concepções autodestrutivas, tal crença se dissemina em sua vida, ocasionando a somatização7, provocando sintomas físicos e consequentemente um estado nervoso incontrolável.

Insta frisar, as palavras da Dra. Hirigoyen (2002, p. 173), que acerca dos efeitos do psicoterror laborar e do estresse excessivo refere:

[…] o organismo reage pondo-se em estado de alerta, produzindo substâncias hormonais, causando depressão do sistema imunológico e modificação dos neurotransmissores cerebrais. De início, trata-se de um fenômeno de adaptação, que permite enfrentar a agressão, seja qual for sua origem. Quando o estresse é episódico consegue administrá-lo, tudo volta à ordem. Se a situação se prolonga, ou repete-se com intervalos próximos, ultrapassa a capacidade de adaptação e a ativação dos sistemas neuroendócrinos perdura. E a persistência de elevadas taxas de hormônios de adaptação acarreta distúrbios que podem vir a instalar-se de forma crônica.

De acordo com as principais correntes doutrinárias da psicanálise, os sinais passam a surgir de imediato e as compulsões passam a aflorar na vítima. Logo os sintomas físicos se manifestam segundo a melindre do indivíduo e podem se apresentar como crises de choro compulsivo, palpitações, sensação de opressão no tórax, falta de ar, fadiga, insônia, sonolência, nervosismo, irritabilidade, dores de cabeça, dores abdominais, perturbações digestivas, gastrite nervosa, queda de pressão, tremores, paralisias temporárias, desmaios, perda de peso, obesidade, entre outros. De outra banda, algumas das manifestações psíquicas podem surgir como transtornos alimentares, compulsões, vícios (dependências químicas), depressão, histeria, neuroses, estresse e ansiedade.

7 A somatização corresponde a uma tendência de experimentar e de comunicar distúrbios e sintomas somáticos

não explicados pelos achados patológicos, atribuí-los a doenças físicas e procurar ajuda médica. É usualmente assumido que essa tendência se torna manifesta em resposta a estresse psicossocial acarretado por situações e fatos da vida particularmente importantes para o indivíduo. A conversão, conceito originário da psicanálise, corresponde a um mecanismo de formação de sintomas próprio da histeria. Consiste numa transposição de um conflito psíquico (e numa tentativa de resolução) em sintomas somáticos, basicamente tomando lugar nos sistemas neuromuscular voluntário (paralisias, por exemplo) ou sensório-perceptivo (anestesias, por exemplo). Sua característica básica é ter uma significação simbólica, ou seja, o corpo exprime representações que foram recalcadas.

Nesse prisma, visto o enredamento da matéria, convém conceituar os diferentes componentes da ansiedade que se instauram no ambiente de trabalho, a fim de que possam ser identificados e compreendidos. À vista disso, Dr. Dejours (1992, p. 77-78), leciona que tais componentes se agrupam esquematicamente em três itens:

1) ansiedade relativa ao equilíbrio psicoafetivo e à degradação do funcionamento mental: A primeira resulta da desestruturação das relações psicoafetivas espontâneas com os colegas de trabalho, de seu envenenamento pela discriminação e suspeita, ou de sua implicação forçada nas relações de violência e de agressividade com a hierarquia. A desorganização dos investimentos afetivos provocada pela organização do trabalho pode colocar em perigo o equilíbrio mental dos trabalhadores. [...] O segundo tipo de ansiedade diz respeito à desorganização do funcionamento mental, em que as exigências da tarefa terminam numa auto repressão do funcionamento mental individual e num esforço para manter os comportamentos condicionados. A partir dos efeitos específicos da organização do trabalho sobre a vida mental dos trabalhadores resulta uma ansiedade particular partilhada por uma grande parte da população trabalhadora: é o sentimento de esclerose mental, de paralisia da imaginação, de regressão intelectual. De certo modo, de despersonalização.

Mister destacar, por oportuno, que neste item compreende-se ansiedade sob duas óticas, na primeira visualiza-se que o envenenamento das relações laborais desestabiliza o indivíduo, tornando-o inseguro, reprimido e perturbado com a perseguição e a discriminação constante, a ponto de desenvolver certo desequilíbrio emocional que o limita e prejudica intensamente seu convívio íntimo e social. De outra banda, em uma segunda análise, constata- se a degradação do funcionamento mental do indivíduo, o qual a partir do sofrimento, das cobranças e da exposição, entra em uma espécie de esgotamento mental, momento em que, inclusive, a vítima pode desenvolver distúrbios.

Ainda, na mesma perspectiva analítica, Dr. Dejours (1992, p. 77-78), frisa o segundo item esquemático acerca da ansiedade:

2) Ansiedade relativa à degradação do organismo: a segunda forma de ansiedade resulta do risco que paira sobre a saúde física. As más condições de trabalho colocam o corpo em perigo de duas maneiras: risco de acidente de caráter súbito e de grave amplitude (queimaduras, ferimentos, fraturas, morte), doenças profissionais ou de caráter profissional, aumento do índice de morbidade, diminuição do período de vida, doenças "psicossomáticas". [...] É de natureza mental a ansiedade resultante das ameaças à integridade física. A ansiedade é a sequela psíquica do risco que a nocividade das condições de trabalho impõe ao corpo.

Depreende-se das palavras do autor a realidade a grande maioria dos trabalhadores, que, a partir de um ambiente de trabalho contaminado, hostil e desumano, desenvolvem

doenças psicossomáticas8, as quais comprometem o corpo e a mente do trabalhador. Dessa forma, a ansiedade presente no ambiente laboral além de afetar a esfera psicológica, gera doenças físicas, afetando a condição biológica do ser. Dr. Dejours (1992, p. 77-78), segue em sua teoria, firmando o terceiro item, porquanto define:

3) Ansiedade gerada pela "disciplina da fome”: apesar do sofrimento mental que não pode mais passar ignorado, os trabalhadores continuam em seus postos de trabalho expondo seu equilíbrio e seu –funcionamento mental à ameaça contida no trabalho, para enfrentar uma exigência ainda mais imperiosa: sobreviver.

Elucida-se assim, o poder devastador e as consequências complexas da ansiedade depreendida de diversos fatores como o assédio moral. A vítima frente à necessidade de sobrevivência, bem como à violência crônica e a fragilidade progressiva, não consegue reagir, efetivando a nocividade da perversão moral, destrutiva ante sua inercia. Por conseguinte, conforme agrava-se a desordem funcional e orgânica, ou seja, o esgotamento físico e mental, o assediado torna-se mero espectador de seu fracasso. Logo, a perversidade se consagra e o homicídio psíquico se concretiza, restando, a vítima, afastada de suas atividades por doença, demitida ou reprovada em estágio probatório por sua ‘incapacidade’, ou ‘incentivada’ a romper o vínculo empregatício devido seu estado físico e mental, em casos mais severos, a vítima pode atentar contra a própria integridade física, chegando a cometer suicídio.