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A perversão silenciosa nas relações laborais: uma afronta à dignidade humana

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

TALITA SUELI CARDOSO SOTT

A PERVERSÃO SILENCIOSA NAS RELAÇÕES LABORAIS: UMA AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA

Três Passos (RS) 2019

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TALITA SUELI CARDOSO SOTT

A PERVERSÃO SILENCIOSA NAS RELAÇÕES LABORAIS: UMA AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA

Monografia final do curso de graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Nelci Lurdes Gayeski Meneguzzi

Três Passos (RS) 2019

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Para Everton, cuja resiliência, amor e companheirismo tornaram a existência mais digna. Sem o qual a presente pesquisa não seria possível.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, razão de toda a existência, por esta linda oportunidade.

Á minha família, especialmente aos meus pais, Airton e Alacir, por me terem dado as assas de que eu precisava para voar. Por todo amor e confiança.

A Everton, amor, amigo e parceiro nesta caminhada, pela paciência, força e compreensão inigualável.

Á minha orientadora, mestra nesta caminhada acadêmica, pelos ensinamentos de suma sabedoria e relevância.

Aos amigos e colegas, com quem se compartilha as lutas, pela cumplicidade e comunhão de esforços.

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“Não desejo suscitar convicções, o que desejo é estimular o pensamento e derrubar preconceitos.”

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O presente trabalho monográfico analisa, por meio de estudos em fontes doutrinárias, legais e jurisprudenciais, com fundamento no método de abordagem hipotético-dedutivo, o embate constitucional acerca da violação de direitos fundamentais no Estado Democrático da República Federativa do Brasil, visando averiguar a colisão entre às sutilezas da ocorrência constante do fenômeno do assédio moral nas relações de trabalho, com um ambiente psicossocialmente equilibrado e saudável. Aborda, inicialmente, a historicidade e breve tentativa conceitual da violência moral, as manobras perversas de seus agentes e os efeitos psicossociais desta severa agressão nas relações laborais. Em prosseguimento, discorre sobre o princípio constitucional da dignidade humana, como direito fundamental do indivíduo, breve evolução histórica e sua presença nas relações de trabalho. Por fim, pondera o fenômeno do assédio moral como afronta à dignidade humana e suas consequências jurídicas. Assim, vislumbra-se a atuação da Justiça Trabalhista, mediante argumentações doutrinárias e jurisprudenciais, no tocante à preservação da dignidade humana, refletindo soluções preventivas como garantia de um ambiente de trabalho amplamente saudável.

Palavras-Chave: Assédio moral. Dignidade humana. Efeitos psicossociais. Relações de trabalho.

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The present monographic work analyzes, through studies in doctrinal, legal and jurisprudential sources, based on the method of hypothetical-deductive approach, the constitutional conflict about the violation of fundamental rights in the Democratic State of the Federative Republic of Brazil, with a view to ascertaining the collision between the subtleties of the constant occurrence of the phenomenon of mobbing labor relations, with a psychosocially balanced and healthy environment. It addresses, initially, the historicity and brief conceptual attempt of moral violence, the perverse maneuvers of its agents, and the psychosocial effects of this severe aggression in labor relations. In continuation, it discusses the constitutional principle of human dignity, as a fundamental right of the individual, brief historical evolution and its presence in labor relations. Finally, it considers the phenomenon of bullying as an affront to human dignity and its legal consequences. Thus, the work of the Labor Justice, through doctrinal and jurisprudential arguments, regarding the preservation of human dignity, reflecting preventive solutions as a guarantee of a broadly healthy working environment is envisaged.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 O FENÔMENO DO ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO LABORAL ... 10

1.1 Breve evolução histórica e tentativa conceitual ... 11

1.2 Abrangência, caracterização e tipologia do assédio moral trabalhista ... 16

1.3 As manobras perversas no vínculo empregatício ... 22

1.4 O perfil dos sujeitos ... 24

1.4.1 Do agressor ... 25

1.4.2 Da vítima ... 27

1.5 Consequências do psicoterror laboral ... 30

1.6 Conduta do empregador frente à perversão moral ... 33

2 ASSÉDIO MORAL: UMA AFRONTA À DIGNIDADE HUMANA ... 37

2.1 Dignidade humana, aspectos históricos e tentativa conceitual ... 38

2.2 Princípio constitucional da dignidade humana como garantia absoluta ... 42

2.3 Psicoterror como violação à dignidade do trabalhador ... 44

2.4 Dano extrapatrimonial e a decorrência do assédio moral trabalhista ... 48

2.5 Entendimento jurisdicional trabalhista face à perversão moral ... 53

2.6 Ambiente de trabalho saudável ... 59

2.6.1 Como prevenção à violência perversa ... 60

2.6.2 Como garantia à dignidade e ao equilíbrio psicossocial ... 62

CONCLUSÃO ... 65

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INTRODUÇÃO

Um Estado democrático de Direito constitui-se fortemente na preservação e defesa da dignidade humana, ou seja, na importância e no respeito às diferenças de seus indivíduos, enaltecendo assim, a busca por igualdade e legitimando a chamada “constituição cidadã”. Entretanto, tais diferenças e por vezes limitações atinentes à própria natureza humana, sofrem severas agressões, comumente causadas pela intolerância e pelo preconceito, gerando graves consequências.

Neste tocante, mostra-se pertinente desbravar, tanto no viés histórico quanto contemporâneo, o quão respeitado é o princípio constitucional da dignidade humana nas relações de trabalho, como sendo um direito fundamental inerente ao indivíduo. Porquanto os reflexos de ambientes perversos, onde prevalece o psicoterror revelam significativos prejuízos aos trabalhadores, bem como nítida afronta à dignidade humana. Resultando a drásticas consequências, tanto nas relações empregatícias, quanto nas relações interpessoais.

Assim, cabem os questionamentos, como problemáticas desta pesquisa, quando da afetação do trabalho e principalmente do trabalhador, frente a capciosidade das agressões morais e psicológicas nas relações laborais, como violação do princípio da dignidade humana. Tal como, dos efeitos psicossociais e das consequências desta violência, da aceitação e condescendência social quanto aos traumas severos do assédio moral e da forma de solução de tais conflitos entre os ditames emanados da Constituição Cidadã. Atentando aos meios para se preservar os direitos da personalidade e garantir um ambiente de trabalho saudável.

A presente pesquisa, a partir dessas situações-problema, objetiva compreender as ‘sutilezas’ do assédio moral trabalhista, com respaldo na dignidade humana e nos malefícios desse fenômeno. Assim como, através da análise desse processo perverso, busca-se uma

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reflexão acerca da qualidade de vida na relação laboral e a importância de um ambiente saudável, como prevenção e garantia à dignidade humana e ao equilíbrio psicossocial.

Para isso, o estudo utilizou da modalidade exploratória, selecionando dados e informações basilares em fontes de pesquisa documentais, bibliográficas e jurisprudências através de materiais físicos e virtuais confiáveis. Tendo o método de abordagem hipotético-dedutivo como alicerce, elegeu-se o apoio doutrinário, jurisprudencial e legal apto a subvencionar a pesquisa, com base em leitura, interpretação, anotação, reflexão e exposição dos frutos obtidos.

Logo, a pesquisa analisa, inicialmente, de forma concisa a evolução histórica e a breve tentativa conceitual do assédio moral laboral. Pontuando sua abrangência, características e tipologia, bem como discorrendo sobre as manobras perversas, os sujeitos, as consequências e a conduta do empregador. Após, expõe breve e necessária distinção entre os fenômenos do assédio moral e assédio sexual, a fim de qualificar a pesquisa. A interpretação nacional e internacional, é revestida de análises doutrinárias e documentais voltadas singularmente à psicanálise.

Posteriormente, o estudo se direciona ao princípio da dignidade humana, como direito fundamental do indivíduo, breve evolução histórica e função social. Após delimitar suas fundamentações teóricas, a discussão central diz respeito à prática do fenômeno do assédio moral nas relações laborais como afronta ao princípio da dignidade humana. Em seguida, a dissertação discorre sobre as consequências jurídicas da perversão laboral, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais utilizados para sanar a colisão de direitos e deveres e, consequentemente, os mecanismos de judicialização.

O debate firmado, portanto, pondera o fenômeno do assédio moral trabalhista, como não observância do princípio constitucional da dignidade humana e do equilíbrio psicossocial. Logo, é corroborado por teses doutrinárias, nacionais e internacionais, salientando-se a compreensão da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o entendimento jurisprudencial da Justiça Trabalhista, intuindo verificar a atuação do Poder Judiciário no enfrentamento da matéria relativa ao psicoterror laboral.

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1 O FENÔMENO DO ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO LABORAL

A existência da espécie humana sempre foi marcada pela busca constante de sobrevivência, por fortes antagonismos, conceitos e preconceitos, bem como pelo desejo insano de aperfeiçoamento e consequentemente evolução individual. Tais características acompanham a evolução social, de modo que diferenciam e individualizam os seres, assim como por vezes, geram conflitos em suas relações interpessoais, ou seja, divergem das normas comportamentais que orientam as interações entre os membros de uma sociedade.

Neste prisma, apesar da expressiva ascensão individual e coletiva, hodiernamente há intensa resistência acerca da aceitação das diferenças e das mudanças do paradigma convencional, situação esta, que fomenta o preconceito e a discriminação. Tal ação discriminatória, quando de forma contínua e reiterada, pode configurar o fenômeno denominado de assédio moral ou psicoterror, o qual é consequência dos conflitos internos de cada sujeito, que por falta de compreensão, acaba exteriorizando sua insegurança, seus paradigmas e preconceitos, deixando um rastro de ‘devastação’ por onde passa.

O assédio moral, para melhor compreensão, pode ser visualizado como violência moral e violência psicológica, as quais tendem unicamente a ferir o indivíduo. A diferenciação primordial está no objeto da agressão, tem-se que a violência moral pode ser entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injuria. Já a violência psicológica, configura-se como qualquer ação que cause dano emocional e diminuição da autoestima, ou prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento do ser, assim como vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos e crenças, por meio de qualquer atitude que acarrete prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação do indivíduo.

Resta evidenciado que o conflito é intrínseco ao ser humano, pois as divergências fazem parte do cotidiano e das diferenças entre os seres e suas convicções. Contudo, um sujeito pode aniquilar o outro por meio de um contínuo e degradante processo de psicoterror, acarretando verdadeiro homicídio psíquico. Ocorre que apesar de certa ascensão humana, as relações sociais permanecem cegas ante a tal agressão, a pretexto da tolerância e indiferença.

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Os indivíduos se agregam à grupos e tornam-se condescendentes com suas ações perversas, mesmo que, por vezes, camufladas e sutis, conforme será, em seguida, analisado.

1.1 Breve evolução histórica e tentativa conceitual

Desde a pré-história, cerca de 3.500 anos a.C., período que, inclusive, antecede a invenção da escrita, compreende-se o trabalho como representação da essência à existência humana, diretamente ligado à necessidade de sobrevivência. Ademais tem-se que, neste período, o acúmulo de funções laborais foi responsável pelo desenvolvimento da capacidade motora, mental e cognitiva da espécie humana. Cumpre observar ainda, que embora sem registros de retribuições financeiras aos serviços prestados, o trabalho já determinava significativamente a utilidade ou não do ‘homem’, ou seja, sua função social.

Avançando algumas centenas de anos, até a Idade Antiga (4.000 a.C. a 476 d.C), constata-se o surgimento dos primeiros povos civilizados: os egípcios, os mesopotâmicos, os fenícios e os hebreus, com eles, sobrevieram as primeiras relações de trabalho (semelhantes às atuais). Esses povos subsistiam da agricultura e da criação de animais, sendo diretamente influenciados pelo meio físico-geográfico que habitavam, ou seja, dependiam exclusivamente da realidade climática, o que ocasionava o enriquecimento de alguns grupos e a miséria de outros, surgindo desde então, as desigualdades sociais. Em geral, possuíam uma economia baseada na agricultura e na pecuária e utilizavam mão-de-obra escrava, ‘homens objetos’ sem qualquer direito trabalhista.

Com o passar das décadas e o início da Idade Média (476 a 1.453 d.C), houve a predominância da Igreja Católica, que coordenava, regia e punia a população. Conforme Gilmar Antônio Bedin (2013), refere-se a um momento de transição do mundo antigo para o mundo moderno, marcado pelo Movimento Iluminista, que consagrou a revolução das ideias e da racionalidade e o regime da escravidão deu lugar ao feudalismo. Período no qual o Senhor Feudal cedia uma parte de suas terras ao trabalhador que nelas cultivava para sustento próprio e, em troca, pagava uma taxa ao Senhor. Ressalta-se que mesmo com o fim da escravidão o servo não possuía direitos trabalhistas, sua função era trabalhar excessivamente em troca de suposta proteção política e militar.

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Cumpre observar, que neste período com o avanço da razão e do iluminismo surgiram as Corporações de Ofício, com a finalidade de regulamentar o processo produtivo artesanal da época. Essas oficinas de trabalho, eram marcadas pela hierarquia e pelo controle abusivo, formadas por mestres, companheiros e aprendizes. Nesse contexto organizacional, os aprendizes eram, normalmente, menores de 12 anos, com jornadas diárias de até 18 horas de trabalho. Definia-se como uma relação de aprendizagem infinita, no qual os mestres tinham liberdade de abusar dos aprendizes, inclusive, fisicamente, os quais não possuíam direitos e nunca chegariam a ser mestres. Configuravam meramente uma mão de obra barata e lucrativa.

Em seguida, com a chegada da Idade Moderna, que perdurou entre os anos 1.453 a 1.789, período marcado pela transição do Feudalismo ao Capitalismo e pela prevalência da centralização do poder nas mãos do Monarca (rei). Nesse período, surgiram novas concepções impulsionadas pela reforma protestante e a partir do século XVI, pela ascensão social burguesa. Com a oposição ao poder da Igreja Católica, o trabalho adquiriu nova roupagem, principalmente por meio do Calvinismo, que propagava o sucesso econômico como benção divina, para o qual o ser humano está destinado antes mesmo de nascer. Assim como, que seria de responsabilidade do ‘homem’ ter uma vida ativa e lucrativa, tal visão, entretanto, beneficiava apenas as classes sociais mais afortunadas, ou seja, realmente “abençoadas”.

Por fim, surge o período conhecido como Idade Contemporânea, com início no ano de 1.789, até os dias autuais. Neste momento histórico, o êxito da Revolução Francesa possibilitou o primeiro grande marco nas conquistas e direitos dos trabalhadores, derrubando o poder absolutista e consolidando, de vez, a força burguesa. Disseminou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, extinguiu as corporações de ofício, em razão da absoluta incompatibilidade com as ideais liberais e possibilitou a concretização dos primeiros institutos jurídicos em prol da classe trabalhadora. À vista disso, o liberalismo vem propugnar o princípio da autonomia da vontade, destacando a liberdade de contratar e concretizado a ideia de graus de importância e vinculação contratual.

Frisa-se que o principal marco à conquista dos direitos dos trabalhadores na esfera mundial, sem sombra de dúvidas, foi a Revolução Industrial, nos anos de transição entre 1840 e 1870. Esta Revolução representa a transição dos métodos de produção artesanais, para

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produção industrial, oportunizando um crescimento econômico sustentável ao padrão de vida dos trabalhadores. Assim como, condições de trabalho mais dignas, como limite de carga horária, proteção ao trabalho do menor de idade e das mulheres, além de criar a espécie emprego, com a implantação de regras sobre higiene e educação do trabalhador.

Nesse enfoque, mister destacar as palavras do filósofo alemão Karl Marx (2007, p. 1), grande pensador da época, que em seus manuscritos expressou a realidade enfrentada pelo empregado na nova relação empregatícia:

O trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais riqueza e sua produção cresce em força e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos. O trabalho não cria apenas objetos; ele também se produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens.

Em análise ao pensamento Marxista verifica-se, segundo os ideais da época, ser necessário que o trabalhador seja livre para que o explorador o explore. Essa interpretação decorreu da situação de suposta liberdade que se apresentava acerca da relação contratual de emprego, a qual deixava os empregadores desprendidos de qualquer responsabilidade para com a vida dos empregados, obrigando-os, apenas, a prestarem retribuições financeiras pelos serviços realizados, pagava-se diretamente pela mão de obra. Tal situação, oportunizava certa igualdade legal, contudo aclarava fortemente o mar de desigualdade social, que, só veio a crescer no decorrer das décadas.

Karl Marx(2002, p. 21-22), ainda nos faz refletir acerca da consciência do homem, ao passo que pontua:

A estrutura social e o Estado decorrem constantemente do processo de vida de determinados indivíduos. [...] O mesmo se aplica à produção espiritual como ela se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc., de um povo. Os homens são os produtores das suas representações, ideias, etc., mas os homens reais, os homens que realizam, tais como se encontram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do intercâmbio que a estas correspondem até às suas formações mais avançadas. A consciência nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente, o ser dos homens é o seu processo real de vida.

Oportuno se torna dizer, das palavras de Karl Marx (2002, p. 3), que “não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que

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determina a sua consciência”. Verifica-se, assim, que a consciência humana se baseia em fatores externos, que podem pautar-se na inadequação formal, jurídica, política, econômica, coletiva e individual. Esse ser social é reflexo do entendimento que o indivíduo tem de si como integrante de uma coletividade, bem como da qualificação que recebe da mesma, entendendo-se como útil ou inútil a esta.

Neste prisma, verifica-se que o assédio moral é um fenômeno vetusto, que ganhou espaço no mundo jurídico após a virada do século XX para o século XXI. Apesar de fazer-se presente nas relações humanas desde os primórdios da civilização, tal fenômeno teve o devido reconhecimento como prática ilícita na sociedade, principalmente quanto às relações de trabalho, sobretudo os vínculos empregatícios, após a Revolução Industrial. Constata-se, entretanto, que mesmo com a extinção da relação unicamente de subordinação e com os avanços legislativos acerca da proteção do indivíduo, o assédio moral permanece fortemente presente na atualidade.

Com efeito, nesta analogia histórica e conceitual Eduardo José Scheibler e Rodrigo Henrique Tocantins (2015, p. 5), ao contribuírem com o estudo acerca da manifestação do assédio moral, pontuam que:

[…] as relações sociais são dinâmicas e o mundo, desde a solidificação dos direitos trabalhistas evoluiu, primordialmente por força da evolução tecnológica e da globalização, tem-se, por consequência, um mercado muito mais competitivo e a necessidade de reflexão sobre os direitos trabalhistas existentes, dentre os quais a proteção contra o assédio.

Cabe ressaltar, que o assédio moral não é um fenômeno novo, muito pelo contrário, pode-se dizer que é tão antigo quanto as próprias relações de emprego, sendo recente apenas, sua classificação como prática ilegal, passível de punição. Originalmente, conhecido como mobbing, descrevia comportamentos coletivos violentos e ameaçadores observados em animais, ao passo que, no decorrer dos anos teve sua abrangência ampliada para descrever algumas condutas humanas, visto a semelhança habitual com o comportamento irracional dos animais.

Conceitua-se, portanto, assédio moral, nas palavras de uma das pioneiras no enfrentamento deste fenômeno, a Psiquiatra francesa, Marie-France Hirigoyen (2002, p. 65), como sendo:

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[…] toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.

No Brasil, destaca-se o primeiro estudo científico acerca da ocorrência do psicoterror laboral, elaborado pela médica, Doutora em Psicóloga Social, Especialista em Medicina do Trabalho, Dra. Margarida Barreto (2000, p. 1), a qual define o fenômeno como:

[…] a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas, autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefe (s) dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, a forçando a desistir do emprego.

Frisa-se, que a agressão moral não se limita apenas ao cotidiano laboral, ou a um local específico, mas sim, refere-se a uma manifestação típica presente nas relações coletivas, ensejando problemas de abrangência global. Embora, revele-se de formas diversas, variando entre grupos sociais e de local para local, é possível identificar o fenômeno da violência perversa através da presença de atitudes deveras constrangedoras, tal como uma comunicação diferenciada, com objetivos degradantes e especialmente hostis.

Tal violência é comumente denominada entre os estudiosos de psicoterror, a qual por vezes, confunde-se com as sutilezas do cotidiano que se apresenta, inicialmente, como algo inofensivo. Contudo, propaga-se de forma insidiosa, com o passar do tempo, ao ponto que as brincadeiras e piadas, perdem a graça e a violência torna-se constante, passando a ser explícita, a fim de causar situações realmente constrangedoras e vexatórias, objetivando diminuir e discriminar o indivíduo, em razão de suas características e diferenças pessoais.

Um dos pontos evidenciados na tarefa árdua de conceitualização do assédio moral é o entendimento de Marcelo Rodrigues Prata (2008, p. 57), que em seu conceito permite uma visão ampla do tema, explicitando tendências naturais do instituto, a seguir elucidadas:

O Assédio moral no trabalho se caracteriza por qualquer atitude hostil, individual ou coletiva, dirigida contra trabalhador por seu superior hierárquico (ou cliente do qual dependa economicamente), por colega do mesmo nível, subalterno ou por terceiro relacionado com a empregadora, que provoque uma degradação da atmosfera de

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trabalho, capaz de ofender sua dignidade ou de causar-lhe danos físicos ou psicológicos, bem como de induzi-lo a prática de atitudes contrárias a própria ética, que possam exclui-lo ou prejudicá-lo no progresso em sua carreira.

No mais, acerca do assédio moral laboral, insta referir que esse fenômeno não se limita apenas ao desempenho profissional da vítima, mas sim, vai de encontro a essência do ser, sua intimidade, suas características, escolhas, modo de agir, de vestir e de expressar-se. Intui de todas as formas afetar a autoestima do indivíduo, levando-o a acreditar que é realmente inferior e desqualificado. Tais agressões objetivam não apenas a demissão do trabalhador, justificada ou não, em verdade vão muito além, afetam a esfera psicológica e por vezes, provocam efeitos irreversíveis, os quais serão analisados nos próximos tópicos.

1.2 Abrangência, caracterização e tipologia do assédio moral trabalhista

Após breve contextualização histórica e concisa conceituação acerca da violência moral laboral, cabe, para melhor compreensão definir sucintamente a abrangência, as características pontuais da ocorrência e a tipicidade do surgimento dessa perversão. Relevante pontuar, que a deflagração do equilíbrio psíquico sofrida pelas vítimas do assédio moral, atinge diretamente as relações sociais do indivíduo, bem como sua autoestima, seu desempenho, suas escolhas, posturas e ações. Representando verdadeiro atentado à dignidade e qualidade de vida do mesmo.

A abrangência desta agressão, depreende-se do próprio conceito de assédio moral, visto que o mesmo se refere a uma ação degradante, individual ou coletiva, de um sujeito com o outro, ou com um determinado grupo. As relações sociais, oportunizam a ocorrência desse dano, sem limitar-se a locais específicos, por necessitar apenas de seres distintos e impacientes para com as diferenças uns dos outros. A supramencionada interpretação é respaldada pela Psiquiatra francesa, Marie-France Hirigoyen (2002, p. 9), ao proclamar que:

Ao longo da vida há encontros estimulantes, que nos incitam a dar o melhor de nós mesmos, mas há igualmente encontros que nos minam e podem terminar nos aniquilando. Um indivíduo pode conseguir destruir outro por um processo de contínuo e atormentante assédio moral. Pode mesmo acontecer que o ardor furioso desta luta acabe em verdadeiro assassinato psíquico. Todos nós já fomos testemunhas de ataques perversos em um nível ou outro, seja entre um casal, dentro das famílias, dentro das empresas, ou mesmo na vida política e social. No entanto,

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nossa sociedade mostra-se cega diante dessa forma de violência indireta. A pretexto de tolerância, tornamo-nos complacentes.

Importante acentuar que, como já mencionado, os maléficos da perversão moral não se restringem a grupos específicos, mas sim é um mal social, que abrange a comunidade em si, no seio de sua essência, ressaltando as intolerâncias para com as diferenças e as desigualdades. O maior mal social, é a indiferença por parte dos espectadores, que presenciam os atos negligentes e degradantes dos agressores para com as vítimas e permanecem inertes, mesmo sabendo o dano de tais agressões, são complacentes, auxiliando assim para a disseminação dessa violência.

Ainda, quanto a abrangência no ambiente de trabalho, tem-se a violência perversa como uma verdade corriqueira nas relações laborais. Desde a relação mais humilde até a mais soberba, onde há um vínculo de dependência, metas e cobrança, há incidência de uma guerra psicológica que se inicia pelo desejo insaciável de obtenção de lucros, todavia, com o passar do tempo sem o atingimento do resultado esperado, volta-se não apenas ao desempenho profissional, mas sim à vida pessoal do indivíduo, levando-o a exaustão plena, sendo cada vez mais difícil recuperar-se.

Nesta seara, a violência moral caracteriza-se por agregar a sua ocorrência a dois outros fenômenos que afrontam à dignidade do trabalhador. Qual sejam, o abuso de poder, que é facilmente perceptível e desmascarado, não sendo aceito nas relações laborais pelo nível de agressão direcionada ao indivíduo. E a manipulação perversa, que se inicia de forma insidiosa e crescente, causando danos ainda mais severos às vítimas, que não conseguem se desvencilhar da relação dominante. À vista disso, Hirigoyen (2002, p. 66) afirma que “não se morre diretamente de todas essas agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo”.

Cabe ressaltar, mais uma vez, a normalidade quanto a existência de conflitos dentro de grupos sociais, em especial nas relações de trabalho, visto a diferença de personalidades e pensamentos entre seus integrantes. Principalmente em relação a ocorrência de comentários desagradáveis, em momentos de tensão ou de mau humor, tornando-o menos gravoso, sobretudo quando acompanhado de um pedido de desculpas. Contudo, é a repetição constante de humilhações e exposição a situações vexatórias, que transformam esse fenômeno em um

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destruidor severo do ser social, deixando brechas para incidência de doenças físicas e psicológicas.

A constituição e caracterização deste fenômeno é considerada, nas palavras de Marie-France Hirigoyen (2002, p. 66-67), como uma ocorrência desumana e impiedosa, um cerco que pode levar o indivíduo ao melhor e ao pior de si:

Quando esse cerco se inicia é como uma máquina que se põe em movimento e pode atropelar tudo. Trata-se de um fenômeno assustador, porque é desumano, sem emoções e piedade. Os que estão em torno, por preguiça, egoísmo ou medo, preferem manter-se fora da questão. Mas quando esse tipo de interação assimétrica e destrutiva se processa, só tende a crescer se ninguém de fora intervir energicamente. Na realidade, em um momento de crise tende-se a acentuar o mecanismo mais habitual: uma empresa rígida torna-se ainda mais rígida, um empregado depressivo torna-se ainda mais depressivo, um agressivo ainda mais agressivo etc. Acentua-se aquilo que se é. Uma situação de crise pode, sem dúvida, estimular um indivíduo e levá-lo a dar o melhor de si para encontrar soluções, mas uma situação de violência tende a anestesiar a vítima, que não irá mostrar senão o que tiver de pior.

Deveras a existência da megalomania1 à obtenção de resultados e atingimento de metas sem medir as consequências, vem destruindo massivamente os vínculos laborais. Tem-se que em momento algum a relação de emprego legitima a ocorrência da agressão moral, até mesmo em razão dos danos, que podem acarretar perdas expressivas ao empregador. Nesta linha, assevera-se ainda, que a deflagração pessoal no ambiente de trabalho, gera transtornos, desiquilíbrio e danos a todo o ambiente de trabalho, visto que o agressor age indiscriminadamente e as agressões ocorrem deliberadamente, causando mal-estar coletivo.

A partir desse enfoque, cumpre analisar a tipologia deste fenômeno no âmbito empregatício. Observa-se que o ilícito se consuma de diferentes formas, variando de acordo com o ambiente, sendo possível identificar a ocorrência de mais de uma espécie na mesma relação. Tal possibilidade facilita a identificação do assédio, em decorrência da reação em cadeia que se apresenta no ambiente empregatício. No Brasil, conforme Relatório V, da OIT - Organização Internacional do Trabalho (2018, p. 18), a perversão moral se concretiza de duas formas, conhecidas como: assédio horizontal e assédio vertical.

1 A megalomania é um transtorno psicológico definido por delírios e fantasias de poder, relevância ou

omnipotência, a qual é caracterizada por uma exagerada autoestima das pessoas nas suas crenças e/ou poderes. Antigamente, era a designação para transtorno de personalidade narcisista, porém, a partir de 1968, foi considerado como um transtorno não-clínico, pelo que não está presente no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ou CID.

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Compulsando detidamente a tipificação desse fenômeno, verifica-se que o assédio moral

horizontal, ocorre de forma linear, ou seja, praticado entre sujeitos que estão no mesmo nível

hierárquico, entre colegas ocupantes dos mesmos cargos ou cargos similares, sem a presença da relação de subordinação. O agressor pratica o ato ilícito, normalmente por sentir inveja da situação de evidência em que o colega se encontra, ao destacar-se por exercer com facilidade alguma habilidade específica, ou simplesmente por ser prestativo no trabalho e pela possibilidade de obter uma promoção. Pontua-se ainda, que as inimizades pessoais relacionadas a história de cada indivíduo e a competitividade extrema são as principais razões à incidência dessa violência, visto que, um colega tenta desqualificar o outro para atingir seus objetivos individuais.

Tais agressões, motivados pela tendência de nivelar os indivíduos, maximizada pela dificuldade de aceitação das diferenças existentes por natureza da espécie humana, ocorrem de formas variadas na relação horizontais, conforme bem asseveram Luiz Leandro Gomes Ramos e Rodrigo Wasem Galia (2013, p. 46):

[…] tal espécie de assédio moral a partir de brincadeiras maldosas, gracejos, piadas, grosseiras, gestos obscenos, menosprezo, isolamento etc., podendo ser resultado dos conflitos interpessoais que provocam dificuldades de convivência por qualquer motivo pessoal (atributos pessoais, profissionais, capacidade, dificuldade de relacionamento, falta de cooperação, destaque junto à chefia etc.), do binômio competitividade/rivalidade para alcançar destaque, manter-se no cargo ou disputar cargo, ou para obter promoção.

Já nas relações assimétricas, ou seja, verticais, ocorre a prevalência da hierarquia, onde exista relação de subordinação. Tal espécie se subdivide em duas categorias: assédio moral

vertical descendente ou estratégico e assédio moral vertical ascendente, os quais serão

analisados individualmente. Todavia, a anteceder tal análise, ímpar destacar a conceitualização abordada por Ramos e Galia (2013, p. 47), qual seja:

[…] assédio vertical descendente, onde o subordinado é agredido pelo superior hierárquico, quer seja pelo empregador ou pelo seu preposto. Essa situação é mais frequente no contexto atual. […] assédio vertical ascendente, situação inversa, onde o superior hierárquico é agredido pelo subordinado ou, em última instância, pelos subordinados, que pode ocorrer, por exemplo quando da contratação de um novo empregado para exercer algum cargo de chefia, cujo estilo e métodos sejam reprovados pelo grupo, e o superior hierárquico não consegue ou não faz nenhum esforço no sentido de harmonizar-se com o grupo.

A partir desse enfoque, constata-se que o assédio vertical descendente ou estratégico é o tipo mais corriqueiro na relação laboral, sendo aquele que se concretiza através da ‘fúria’ de

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um superior hierárquico. Torna-se comum, principalmente pelo poder diretivo, disciplinar e fiscalizador intrínseco à empresa, que é repassado a seus prepostos. O ilícito ocorre, ao passo que há o abuso dessas prerrogativas, através de estipulação de metas inatingíveis e determinação de tarefas difíceis, a fim de expor eventuais erros do empregado, intuindo humilhá-lo ou ainda o demitir. Outrossim, as punições ao empregado, como deixá-lo sem trabalhar, sem equipamentos adequados para exercer suas funções, ou até impedi-lo de participar de eventos e treinamentos, dentre outros, são atos que configuram a ilicitude.

A Doutora e Mestra Maria Aparecida Alkimin (2008, p. 44-45), explica este tipo de agressão como:

[...] os detentores do poder – empregador ou superior hierárquico – visando uma organização do trabalho produtiva e lucrativa, acabam por incidir no abuso de poder, adotando posturas utilitaristas e manipuladoras através da gestão sob pressão (onde se exige horários variados e prolongados, diversificação de função, cumprimento a todo custo de metas etc.). Notadamente o superior hierárquico, que se vale de uma relação de domínio, cobranças e autoritarismo por insegurança e medo de perder a posição de poder, desestabilizando o ambiente de trabalho pela intimidação, insegurança e medo generalizado, afetando o psiquismo do empregado, e, consequentemente sua saúde mental e física, [...]. Assim, os detentores do poder se valem de manobras perversas, de forma silenciosa, visando excluir do ambiente aquele que representa para si uma ameaça ou para a própria organização do trabalho.

Imperioso salientar, ainda, os ensinamentos da conceituada Psiquiatra, Psicanalista e Psicoterapeuta especialista na área, Marie-France Hirigoyen (2002, p. 75):

Essa situação é demasiada frequente no contexto atual, em que se busca fazer crer aos assalariados que eles têm que estar disposto a aceitar tudo se quiserem manter o emprego. A empresa deixa um indivíduo dirigir seus subordinados de maneira tirânica ou perversa, ou porque isso lhe convém, ou porque não lhe perece ter a menor importância. As consequências são muito pesadas para o subordinado. Pode ser simplesmente um caso de abuso de poder: um superior se prevalece de sua posição hierárquica de maneira desmedida e persegue seus subordinados por medo de perder o controle; é o caso de poder dos pequenos chefes. Pode ser também uma manobra perversa de um indivíduo que, para engrandecer-se, sente necessidade de rebaixar os demais; ou que tem necessidade, para existir, de destruir um determinado indivíduo escolhido como bode expiatório.

Por fim, o assédio vertical ascendente, embora pouco conhecido, por ser uma espécie mais rara, é aquele cometido de um ou mais subordinados contra o superior hierárquico. Ocorre em situações mais especificas, principalmente quando o (s) agressor (es), descobrem algum fato errôneo praticado pelo chefe e a partir deste, passam a assediá-lo, ou seja, persuadi-lo a fazer suas vontades, sob pena de ser denunciado. Outro cenário, caracteriza-se

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quando um empregado recebe uma promoção e outro (os) que, não reconhecem sua competência para aquela benesse, passam a importuná-lo, desrespeitando-o como autoridade, ignorando suas ordens, difamando sua imagem, disseminando intrigas e fofocas, tornando a relação insustentável, a ponto de levá-lo a pedir demissão.

Essa interpretação é ratificada por Marie-France Hirigoyen (2002, p. 116), ao enfatizar que:

É a cumplicidade de todo um grupo para se livrar de um superior hierárquico que lhe foi imposto e que não é aceito. É o que acontece com frequência na fusão ou compra de um grupo industrial por outro. Faz-se um acordo relacionado à direção para ‘misturar’ os executivos vindos de diferentes empresas, e a distribuição dos cargos é feita unicamente por critérios políticos ou estratégicos, sem qualquer consulta aos funcionários. Estes, de um modo puramente instintivo, então se unem para se livrar do intruso.

Infere-se ainda, como característica mútua dos tipos de psicoterror, a força da agressividade, o impacto à vítima e a drasticidade do resultado. Isso porque, a perseguição, na maioria das vezes, recair em relação às diferenças e características específicas do sujeito, frequentemente em relações que inexiste afinidade e empatia entre os envolvidos. Na maioria dos casos, a repressão e o desprezo ultrapassam o meio empregatício, estendendo-se à personalidade do indivíduo, seus aspectos físicos e psicológicos. As relações tornam-se ainda mais complexas e insustentáveis, ao passo que o agressor exerce seu preconceito acerca das escolhas da vítima, como a opção sexual, religiosa, ética, política, cultural, entre outras, prevalecendo a intolerância perversa.

Explorando a tipologia dessa violência perversa, percebe-se a variação entre os sujeitos, o ambiente e a situação em que se desenvolvem, contudo não varia quanto a intensidade do dano causado ao assediado. Verifica-se, inclusive, conforme o ângulo em análise, a inversão de papéis entre a vítima e agressor, ou seja, a vítima pode caracterizar-se também como agressor e o agressor denotar-se também como vítima. Tal vinculação é possível, em razão do efeito dinâmico da violência moral, podendo-se assumir papéis distintos em uma mesma relação, ou em diversas relações de assédio, tornando esse fenômeno um verdadeiro círculo vicioso.

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Trata-se de um fenômeno circular. […] uma sequência de comportamentos deliberados por parte do agressor destina-se a desencadear a ansiedade da vítima, o que provoca nela uma atitude defensiva, que é, por sua vez, geradora de novas agressões. Depois de certo tempo de evolução do conflito, surgem fenômenos de fobia recíproca: ao ver a pessoa que ele detesta, surge no perseguidor uma raiva fria, desencadeia-se na vítima uma reação de medo. É um reflexo condicionado, agressivo ou defensivo. O medo provoca na vítima comportamentos patológicos, que servirão de álibis para justificar retroativamente a agressão. Ela reage, na maior parte das vezes, de maneira veemente e confusa. Qualquer iniciativa que tome, qualquer coisa que faça, é voltada contra ela pelo perseguidor. O objetivo de tal manobra é transtorná-la, levá-la a uma total confusão que a faça cometer erros.

A partir dessas premissas, acerca da evolução e desenvolvimento social, especificamente em relação ao fenômeno do assédio moral trabalhista, percebe-se que o individualismo, a indiferença e o narcisismo2, fazem-se presentes nas relações humanas desde os primórdios da espécie, ocasionando a fúria demasiada e a proliferação dos discursos de ódio. Tais ocorrências, fazem parte das características da personalidade, todavia, nos casos de assédio, ao serem desafiados, causam um estado de pânico no agressor ocasionando livre acesso ao inconsciente3, que tomado pela raiva, constitui intensas manobras perversa, as quais serão analisadas sucintamente nos próximos tópicos.

1.3 As manobras perversas no vínculo empregatício

Hodiernamente apesar da evolução industrial, econômica, tecnológica e pode-se dizer social, constata-se certo retrocesso ético moral nas relações humanas. Essa realidade enseja conflitos coletivos, principalmente em razão da intransigência massificada, o que por sua vez, viabiliza intensamente a formação de sujeitos perversos. Quando um destes sujeitos se integra a determinado grupo, tende a seduzir e aproximar os membros mais dóceis, todavia, se algum recusasse a participar é rejeitado pelo todo, passando este a ser objeto de perseguições constantes, piadas, insultos, mentiras, críticas, maledicência e ironia. O grupo resta, sob ‘sutil’

2 O narcisismo é um conceito da psicanálise que define o indivíduo que admira exageradamente a sua própria

imagem e nutre uma paixão excessiva por si mesmo. Corroborado por Freud (1914) como um complemento libidinal do egoísmo, do instinto de auto conservação, do qual justificadamente atribui-se uma porção a cada ser vivo. Pode passar do estado normal ao doentio, quando entra em conflito com ‘normas’ culturais, éticas e sociais.

3 O inconsciente em Freud (1930), é um sistema com conteúdos recalcados (sistema psicológico de defesa

através do qual se constituem os desejos, sentimentos e lembranças que, considerados repugnantes por alguém, são eliminados da consciência e armazenados no inconsciente), o qual relaciona-se com o ID - instância caótica que contém os impulsos inatos, as inclinações mais elementares do indivíduo e seus desejos contraditórios - não é socializado, não respeita convenções, e as energias que o constituem buscam desenvolver as funções em prol de atingirem a satisfação incondicional do organismo.

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controle do indivíduo perverso e o seguem em suas ações degradantes, perdendo o senso crítico, agindo sob total influência.

A presente interpretação, justifica-se nos estudos da eminente Dra. Hirigoyen (2002, p. 86-87), ao proclamar que:

A finalidade de um indivíduo perverso é chegar ao poder, ou nele manter-se, não importa por que meios, ou então mascarar a própria incompetência. Para isso ele precisa desembaraçar-se de todo aquele que possa constituir um obstáculo à sua ascensão, ou que seja demasiado lúcido quanto a suas formas de consegui-lo. Ele não se contenta em atacar alguém que está fragilizado, […] ele cria a fragilidade a fim de impedir que o outro possa defender-se.

Nesta perspectiva, tem-se que as técnicas utilizadas pelo indivíduo perverso normalmente são as mesmas, quais sejam, identificar e utilizar-se das fraquezas dos sujeitos considerados obstáculos, com o objetivo de minimizar suas defesas e exterminá-los. Ocorre assim, gradativamente, um processo insidioso de perda de confiança, onde o perverso induz a vítima a viver seu ‘jogo’, ínsita sua incapacidade e a faz acreditar que realmente é desqualificada. A vítima perde suas convicções, fica confusa com as situações errôneas do dia a dia, chegando, inclusive, a dar razão ao agressor. Tal destruição perspicaz ocorre continuamente, sem deixar muitos vestígios e conduz a vítima à própria aniquilação.

Assim, mostra-se pertinente evidenciar o entendimento do pai da psicodinâmica do trabalho, especialista em psiquiatria, psicanálise e medicina do trabalho, Dr. Christophe Dejours (1992, p. 75), que em seus estudos sobre ‘a loucura do trabalho’ pontua:

A desigualdade na divisão do trabalho é uma arma terrível de que se servem os chefes [ou perversos] a bel-prazer da própria agressividade, hostilidade ou perversidade. Temos o hábito de apresentar estas relações de trabalho em termos políticos ou em termos de poder. Mas a frustração, a revolta e as agressividades reativas, muitas vezes não conseguem encontrar uma saída. [...] Não podemos considerar como epifenômeno ou como questão acessória a discriminação que opera a perversão com relação aos trabalhadores, ela faz parte integrante das táticas de comando, mesmo que não explicitamente [...].

A par disso, não se pode olvidar, que a ação perversa se refere a uma consciência fria e calculista, cominada com a incapacidade de ver seus semelhantes como seres humanos. A violência insidiosa consiste em atos depreciativos, hostis e injustos, baseados em intolerância e injúrias. O agressor intimida, diminuiu, humilha, amedronta e consome emocional e intelectualmente a vítima, aproveitando-se de situações adversas na relação de emprego, a fim

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de eliminá-la da organização ou satisfazer a necessidade insaciável de agredir, controlar e destruir. Ocorre assim, severos traumas às vítimas, o que pode levá-las a tornarem-se indivíduos fluidos, com suas vidas devastadas.

De acordo com a Dra. Marie-France Hirigoyen (2002, p. 90):

Quando a vítima reage e tenta rebelar-se, a maldade latente dá lugar a uma hostilidade declarada. Tem início, então, a fase de destruição moral, que já foi denominada de psicoterror. Nela todos os meios são permitidos para demolir a pessoa visada, inclusive a violência física, o que pode levar a um aniquilamento psíquico ou ao suicídio. Nesta forma de violência, o interesse da empresa some da vista do agressor, que quer unicamente a derrota de sua vítima. (Grifo no original).

Nessa senda, tem-se que os procedimentos usados pelo perverso, podem ocasionam bloqueios psicológicos às vítimas, impedindo-as de reagir, permanecendo estáticas e submissas frente a situação. Em outros casos, a perversão causa revolta e ações equivocadas, o que leva a vítima a sua própria aniquilação, ao passo que o verdadeiro agressor, manipula constantemente o cenário perverso para confundir seus espectadores. Tais procedimentos, se assemelham às estratégias utilizadas nos campos de concentração, as quais tinham como objetivo único: a destruição de um inimigo, pela sua inercia ou por suas próprias armas.

Logo, afere-se que a relação perversa, vai muito além da busca incessante pelo poder. Dispõe da satisfação compulsiva em usar outro indivíduo como objeto, ou seja, o assediado torna-se um fantoche das agressões e manipulações proferidas pelo agressor. Mesmo com tamanha violência, infelizmente a vítima encontra-se sozinha, pois, indubitavelmente, em toda e qualquer situação perversa, as pessoas que a rodeiam, por covardia ou complacência, permanecem inertes, limitadas ao medo de tornarem-se o próximo alvo do perverso, ou em alguns casos, por desfrutarem consciente ou inconscientemente do espetáculo homicida.

1.4 O perfil dos sujeitos

Após breve reflexão acerca das manobras perversas altamente destrutivas, convém qualificar o perfil dos sujeitos envolvidos na relação do psicoterror laboral, de modo a ampliar a compreensão acerca das características pontuais da personalidade e do comportamento dos

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indivíduos envolvidos, suas distinções e semelhanças, facilitando a identificação dessa agressão junto aos distintos grupos profissionais.

Cabe frisar, por oportuno, que o ser humano reage instintivamente perante situações de risco e violência, ativando seus mecanismos de defesa, os quais podem apresentar-se de diferentes formas. Tal ação, enseja o já mencionado círculo vicioso decorrente do dinamismo desta relação e a múltipla denotação assumida pela personalidade dos sujeitos, variando de acordo com a posição e postura assumida. Assim, em situação de defesa, um sujeito agredido pode ser um potencial agressor, desenvolvendo suas tendências, por vezes inconscientes.

1.4.1 Do agressor

Nessa linha, mister analisar a figura do agressor, o qual pode ser definido como o sujeito ativo da relação danosa, ou seja, o assediador, praticante do ato ilícito. Potencialmente, qualquer sujeito pode cometer atos de violência moral, por sua vez, no mundo do trabalho pode ser visualizado como agressor, o empregador ou seu preposto (assédio vertical descendente), um colega de trabalho (assédio horizontal), bem como, um empregado ou grupo de empregados em relação ao superior hierárquico (assédio vertical ascendente). Todavia, esse entendimento pode ir além, intuindo analisar qualitativamente o agente perverso.

Defronte a tal cenário, afere-se que todo indivíduo em crise4 busca mecanismos perversos para defender-se, assim como, todo e qualquer ser humano já enfrentou fases de raiva e revolta, na qual manipulou outro indivíduo para obter vantagens. A distinção está no fato de que em um sujeito ‘normal’, esses comportamentos e sentimentos ocorrem apenas como uma reação momentânea, seguida de remorso e arrependimento. Enquanto no agente perverso, define-se como um desvio de instintos, que se utiliza de estratégias cruéis para destruir outro sujeito, sem remorso ou culpa. Assim, de acordo com Hirigoyen (2002, p. 139), “um perverso narcisista só se estrutura satisfazendo plenamente suas pulsões destrutivas”.

4 A crise no campo da psicologia é explicada como toda a situação de mudança a nível biológico, psicológico ou

social, que exige da pessoa ou do grupo, um esforço suplementar para manter o equilíbrio ou estabilidade emocional. Corresponde a momentos da vida de uma pessoa ou de um grupo em que há ruptura na sua homeostase psíquica (condição de relativa estabilidade) e perda ou mudança dos elementos estabilizadores habituais.

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Nessa seara, Ramos e Galia (2012, p. 52), observam que o assediador tem um perfil psicológico tenebroso, consistente no prazer de destruição daqueles que acreditam estarem em seu caminho:

[...] o assediador é alguém que não pode existir senão pelo rebaixamento dos outros, pois tem necessidade de demonstrar poder e para ter uma boa autoestima. Dissimula sua incompetência. Em suma, trata-se de alguém que, em última análise, é covarde, impulsivo, tem uma fala vazia e não escuta. Não assume responsabilidade, não reconhece suas falhas, não valoriza os demais. É arrogante, desmotivador, amoral, plagia ou se apropria do trabalho de outros, é cego para o aprendizado.

O assediador, possui uma personalidade narcisista perversa que vislumbra a valoração do seu ‘eu’ e o sentimento de poder e controle. Julga ser melhor que as outras pessoas, sem haver possibilidade de comparações, devendo ser admirado e respeitado. Executa suas atividades com aptidão, a fim de ser aclamado, contudo só consegue visualizar seus méritos, mostrando-se indiferente as conquistas alheias e manifestando sentimento de menosprezo por elas. Não aceita ser contrariado, por acredita que tudo lhe é devido. Alimenta sentimentos de inveja e age com egocentrismo, discriminando os ‘rivais’, suas ações fazem todos acreditarem que está no controle de qualquer situação, o que lhe dá segurança para administrar o ambiente.

Nessa perspectiva, a Dra. Silvia Malamud (2000, p. 1), psicóloga especialista em terapias de abordagem direta para memorias do inconsciente, define o narcisista perverso como:

[...] pessoas que funcionam como predadores emocionais que invariavelmente extravasam toda sua violência narcísica pervertida em meio à sedução, ao controle e às estratégias de manipulação. Funcionam como vampiros na medida em que entendem que para sobreviverem precisam esvaziar a vítima de tudo o que significa existência para ela. Isso pode abranger sua identidade de origem, roupas, família, amigos, cultura etc. A vítima nunca pode aparecer, porque qualquer brilho de vida, por menor que seja, acaba por irritar ameaçando o ‘eu’ narcísico do perverso.

À vista disso, cabe frisar que o assediador se coloca como um referencial, um padrão de bem e mal, o qual engana com um discurso moralista e simula uma índole inabalável, a fim de explorar a benevolência alheia, atacando o amor-próprio da vítima e sua autoestima. Ao passo que as agressões e manipulações do perverso se concretizam, faz entender-se vital o vínculo de dependência, utilizando das relações interpessoais para disseminar suas próprias angústias. Cumpre salientar os ensinamentos de Hirigoyen (2002, p. 141), ao afirmar que:

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Os perversos narcisistas são considerados psicóticos sem sintomas, que encontram seu equilíbrio descarregando em um outro a dor que não sentem e as contradições internas que se recusam a perceber. Eles “não fazem de propósito” o mal que fazem, eles fazem mal porque não sabem agir de outro modo para existir. Foram eles próprios feridos em sua infância e tentam assim manter-se vivos. A transferência da dor lhes permite valorizar-se às custas do outro.

Percebe-se, diante disso, que o agressor é um ‘pseudo’, incapaz de estabelecer relacionamentos afetivos, apesar de iludir e mascarar, sua realidade é vazia. As relações do sujeito perverso, consistem na ‘procura constante de seu próprio reflexo no olhar do outro’, o qual passa de um objeto, um fantoche na relação laboral. Salienta-se, nessa fase de psicoterror, a falta de consciência do agressor, à medida que, não consegue mensurar as consequências de seus atos, bem como, a completa incapacidade de sentir empatia5 pela vítima, ao contrário, sente satisfação e prazer com o sofrimento alheio. Disseminar a falha do outro é uma forma de esquivar-se das suas próprias falhas e resguardar-se do sentimento de ansiedade e angústia. Em suma, o assediador laboral representa uma forma da maldade humana.

1.4.2 Da vítima

Intuindo completar a relação perversa, cumpre explicitar a figura do assediado que se caracteriza como o sujeito passivo da relação, ou seja, a vítima do ato ilícito. No âmbito laboral, esse indivíduo corriqueiramente não é o mais ‘frágil’, ao contrário, iminentemente aos olhos do perverso, é aquele que configura uma ameaça à sua autoridade ou à habitualidade da relação, no momento em que se recusa a subjugar-se, reagindo à perversidade e resistindo as pressões do agressor. O assediado, em geral é um empregado, mas, em situações incomuns, pode ocorrer de as agressões serem destinadas a um superior hierárquico, frente a falta de credibilidade perante seus subordinados.

Nessa seara, Ramos e Galia (2013, p. 53), pontuam que:

[…] estudos revelam paradoxalmente, que o alvo de assédio moral em potencial são as pessoas extremamente dedicadas ao trabalho, criativos, aqueles que se revelam

5 Empatia significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma

situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo. A empatia leva as pessoas a ajudarem umas às outras, está intimamente ligada ao altruísmo - amor e interesse pelo próximo - e à caridade.

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detalhistas, perfeccionistas e muito competentes, enfim que apresentam um perfil apropriado às exigências da moderna forma de produção e organização do trabalho que requer profissional competente, capacitado, flexível e polivalente, típico perfil que pode despertar inveja e rivalidade e consequente espírito destruidor por parte do superior ou chefe, até mesmo por temos em perder o cargo e poder, e do colega de serviço que também se sente ameaçado.

À medida que o indivíduo transforma-se em alvo da violência, passa a ser o ‘bode expiatório’6 do grupo profissional, sendo apontado como responsável por toda e qualquer adversidade na empresa. O assédio se concretiza à proporção que persiste a desvalorização da vítima, que é aceita e apoiada pelo grupo, ocasionando um efeito depreciativo, justificando a perseguição e crueldade das atitudes do perverso narcisista. O sofrimento intenso, provoca dúvida e leva a vítima a pensar que realmente deu causa à hostilidade do grupo, chegando a acreditar que realmente merece os ataques súbitos e devastadores.

Hirigoyen (2002, p. 152-153), assevera que:

A vítima, enquanto tal, é inocente do crime pelo qual vai pagar. No entanto, mesmo as testemunhas da agressão desconfiam dela. Tudo passa como se não pudesse existir uma vítima inocente. Imagina-se que ela tacitamente consinta, ou que ela seja cúmplice, conscientemente ou não, de sua agressão. [...] é comum ouvir-se dizer que, se uma pessoa se tornou vítima, foi porque ela estava predisposta a isso, por sua fraqueza ou por suas faltas. [...] pelo contrário, as vítimas são habitualmente escolhidas pelo que elas têm a mais e que é disso que o agressor busca apropriar-se. (Grifo no original).

Os assediados, em sua maioria são pessoas com alto potencial, com apurado senso de justiça, que julgam os demais indivíduos por suas próprias ações e, preocupam-se com a possibilidade de terem provocado as atitudes do assediador. Buscam entender e aceitar a postura do agressor, a fim de evitar prejudicar-se e lesar o grupo de trabalho. Neste contexto, cabe destacar as palavras de Hirigoyen (2002, p. 69), quanto ao processo de assédio, ao estabelecer a estigmatização da vítima “[…] dizem que a vítima é de difícil convivência, que tem mau caráter, ou então que é louca. Atribui-se à sua personalidade algo que é consequência do conflito e esquece-se o que ela era antes, ou o que ela é em outro contexto.”

Neste cenário, apesar de haver indivíduos propensos à prática da agressão psicológica e moral, verifica-se que a vítima não possui um perfil pré-determinado, ela pode ser qualquer

6 Bode expiatório é uma expressão popular que define o indivíduo que não consegue provar sua inocência,

mesmo sem ser o responsável direto pelo infortúnio. É muito usada para definir um indivíduo sobre o qual recaem as culpas alheias.

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pessoa que se torne um empecilho no caminho do perverso. Contudo, frisa-se que existem características e sujeitos mais propensos a sofrer perseguições perversas. Essa interpretação é corroborada por Hirigoyen (2002, p.113):

1. Pessoas atípicas: Diferenciam-se do grupo em algum aspecto, por exemplo, sexo, etnia, religião, maneira de falar, de se vestir. 2. Pessoas excessivamente competentes: Dedicadas, ambiciosas, podendo ‘fazer sombra’ a um superior ou colega. 3. Pessoas que não têm a rede de comunicação certa no trabalho: São aquelas isoladas ou que, quando têm aliados, não podem contar com sua solidariedade, sendo rejeitadas. 4. Funcionários protegidos: São exemplos as mulheres grávidas, funcionários públicos e representantes dos funcionários. 5. Pessoas menos “produtivas”: Aquelas que nem sempre conseguem acompanhar o ritmo da produção ou que demoram a se adaptar às mudanças. São mais propícias ao assédio dos colegas que podem querer se livrar delas já que atrapalham o desempenho coletivo. 6. Pessoas temporariamente fragilizadas: São aquelas que, por estarem com alguma dificuldade pessoal, necessitam se ausentar e/ou diminuir a produtividade. Chefias podem aproveitar-se deste motivo para justificar uma demissão e, assim, diminuir o quadro de funcionários. Já os colegas rejeitam-nas por estarem disputando uma promoção. 7. Funcionários que resistem à padronização: São aqueles extremamente honestos, éticos ou dinâmicos demais. Têm dificuldade de adaptação ao grupo ou à estrutura. São tidos como perturbadores, pois apontam e denunciam os problemas e, muitas vezes, acabam por serem responsabilizados pelos mesmos. (Grifo nosso).

Insta salientar, que sob a tirania e a pressão excessiva do perverso, não é raro que a vítima se torne exatamente aquilo que lhe foi rotulado. O sujeito perseguido constantemente, mostra-se fragilizado, angustiado, com receio de ser menosprezado e inferiorizado perante o grupo. Em face disso, resta desatento e menos eficiente, bem como apresenta-se melindroso e suscetível às críticas acerca da aptidão de seu desempenho, sentindo, assim, o dissabor da ansiedade. O processo de assédio moral busca a destruição do agredido, com o intuito de desestabilizá-lo e, conforme pontua Maria Inês Moura S. A. da Cunha (2010, p. 235), “[...] inseguro diante de um quadro desfavorável à execução do trabalho, passa então, a estar sob o risco de sofrer doenças profissionais ou acidentes de trabalho”, tal como ser afastado do vínculo laboral.

Sobreleva-se, assim, que as pessoas com boa índole, transparentes, rigorosas consigo e com seu meio social, estão mais suscetíveis a serem vítimas das manobras perversas, uma vez que se destacam no meio profissional e não aceitam menos que o melhor. Para elas, é complexo identificar e entender que outro sujeito queira destruí-las, assim, buscam justificativas para os atos do agressor. Logo, por não conseguirem assimilar as manipulações como maldade, acreditam fielmente que se derem o melhor de si poderão reverter a situação, o que, na maioria dos casos, não acontece. Pelo contrário, tal postura causa mais aversão e

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desprezo por parte do perverso, que intensifica suas manobras, passando a atacar a esfera pessoal da vida do indivíduo, sua intimidade e sua essência.

1.5 Consequências do psicoterror laboral

Pode-se afirmar que, hodiernamente, o psicoterror é um dos problemas mais complexos enfrentados nos grupos profissionais, que pouco sabem sobre as manobras desta violência e muitas vezes fecham os olhos para sua ocorrência e seus efeitos. Tal realidade se fortalece em decorrência da globalização econômica predatória e da atual organização do trabalho, marcada pela competição agressiva, o individualismo, as desigualdades e os preconceitos massivamente presentes nas relações interpessoais e principalmente em razão da “desigualdade de forças” que predomina entre os sujeitos da relação laboral, oportunizando assim, as ações dos perversos.

A opressão dos trabalhadores através do medo e da ameaça, ocasiona o terror psicológico e causa sofrimento intenso às vítimas, atingindo diretamente sua saúde física e psicológica, criando uma predisposição ao desenvolvimento de doenças crônicas. De acordo com Dr. Christophe Dejours (1992, p. 68), o medo é uma consequência intensa na relação laboral, que decorre tanto de atividades perigosas, como de relações tempestuosas e seus efeitos são imensamente ignorados:

Na realidade, no discurso dos trabalhadores, é primeiramente a ansiedade que domina. Raramente constata-se um estado de sofrimento resultante de uma sobrecarga de trabalho ou de uma carga psicossensóriomotora muito elevada. [...] Entretanto, mesmo durante as atividades onde a carga de trabalho é pouco elevada, os trabalhadores jamais abandonam a "tensão nervosa". [...] mostram a extensão do medo que responde, ao nível psicológico, a todos os riscos que não são controlados pela prevenção coletiva. Uma prova a mais da intensidade deste medo é fornecida pelos problemas de sono e, sobretudo, pelo consumo de medicamentos psicotrópicos pela maioria dos trabalhadores: ansiolíticos durante o dia, soníferos à noite e psicoestimulantes pela manhã.

A desigualdade de forças no vínculo laboral, viabiliza a ocorrência do medo estático, o qual não é suficiente à submissão, mas que combinado com certos procedimentos perversos, ou seja, atentados psicológicos constantes, refletem severos impactos às vítimas e às impedem de reagir. Tais armadilhas afetam diretamente o emocional do assediado, fazendo-o acreditar que é incapaz e insignificante, repercutindo verdadeiro regime totalitarista. Viabilizando,

Referências

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