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CONEXÃO DE PADRÕES NA REDE DÉCODE

No documento Métodos Digitais (páginas 113-121)

PARA JORNALISTAS DE DADOS TOMMASO VENTURIN

CONEXÃO DE PADRÕES NA REDE DÉCODE

Agora que definimos uma divisão heterogênea e hermeneuticamente robusta de nossa rede, por meio da exploração visual, podemos utilizá-la como base para nossa análise estatística. Ao passo que elogiávamos as vantagens da interpreta- ção visual, também estávamos cientes de que nem todas as propriedades estru- turais podem ser renderizadas visualmente. A direção das arestas ou a conexão entre diferentes classes, em particular, não são facilmente lidas em imagens de rede. Contudo, essas questões podem ser investigadas por outros meios, uma vez que a partição da rede tenha sido definida.

FIGURA 11 — Distribuição do número de nós por categoria.

FIGURA 12 — Conectividade entre as categorias da nossa classificação final. As linhas indicam quantas vezes os nós de uma determinada categoria citam os nós de outras categorias. As colunas apontam quantas vezes os nós de uma determinada categoria são citados pelos nós de outas categorias.

A Figura 11 mostra a distribuição de nós em regiões identificadas em nossa classificação final (ver Figura 10), a qual adicionamos os sites “satíricos” (que dis- cutimos antes, mas não incluímos na Figura 10 por uma questão de legibilidade), bem como “outros confiáveis” e “outros não confiáveis”. Essas duas categorias residuais compreendem, juntas, cerca de um quinto dos nós da rede. Este valor, relativamente alto, não é algo incomum. Dada a heterogeneidade das redes com as quais trabalham, cientistas sociais e jornalistas devem buscar classificações robustas e perspicazes (capazes de delinear zonas homogêneas no grafo) em vez de classificações abrangentes.

As nossas categorias empíricas são ferramentas poderosas para revelarem diferentes estratégias de conexão na rede. A Figura 12 apresenta os links no corpus, agregados por categorias. Como podemos ver, nem todas as categorias citam ou são citadas da mesma maneira. “Mídias nacionais francesas” e “plata- formas” são amplamente citadas, e por muitos atores (suas colunas contêm círcu- los largos), enquanto sites “satíricos” são raramente citados (suas colunas estão quase vazias). Plataformas não são muito citadas, mas isso é meramente uma

FIGURA  13 — Estrutura hierárquica no corpus, baseada em nossas categorias finais. As setas pretas no lado direito sintetizam a estrutura de links entre essas categorias.

consequência de nosso método, posto que muitas delas (como explicado anterior- mente) não foram rastreadas (crawled). Sites de direita, de teorias da conspiração e outros sites “não confiáveis” são, ao contrário, a origem do maior número de citações e, de maneira muito interessante, eles parecem favorecer fontes “confiá- veis” em detrimento daquelas “não confiáveis”. Como esperado, os sites confiá- veis não se conectam de volta aos não confiáveis, e essa assimetria revela uma importante hierarquia. Para investigar esse padrão de conexão, iremos comparar os links de entrada e de saída das categorias mais interessantes.

FIGURA 14 — Versão simplificada da análise estatística apresentada na Figura 13.

Esse tipo de estrutura hierárquica é comum na web e tem sido explicada como uma consequência da “anexação preferencial” (preferential attachment) (Barabási & Albert, 1999): atores tendem a se conectar a outros sites que eles percebem como mais elevados na hierarquia e evitam se ligar àqueles que percebem como infe- riores. Tal estilo de anexação preferencial, por meio do qual os atores menores se vinculam aos atores da estrutura social, sem reciprocidade de vinculação, tem sido chamada de “vinculação almejada” (aspirational linking) (Rogers, 2013). Nem sempre os links de uma rede produzem uma hierarquia de categorias, mas este comportamento o faz. Este padrão de conexão e a maneira como ele se encaixa em nossas categorias empíricas pode sugerir uma maneira alternativa para a categorização da credibilidade que é investigada pelos Decodificadores: fontes confiáveis são citadas por todos os tipos de sites, embora fontes não confiáveis sejam citadas apenas por poucos outros (se alguns).

Esta observação está, em muitos aspectos, em desacordo com o que é frequen- temente afirmado a respeito da “era da pós-verdade”, na qual supostamente ater- rissamos. Enquanto as notícias falsas são usadas para alavancar a horizontali- dade das mídias digitais a fim de borrarem os limites entre o verdadeiro e o falso, os padrões de conexão das esferas de informação (francesas) sugerem uma ima- gem diferente. Apesar de suas diferentes inclinações ideológicas, todos os sites concordam com a hierarquia geral de confiabilidade ao citarem em um sentido e não em outro. Os sites de “direita”, por exemplo, tentam borrar as linhas ao cita- rem seus pares e mais fontes confiáveis, mas também tentam traçar uma linha entre eles e os sites de “teorias da conspiração”, que são ainda menos confiáveis. Seja qual for a sua posição na pirâmide de hiperconexão, cada ator tenta melhorar a sua situação ao se ligar às autoridades acima, e não se ligando aos sites menos conceituados, que estão abaixo, o que reforça, assim, a hierarquia.

CONCLUSÃO

Este capítulo discutiu a exploração visual de redes com o intuito de aprimorar o entendimento de uma das formas dominantes de análise visual de nossa era digital — o diagrama de rede — e seu potencial papel em relação ao estudo e à prática do jornalismo digital. Inspirado na semiótica dos grafos e na cartografia tradicional, este capítulo propôs um modelo de acordo com o qual a interpretação da topologia de rede, com suas regiões, seus caminhos, núcleos e periferias, é guiada por três variáveis: posição, tamanho e matiz. O processo que descrevemos é aquele que enfatiza o caráter exploratório e iterativo da investigação. Embora contraintuitivo ao início, enfatizamos que, a fim de enfrentar as múltiplas lógi- cas desenvolvidas na estrutura de um grafo de rede, a análise não deve se limitar a um princípio de classificação. Vários critérios heterogêneos de classificação são frequentemente necessários para caracterizar a topologia de um mapa de rede. Finalmente, defendemos métodos mistos, complementando a exploração visual de redes com análises estatísticas, a fim de caracterizar ainda mais as proprie- dades da rede.

Por meio do estudo de caso do mapa de hiperlinks das mídias francesas, ten- tamos mostrar como a exploração visual de redes revela novos ângulos deixados de lado por outras análises. Neste caso, o presente capítulo ilustrou uma maneira alternativa de avaliar a confiabilidade dos sites, que complementa a tradicional abordagem de verificação de fatos e qualificação de conteúdos a partir da aná- lise dos padrões de conexão entre diferentes regiões da rede como marcadores

de reputação (Rogers, 2013). Nesta análise, portanto, combinamos a classificação manual de confiabilidade realizada pelos jornalistas do Le Monde com a posição de uma fonte conforme os hiperlinks que nela entram e saem. Essa análise nos possibilitou trazer discussões frescas ao debate sobre notícias falsas. Apesar da proliferação de diversos conteúdos fabricados, as hierarquias de reputação na web parecem ser mantidas (ao menos até certo ponto), como a implementação de estilos de hiperconexão almejada por parte de falsos e hiperpartidários sites, a qual favorece, de forma surpreendente, talvez, as fontes autoritárias.

REFERÊNCIAS

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