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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento Métodos Digitais (páginas 198-200)

VÍDEOS EM 360° — TENDÊNCIAS PARA O JORNALISMO BRASILEIRO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa motivação inicial ao conduzir os experimentos surgiu principalmente da impressão sutil de discordância entre os relatórios que avaliam o futuro próximo do jornalismo contemporâneo e o mercado do jornalismo brasileiro. Dossiês internacionais publicados a partir de 2016 (Associated Press, 2017; Newman et al., 2017, 2018; Knight Foundation, 2016; Google News Lab, 2018) afirmam que a imersão no jornalismo através de tecnologias como vídeos esféricos e em 360º, realidade aumentada e realidade virtual deveriam ser o grande investimento no setor. Com isso, procuramos entender por meio do YouTube qual o panorama geral dessa tecnologia. Mais além, também buscamos identificar sinais de ten- dências emergentes no jornalismo. Os resultados confirmam a suposição inicial de que há, de fato, uma certa divergência entre as pesquisas e a esfera prática do jornalismo no cenário brasileiro16. Ainda assim, observamos pontos muito inte- ressantes acerca dos usos da tecnologia de vídeo em 360º sob ambos os aspectos avaliados: seja na produção, seja no consumo.

A partir da perspectiva da produção, entendemos que o estágio atual de apro- priação do vídeo 360º é ainda experimental no jornalismo brasileiro durante o período avaliado, entre 2015 e 2018. Grandes corporações jornalísticas do Brasil fazem um uso aplicado ainda tímido e restrito, e quando o fazem pouco usam uma narrativa adaptada para a exploração esférica em que o utilizador está no centro. Um exemplo pontual é o vídeo de uma manifestação popular publicado pela Folha de S. Paulo17 em que o usuário apenas é “colocado” no centro de uma das avenidas mais importantes do país, entre manifestantes em som ambiente, sem nenhuma história contextual a ser contada. É possível que em temas mais polarizados como a política, ao deixar que o próprio usuário tome suas conclu- sões, o posicionamento do jornal seja tentar ser “neutro”. No entanto, em outro exemplo de narrativa pouco adaptada às potencialidades do vídeo em 360º e que não tem essa abordagem política se dá com o conteúdo18 publicado pelo jornal 16 Vale ressaltar, todavia, que os relatórios são focados no mercado internacional, especialmente

Estados Unidos e Europa, embora também incluam o Brasil.

17 “Veja vídeo 360º da manifestação na av. Paulista”. Disponível em: <https://www.youtube.com/

watch?v=Cpo0r-Wlk8w>.

O Estado de São Paulo, em uma visita ao Museu de Arte MASP. Nele, somente um passeio entre as obras (que mal podem ser apreciadas) e o público é propor- cionado com uma trilha sonora instrumental. Embora haja liberdade para a audiência transitar e explorar os ambientes de uma história, entendemos que o jornalismo ainda deve ter o papel de guiar o utilizador para que ele compreenda o contexto no qual está imerso. Neste ponto observamos também um nível intro- dutório do que é considerado Tecnologia & Formato das categorias de jornalismo de inovação (Flores, 2018).

Complementarmente, em vídeos mais recentes publicados a partir de 2018, notamos uma adaptação mais apropriada ao que entendemos como uma espé- cie de gramática do vídeo imersivo. É o caso da peça jornalística publicada pela revista Veja19 sobre uma vila que deixou de existir depois do desastre ambiental de uma mina de rejeitos na cidade de Mariana, em Minas Gerais. Nesse vídeo, há uma preparação para o consumidor de uma proposta de trajeto, o uso indicado dos auriculares, um contexto claro de onde ele está — as ruínas de uma escola — e como o utilizador pode perceber os depoimentos, a narração e o som ambiente como seus guias. Outra aplicação adequada está no vídeo publicado pelo UOL TAB20, que trata de um tema delicado como a depressão e suas sensações em uma peça que flerta também com a ficção, na seleção de atores e roteiro ao mesmo tempo que cumpre seu papel informativo. Nesse ponto, então, destacamos que os usos, conforme já identificados na análise, se dão em editorias e em pautas mais específicas. Entendemos que a tendência não se dá necessariamente no jor- nalismo diário ou nas peças jornalísticas de todo e qualquer tema. Observamos pela perspectiva da produção, que a tendência sugere ser melhor adaptada em temáticas como desporto, meio ambiente, saúde, viagens e entretenimento, com o objetivo de promover uma experiência de mais impacto para um tema de inte- resse pessoal dos utilizadores. Vale considerar sempre a linha editorial do veículo para que ela seja coerente aos temas tratados em uma audiência já segmentada. A partir da perspectiva do consumo, os resultados mostram que existe ainda um desconhecimento (ou desinteresse) por parte do público brasileiro desta tec- nologia e o seu uso jornalístico, pois a compilação de dados extraída durante as oito semanas mostrou uma variação mínima top 20 do ranking das buscas, sendo que quase todos os vídeos da amostra sequer eram vídeos em 360º ou jornalís- ticos. Além disso, surpreende como dentro do dataset, não existir a presença de

19 “Bento Rodrigues — A vila que deixou de existir”. Disponível em: <https://www.youtube.com/

watch?v=fVrWFzdVKyI>.

20 “[DEPRESSÃO EM 360º] Tudo dói e ninguém entende : o mundo pelos olhos de um depressivo”.

conteúdo produzido pelas mídias aqui mesmo estudadas, fortalecendo a suges- tão de que ainda há uma desconexão proporcional entre o produtor e o consumi- dor de jornalismo perante aos formatos inovadores.

Ao examinar os poucos vídeos 360º da amostra descobrimos que a maioria é de produção de estudantes de jornalismo e instituições de ensino. O que nova- mente permite-nos reforçar a ideia de que o público geral ainda não tem abertura ao consumo deste tipo de formato. Para superar tal desconexão, sugerimos pro- curar formas de acercar ao público com estratégias de promoção por parte dos produtores para gerar uma nova cultura do consumo de formatos de inovação.

REFERÊNCIAS

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