• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V PROFISSIONALISMOS DO PROFESSOR JERÔNIMO ARANTES EM UBERABINHA (1907 a 1926)

1.2 Configuração do profissionalismo do professor na educação

Na realização da presente pesquisa foi necessário investigar e identificar entre os professores que atuaram no ensino municipal em Uberabinha, durante a Primeira República, os que satisfizessem certos critérios que pudessem ser utilizados para atingir os objetivos propostos. Os critérios estabelecidos incluíram informações básicas com dados biográficos, de formação e atuação profissional no ensino municipal, e aspectos que envolvessem atividades sociais e culturais desenvolvidas pelos respectivos professores durante sua atuação profissional no ensino, de preferência no período da Primeira República.

Entre os diversos professores municipais identificados durante o período em foco, dois foram destaques: a professora Alice da Silva Paes e o professor Jerônimo Arantes, dos quais obtive maior quantidade de dados, embora dispersos e fragmentados. Em razão da carência de dados sobre todos os demais professores, e diante do conjunto de informações obtidas ao longo da pesquisa sobre Alice Paes e Jerônimo Arantes, estes foram selecionados para explicitar com fundamentação teórica os diversos profissionalismos do professor.

Defino profissionalismo por ser um processo sistêmico de identificação do caráter profissional no exercício habitual de ensinar. Há uma polissemia de significados sobre as categorias de análise, profissionalismo, profissionalização e profissionalidade, sendo esta uma característica que, por um lado, dificultou o desenvolvimento da pesquisa com maior agilidade. Entretanto, por outro, possibilitou o desenvolvimento com categorias maleáveis, enriquecidas pelas interdisciplinaridades de áreas de conhecimentos que se debruçam sobre o tema: a Sociologia, a História, a História da Educação, a Psicologia, as Ciências Aplicadas, etc.

Entre os argumentos utilizados para a definição do termo profissionalismo, conforme acima exposto, houve contribuições advindas, da análise derivada da filologia, bem como de autores que tratam sobre o tema. Por um lado a construção de significados positivos elaborados pelos filólogos Houaiss, Ferreira e Cabanellas, este último reconhecido autor argentino e profissional em diversas atividades vinculado à área do Direito.

Os dois primeiros autores convergem para a defesa do seguinte entendimento sobre profissionalismo: expõe o caráter daquele que é profissional; de procedimentos característicos dos bons profissionais; do conjunto de profissionais com sua maneira de ver e agir; da carreira do profissional.

Por outro lado, a construção negativa do termo promove a contraposição com o primeiro significado, e indica o contrário, sendo entendido como a manifestação de práticas consideradas amadoras, por serem produzidas por agentes sociais que não preencheram plenamente os quesitos socialmente reconhecidos como de profissionais.

Em Houaiss, encontra-se a explanação de que profissionalismo é um substantivo masculino oriundo da junção da raiz profissional com o sufixo ismo. Tem por antônimo a palavra amadorismo72, associada à ideia de amador, prática sem remuneração, prática caracterizada pela incompetência ou inabilidade por conhecimento superficial em algum assunto. Por fim, expressa a ideia de que o amadorismo está em oposição à ideia de profissionalismo.

De forma afirmativa, esse filólogo apresenta uma primeira acepção do termo profissionalismo apontando para “o caráter do que é profissional”; um segundo, vinculado ao regionalismo brasileiro, que diz sobre o “procedimento característico dos bons profissionais”, destacando a “seriedade, a competência, a responsabilidade, etc”. A terceira e a quarta acepções expressam, respectivamente, ser o “conjunto de profissionais, sua maneira de ver e agir” e o que diz respeito a “carreira de profissional”73.

Ferreira apresenta três acepções para profissionalismo: “carreira de profissional”, “conjunto de profissionais”, e por último, a “maneira de ver ou de agir dos profissionais”. No que trata sobre o termo amadorismo, esse filólogo apresenta a ideia de ser “condição de amador”, característica “de não profissional”, e também de ser “doutrina, sistema ou regime contrário ao profissionalismo”74.

No léxico castelhano de Direito, Cabanellas atribuiu para o profesionalismo o significado de “práctica o ejercicio de determinadas artes o deportes por medio de lucro”75.

Ressalta-se neste significado a atuação tendo por mediação um determinado lucro.

Verifica-se ainda, que a palavra profissionalismo resulta da junção do adjetivo profissional e do sufixo ismo, do grego ismós. O adjetivo traz o significado de conjunto que expressa qualidades, propriedades do estado ou o modo de ser do que exerce uma profissão,

72 Amadorismo expressa alguns significados: “1. Qualidade ou condição de amador; 2. Dedicação, sem caráter

profissional, a arte ou ofício; diletantismo; 2.1 Prática de esporte sem remuneração; 3. Regime contrário ao

profissionalismo.” Há o uso pejorativo apontando para “4. Demonstração de incompetência ou inabilidade em

uma atividade qualquer; 5. conhecimento apenas superficial de algum assunto ou alguma atividade.” (Cf. AMADORISMO. In: DICIONÁRIO eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002. 1 CD-ROM.

73 Cf. HOUAISS. DICIONÁRIO eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002. 1

CD-ROM.

74 Cf. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0. v.1.1. 2004.

um ofício em uma determinada localidade. O sufixo ismo, indica a resultante de “doutrina, sistema, teoria, tendência, corrente”76.

Os principais fundamentos encontram-se nas discussões teóricas das sociologias tradicional e/ou crítica que sustentam perspectivas divergentes e convergentes, estáticas e maleáveis sobre as categorias em foco. Há argumentos advindos da perspectiva estática sobre profissões, fundamentado no estrutural-funcionalismo que foi uma das primeiras a fixar conceitos diante de uma sociedade que vivenciava constantes e efervescentes configurações tanto materiais quanto nas ideias, a exemplo do norte-americano Talcott Edgar Frederick Parsons, entre os anos de 1939 e 1968, com referência primeira em sua obra The professions and social structure, de 1939. Eliot afirma que:

[...] o conceito profissão foi aceito sem questionamento por muito tempo e houve pouca elaboração sistemática sobre ele até a expansão da sociologia acadêmica nos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial. O teórico americano mais conhecido, Talcott Parsons, fora provavelmente o primeiro a abordar as profissões em termos teóricos.77

Nos fundamentos da concepção funcionalista-estruturalista com a Teoria dos Traços, os principais exemplos de profissões liberais, os médicos e os advogados são imputados por modelos diante das demais atividades profissionais, consequentemente, enquadraram o professor na desqualificação ou na semi-profissão78.

Outra teoria sociológica, a dos interacionistas simbólicos, nos anos que se seguiram, produziam críticas considerando os significados dos conceitos em transição. Eliot Freidson, em sua obra Renascimento do Profissionalismo, apresenta sua proposta crítica vinculada à tendência dos interacionistas simbólicos sobre a situação das profissões na sociedade pós- industrial, em que os elementos essenciais do profissionalismo das profissões, antes de perderem sua força e desaparecerem, estão assumindo outra forma, hierárquica, sob o controle das elites profissionais. Pode ser considerado um dos principais autores dessa tendência, cujo foco de análise crítica está nas transformações dos elementos de renovação do profissionalismo que acompanha as novas configurações sociais, incluindo a hierarquização de função e a divisão moral do trabalho. Freidson afirma “que os elementos essenciais do profissionalismo está renascendo numa forma hierárquica em que os profissionais comuns

76 Cf. ISMO. In: DICIONÁRIO eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002. 1

CD-ROM.

77 FREIDSON, Eliot. Renascimento do profissionalismo: teoria, profecia e política. São Paulo: EDUSP, 1998. p.

34.

78 SÁ, Patrícia Teixeira de. A socialização profissional de professores de história de duas gerações: os anos de

1970 e de 2000. 2006. Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 41.

ficam sujeitos ao controle de elites profissionais que continuam a exercer a considerável autoridade técnica, administrativa e cultural que as profissões tiveram no passado”79.

A partir dos anos de 1980, outras teorias críticas surgiram com perspectivas de análises distintas das anteriores, e defendem a ideia de que os conceitos são modelados com novos significados em coerência com as mudanças ocorridas no interior da sociedade, principalmente, a capitalista80. Identifico obras neste movimento crítico dos autores Marisa C. Vorraber Costa, Thomas Popkewitz, José Contreras, Fernando Gil Villa, José Manuel Esteve, Francisco Imbernón, Andy Hargreaves, entre outros. Estes autores convergem na renovação da perspectiva sobre a profissão de professor e os elementos políticos de controle, de poder e conhecimento que estão envolvidos na trajetória de luta desses profissionais contra a precarização da atuação profissional. Ressaltam que deve haver distinção da especificidade na profissão de professor em comparação ao profissional liberal, superando os argumentos de tendências anteriores, e se propondo a estabelecer para este um locus específico na área educacional.

Pode-se compreender que os significados dos termos utilizados por esses autores de várias tendências teóricas são polissêmicos e confirmam que o significado da palavra profissionalismo depende do contexto.

Popkewitz argumenta que este é um conceito variável e sofre nova modelação à medida que as alterações da sociedade material se renovam81. O autor, em sua obra original, Political Sociology of Educational Reform: Power Knowledge in Teaching, Teacher Education and Research, publicada em 1991, fez a discussão teórica sobre as questões conceituais e históricas no estudo da mudança educacional nas reformas educacionais nos Estados Unidos da América, nos séculos XIX e XX.

Mudanças sociais e educacionais que Coelho, ao publicar seu livro em 1999, sobre as profissões liberais na transição do Império e a República no Rio de Janeiro, confirmou que de fato ocorreu, na transição desses séculos, uma onda ideológica que contaminou os Estados Unidos, de um estado a outro, em prol do profissionalismo com participação fundamental do governo desses estados para estabelecer maior controle sobre o ensino e os critérios de licenciamentos de profissionais com legislação regulatória em várias atividades, principalmente, nas vinculadas às profissões da área médica e jurídica. E mais, afirmou o

79 SÁ, Patrícia Teixeira de. A socialização profissional de professores de história de duas gerações: os anos de

1970 e de 2000. 2006. Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 48.

80 Cf. Ibidem, p. 38.

81 POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder e conhecimento em educação. Porto

autor que, no outro continente, na Inglaterra, a onda em prol do profissionalismo atribuiu ao Estado uma participação reativa e complementar, ficando para as associações representativas a incumbência do controle sobre a prática e licenciamento dos profissionais82. Diante desse controle, ora estatal, ora exercido pela própria categoria profissional, os fundamentos sobre o profissionalismo nutrem um conceito variável, dependente da onda renovadora que ocorre no decurso do tempo no contexto socioeconômico e cultural.

No século XIX, o profissionalismo sofreu alteração conceitual de significado por uma perspectiva oriunda de parte da sociedade norte-americana, a qual atribuiu que,

[...] devia pegar o racionalismo e competitividade do mercado e modificar o seu individualismo egoísta através de recompensas não-pecuniárias (glória e reconhecimento ligados à realização epistemológica) e financeiras, moderando, assim, um individualismo em transformação e promovendo uma comunidade moral-comum.83

A alteração na perspectiva de leitura sobre o significado de profissionalismo fora resultado de mudanças no contexto socioeconômico e cultural norte-americano, pois passou a ser uma estratégia de modulação do individualismo egoísta para alterar a própria sociedade visando o estabelecimento de uma nova moral-comum, para adequação ao novo momento. Esse discurso sobre o profissionalismo agregou-se a “crença de que a ciência produziria um melhoramento social o que começou a dominar a política pública da Era Progressista”, de 1880 a 192084.

Para Popkewitz, na área de formação de professores a autoridade moral, a escolarização e o desenvolvimento profissional estiveram vinculados à linguagem de reforma e do profissionalismo. Houve uma intencionalidade implícita na atualização desse conceito, e de outros, visando, por um lado, mudança, ou e por outro, conservação.

No caso específico do profissionalismo, mudança para que os professores fossem participantes de novos papéis sociais, sob a capa de atualização profissional: “Os professores deviam ser ‘supervisores morais, organizadores políticos... substitutos aos pais, capazes de ter respostas para as transformações econômicas, sociais e culturais”85. Deveriam tomar atitudes

82 COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro;

1822-1930. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 37-40. Saliento que o autor fez uma autocrítica ao se apresentar, dizendo ser sua obra inclassificável. Em respeito, afirmo que a obra do historiador e sociólogo Coelho contribui para ser repensado e renovado o fundamento da tradição alicerçada na autonomia das profissões liberais.

83 POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder e conhecimento em educação. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 49.

84 Ibidem, p. 58.

sob a nova proposta moral, renovar seus compromissos com a sociedade e atuar com desempenho técnico e intelectual coerente com as mudanças propostas.

Aos debates ocorridos na sociedade norte-americana no decorrer da passagem do século XIX ao XX “justapôs noções de democracia protestante rural e comunitária contra um novo caráter profissional para o professor, um profissionalismo que veio a significar conhecimento especializado, ciência e uma nova ideologia de serviço público objetivo e apartidário”86. A alteração no significado do conceito surgiu à medida que se alterava, conjuntamente, o contexto social com crescimento da escolarização de massa, aumento da produção econômica, divisão de gênero na produção técnica com valorização dos que assumiam os postos mais altos na hierarquia profissional.

Este momento confirma o argumento de Hargreaves, ao dizer que “pocas personas desean hacer algo respecto a la economía, pero todo el mundo – políticos, medios de comunicación y público en general – quiere hacer algo con la educación”87. E em consequência, ao intervirem na educação, promovem irradiações para mudanças no caráter profissional do professor, em seu profissionalismo, no ato de ensinar.

Fonseca, Borges e Silva Júnior afirmam que pensar no ato de ensinar, é pensar em relações e saberes com historicidade e múltiplas relações:

Os saberes docentes e escolares são frutos de múltiplas e diversas relações entre sujeitos, saberes e prática socioculturais, constituídas em determinados tempos e lugares. Trazem implícitas as marcas, concepções e representações que seus produtores têm conhecimento, do ensino, da educação, da escola, da sociedade, da vida, do mundo.88

Entretanto, com esse complexo de múltiplas relações imbricadas no caráter profissional do professor, o germe da atualização profissional ocorreu sob a ideia de progresso que legitimou o alicerce nos argumentos das ciências sociais como porta-voz para determinar o novo curso desse profissional.

A fé nesse novo profissionalismo [...] sustentada como parte de um discurso que vinculava o progresso social à ciência. O discurso científico foi levado à esfera das relações sociais com a finalidade de interpretar as relações sociais mais complexas e a interdependência entre as comunidades, além de

86 POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder e conhecimento em educação. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 88.

87 HARGREAVES, Andy. Profesorado, cultura y postmodernidad (cambian los tiempos, cambia el

profesorado). Tradução de Pablo Manzano. 4. ed. Madrid: Morata, 2003. p. 31.

88 FONSECA, Selva G.; BORGES, Vilmar J.; SILVA JÚNIOR, Astrogildo F. Ensinar Geografia e História:

relações entre sujeitos, saberes e práticas. In: FONSECA, Selva Guimarães (Org.). Currículos, saberes e

restabelecer a autoridade moral, social e cultural através das tecnologias da reforma.89

No final do século XIX, argumenta Popkewitz, por influência dos presidentes das universidades, ocorreu um aumento do reconhecimento do profissionalismo apartidário, mesmo temendo os exageros advindos possivelmente do radicalismo e dos professores organizados em busca da defesa dos seus direitos. Houve reação das instituições organizadas para se preservarem, estabelecendo maior cautela sobre o ativismo e a defesa dos direitos, colocando em discussão o papel do capitalismo, do sindicalismo e do Estado, como sendo os provedores de progresso material e espiritual.

Diante disso, enfatizou-se a necessidade do papel de profissionais especializados para orientar a intervenção. E a reação contra tais reivindicações apareceu: “em diversos casos, os professores que exigiam reestruturação social e institucional foram demitidos, sendo que os defensores mais agressivos, geralmente, perdiam qualquer chance futura de ocupar posições acadêmicas”90. Essa reação contra alguns profissionais da educação surgiu por parte das

instituições educacionais demitindo-os, excluindo-os de futuras oportunidades de contratação, como uma tentativa de correção ao processo de controle sobre o caráter do professor, que na atualização ao novo significado de profissionalismo, o mesmo fora nutrido pelas alterações em aspectos advindos da força estruturante, a profissionalização, que muito se expressa pelo instrumento legal das reformas educacionais e restrição da sua autonomia profissional.

Popkewitz afirma que uma das finalidades explícitas das reformas “é a de aumentar o profissionalismo dos professores, isto deve ser alcançado por um aumento da profissionalização do conhecimento, através de mudanças administrativas e pesquisas que inter-relacionam os diversos níveis da vida institucional”91, na qual é possível localizar um

dispositivo legal para viabilizar a atualização das regras sociais, produzindo e deliberando as reformas, inclusive as educacionais, que visam, por paradoxo, manter e alterar a própria sociedade.

Utilizando o discurso de reformas na educação para que mudanças promovidas sejam dosadas, a ponto de não alterarem a atual estrutura de poder, não afetem com trincas ou fraturas as estruturas básicas da vida social, as reformas no ensino norte-americano, analisadas por Popkewitz, foram pautadas pelos princípios de conservação das instituições e

89 POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder e conhecimento em educação. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1997.

90 Ibidem, p. 99.

de alteração na finalidade da educação, e em decorrência, do caráter profissional do professor. Por um lado,

[...] o movimento em direção ao profissionalismo do professor, à responsabilidade e objetivos nacionais em relação à educação, pode ser entendido como a criação de estratégias institucionais de regulamentação cultural e mobilidade profissional que fazem parte das relações estruturais em formação.92

Mais precisamente, o autor argumenta sobre a relação poder-conhecimento nas reformas educacionais, desmistificando-as como sinônimos de mudanças, identificando-as às estratégias político-administrativas utilizadas pelos diferentes grupos sociais para modular e estabelecer o controle social.

A retórica do profissionalismo é um exemplo da forma como os liberais e os conservadores produzem estratégias semelhantes para atingir programas diferentes. A retórica sobre o profissionalismo defende uma maior responsabilidade e autonomia do professor e visa criar valores de apoio à criatividade individual, à flexibilidade e ao raciocínio crítico. Assim, a atenção é voltada para o conhecimento técnico, administrativo e questões relacionadas com o status do professor, diminuindo, portanto, a atenção dada aos aspectos sociais e políticos subjacentes ao ensino e à padronização e aumentando a centralização e o controle.93

Esta estratégia de controle social, por parte dos governos de Estado, tem utilizado em seus discursos da justificativa para se efetivar reformas para melhorar as condições humanas, num ciclo elíptico oscilante, de avanços e retrocessos, imerso na modernidade. Afirma Hargreaves:

La modernidad es una condición social impulsada y sostenida por la fe de la ilustración en el progreso científico racional, en el triunfo de la tecnología sobre la naturaleza y en la capacidad de controlar y mejorar la condición humana mediante la aplicación de este bagaje de conocimientos y dominio científicos y tecnológicos a la reforma social.94

Sinalizo que há necessidade de ter a perspectiva sobre o profissionalismo do professor pela percepção da existência das duas forças opostas, interdependentes, que estão em constante tensão sobre a sua autonomia profissional: a profissionalização e a profissionalidade. Enquanto a primeira promove influência para alterar a prática profissional do professor com restrição, a segunda enfatiza a expansão da autonomia. Em razão disso, no

92 POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder e conhecimento em educação. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 124.

93 Ibidem, p. 125-126.

94 HARGREAVES, Andy. Profesorado, cultura y postmodernidad (cambian los tiempos, cambia el

mesmo discurso sobre profissionalismo encontra-se esta tensão expressa em seus discursos e aplicações. Por um lado, com aprovação e valorização de elementos constitutivos da profissionalidade: estímulo à criatividade, à flexibilidade e ao raciocínio crítico; por outro lado, da profissionalização: maior valorização sobre procedimentos técnicos e administrativos que promovem o aumento do controle sobre a atuação do professor.