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Conflito entre regras e colisão entre princípios

2.4 A dupla estrutura das normas de direitos fundamentais – regras e princípios –

2.4.2 Conflito entre regras e colisão entre princípios

A distinção entre regras e princípios é mais bem vislumbrada nos casos de colisão entre princípios e conflito entre regras, mediante o qual duas normas, cada qual aplicada de per si, conduzem a resultados contraditórios e incompatíveis entre si. É no momento da solução do conflito que a distinção entre essas normas melhor se revela. Sendo assim, um conflito entre regras – ou seja, se duas regras se contradizem – só pode ser solucionado com base no tudo ou nada (a norma vale ou não vale), em que uma delas é declarada inválida, ou ainda, se uma delas puder ser considerada a título de exceção à outra.

Lembre-se, por oportuno, o exemplo citado por Alexy94 para solução de um conflito de

regras através da inserção de uma cláusula de exceção: uma regra preceitua que é proibido sair de sala antes que o sino toque; já outra regra prevê que deve-se deixar a sala de aula com o soar do alarme de incêndio. Essas duas regras conduzem a um

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CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1161- 1162.

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dever-ser contraditórios e, para a solução do conflito, deve ser introduzida uma cláusula de exceção: se o sinal ainda não tiver soado, mas o alarme de incêndio tocar, deve-se sair da sala.

Nessa linha de raciocínio, a solução de um conflito entre duas regras que não podem coexistir é uma decisão sobre validade: uma regra jurídica é ou não é válida. Para Alexy, “não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois

juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos.”95

Por sua vez, as colisões entre princípios são solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem, um deles tem que ceder, o que não significa que em um deles deverá ser incluída uma cláusula de exceção, nem tampouco que um deles deve ser declarado inválido. De fato, in casu, um dos princípios ganhará precedência sobre o outro conforme o caso concreto, após um sopesamento dos dois. Observe-se que os princípios têm um peso diferente na aplicação do caso concreto e o de maior peso prevalecerá. Dessa teoria do jurista alemão, consagra-se que enquanto as regras dizem respeito à validade, os princípios têm a ver com valores.

Frise-se, então, que só princípios válidos podem colidir, sendo esta colisão uma questão de peso em que se estabelece uma relação de precedência condicionada entre princípios, na solução do caso concreto. Fala-se, aqui, que na resolução de um “conflito” por meio de sopesamentos, o intuito é definir, qual dos interesses que abstratamente estão no mesmo nível, têm maior peso na solução do caso concreto. Para Alexy, deve-se observar a lei da ponderação: “quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior deve ser a importância da

satisfação do outro.”96 Note-se que esta é uma situação de colisão entre princípios.

A ponderação é uma técnica de decisão utilizada nos hard cases quando os elementos clássicos de hermenêutica constitucional se mostram insuficientes. Para Alexy, a

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 92.

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ponderação consiste em três etapas. Na primeira se identifica as normas referentes e seu agrupamento de acordo com a direção para o qual apontam. Logo após, analisa-se as circunstâncias do caso concreto e suas repercussões, para, finalmente, ser feita a ponderação de forma a se atribuir peso relativo aos elementos e estabelecer a intensidade da preferência de cada grupo de normas. Assim, como não há hierarquia entre os princípios, somente na análise das circunstâncias do caso concreto se verificaria o peso de cada elemento e a intensidade de preferência, sendo certo que, em condições diversas o resultado pode ser diferente.

Alexy97 se vale de duas decisões do Tribunal Constitucional Federal para melhor

compreensão da sua lei de colisão. O primeiro caso trata da possibilidade de se realizar uma audiência sem a presença do acusado em razão do risco de ele sofrer um derrame ou um infarto durante o procedimento. Neste caso, há uma tensão entre o interesse do acusado na sua integridade física98 e o dever estatal de aplicar o devido processo

legal99. O autor pondera que a decisão não fala de uma colisão, mas de um conflito, de

uma situação de tensão e o que colide e é sopesado não são princípios, mas interesses e pretensões, ou ainda, um direito fundamental.

Já o segundo caso, chamado “caso Lebach”, versa sobre o interesse de um condenado, prestes a ser libertado, em impedir a exibição de um documentário sobre os assassinatos que participou, sob a alegação de que isto embaraçaria o seu processo de ressocialização. O caso foi resolvido pelo sopesamento de princípios, dentro da máxima da proporcionalidade, pelo Tribunal Constitucional Federal, que considerou que o direito do preso seria violado. No entanto, poderia ser solucionado pelas

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 94-96.

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Art. 2 (2) da Lei Fundamental alemã: “Todos têm o direito à vida e à integridade física. A liberdade da pessoa é inviolável. Estes direitos só podem ser estringidos em virtude de lei.” Disponível em:

http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3160404/Daten/1330556/Gundgesetz_pt.pdf. Acesso em: 31 maio 2012.

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Art. 92 da Lei Fundamental alemã: “O Poder Judiciário é confiado aos juízes; ele é exercido pelo Tribunal Constitucional Federal, pelos tribunais federais previstos nesta Lei Fundamental e pelos

tribunais dos Estados.” Disponível em:

http://www.brasil.diplo.de/contentblob/3160404/Daten/1330556/Gundgesetz_pt.pdf. Acesso em: 31 maio 2012.

máximas da adequação e da necessidade se fosse levado em consideração que o documentário esclareceria à população sobre a eficácia da lei penal e, dentre outros aspectos, fortaleceria a moral pública e a responsabilidade social.

Com efeito, para a solução da colisão entre princípios, de acordo com Alexy, deve-se estabelecer uma relação de precedência condicionada de um princípio sobre o outro, sendo que a condição reside no caso concreto. Alexy pondera que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha concluiu que não há princípios absolutos e a questão decisiva é saber, sob quais condições, qual princípio deve prevalecer e qual deve ceder. Assim, para Alexy, a lei de colisão “reflete a natureza dos princípios como mandamentos de otimização: em primeiro lugar, a inexistência de relação absoluta de precedência e, em segundo lugar, sua referência a ações e situações que não são quantificáveis.”100

Ademais, observa Alexy, a existência de normas de direitos fundamentais atribuídas, ou seja, a existência de uma norma com uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais. E assim, o doutrinador alemão afirma que “como resultado de todo sopesamento que seja correto do ponto de vista dos direitos fundamentais pode ser formulada uma norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de uma regra e à qual o caso pode ser subsumido.”101 Na esteira dessa argumentação, há normas de direitos fundamentais com a estrutura de princípios e normas de direitos fundamentais com a estrutura de regras, mesmo que a todas elas tivesse sido atribuído a estrutura de princípios.

Importa a diferenciação de Alexy entre regras e princípios. Para o professor catedrático, princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Os princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização – podem ser cumpridos em diferentes graus e a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas

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ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 99.

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também das possibilidades jurídicas. Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, são cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então é obrigatório que se faça precisamente o que se ordena, nem mais nem menos.

As regras contêm, por isso, determinações no campo do possível fático e jurídico.102

A respeito, pondera Bernardo Fernandes que a aplicação dos princípios em diferentes graus, ou seja, como mandamentos de otimização, é explicada por Alexy equiparando- se os princípios a valores. Isto é, os princípios sairiam do nível deontológico do dever- ser, voltando-se para um nível do axiológico, ligado a preferências subjetivas diante de

uma situação concreta.103

Convém também citar o entendimento de Canotilho, segundo o qual os princípios, no caso de uma colisão, podem ser objeto de ponderação e harmonização, pois contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha (prima facie) devem ser realizados. Por outro lado as regras, contendo fixações normativas definitivas, no caso de um conflito, obedecem à lógica do tudo ou nada, sendo insustentável a validade

simultânea de regras contraditórias.104