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Teoria da eficácia imediata ou direta

5.5 As teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídica

5.5.2 Teoria da eficácia imediata ou direta

A teoria da eficácia imediata ou direta dos direitos fundamentais nas relações entre particulares foi idealizada, a partir do início da década de 50, do século passado, por Hans Carl Nipperdey, juiz presidente do Tribunal Federal do Trabalho da Alemanha e adotada pela Primeira Câmara deste Tribunal, tendo crescido sua influência também na Itália, Portugal e Espanha.

De acordo com Nipperdey, os direitos fundamentais devem valer “como direitos subjectivos contra entidades privadas que constituam verdadeiros poderes sociais ou mesmo perante indivíduos que disponham, na relação com outros, de uma situação real

de poder que possa equiparar-se à supremacia do Estado.”355

Há algumas normas de direitos fundamentais que não se restringem à proteção de uma esfera de liberdade ante o Estado, garantindo, também ao particular, princípios para a organização da vida social, com incidência imediata nas relações de direito privado. Isto significa a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas. Conforme seu idealizador, a eficácia imediata não se limitaria aos casos de desigualdade entre particulares, cabendo, inclusive, uma eficácia absoluta desses direitos356, válido para toda a ordem jurídica (também para o direito privado).357 Assim, além de direitos públicos subjetivos, fluem, diretamente dos direitos fundamentais, direitos privados subjetivos, que afetam diretamente as relações inter privatos.358 Ademais, o efeito jurídico é normativo direto, não importando se se trata

355

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 245-246.

356

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, p.164-166.

357

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 245.

358

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 158-159.

de direitos cogentes ou dispositivos, de cláusulas gerais ou de normas jurídicas

específicas – os direitos fundamentais devem ter um efeito absoluto.359

Na verdade, aqui a Constituição, cuja concepção é democrática, deve honrar pela supremacia de princípios e valores emergentes na sociedade. Para Nipperdey rejeitar a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações particulares significa atribuir às normas jusfundamentais um sentido meramente declaratório (para ele, com ou sem a atividade do legislador, a norma jusfundamental deve ser aplicada – não há um critério meramente interpretativo). De fato, o fundamento desta teoria advém da concepção dos direitos fundamentais enquanto valores que emergem por todo o ordenamento jurídico, isto é, “como uma decorrência inevitável do princípio da unidade do

ordenamento jurídico e da força normativa da Constituição.”360

Lado outro, Nipperdey elimina da sua teoria os direitos fundamentais autênticos (clássicos), que segundo ele são a maioria e vinculam somente o Poder Público, não sendo destinados aos particulares, pois são direitos subjetivos em face do Estado.361 Não obstante, afirma Bilbao Ubillos que existem direitos fundamentais cuja própria estrutura pressupõe a eficácia horizontal imediata, como os direitos à honra, à

intimidade, à imagem e à liberdade de religião, por exemplo.362

Segundo preceitua Canaris, na concepção da teoria da eficácia imediata, os direitos fundamentais dirigem-se contra o Estado e contra os sujeitos de direito privado, não carecendo de qualquer transformação para o sistema de regras de direito privado e podendo ser entendidos como proibições de intervenção no trafico jurídico-privado e a

direitos de defesa em face de outros sujeitos de direito privado.363

359

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 530.

360

SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, p. 88.

361

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 158.

362

UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficacia de los derechos fundamentales frente a particulares: analisis de la jurisprudência del Tribunal Constitucional.

363

Nesse quadro, os defensores dessa eficácia direta ainda proclamam que os direitos fundamentais já possuem condições de plena aplicabilidade nas relações entre particulares, sendo dispensada a atuação do legislador ou mesmo de uma interpretação da legislação infraconstitucional à luz da Constituição. Isto significa que das normas

jusfundamentais fluem diretamente direitos subjetivos privados para os indivíduos.364

Os direitos fundamentais, como normas objetivas, regem o direito privado sem a necessidade de nenhum ponto de infiltração, como pretendem as cláusulas gerais, com incidência erga omnes.365 Assim, aplicar-se-ia os direitos fundamentais nas relações entre privados com máxima efetividade.366 Esta teoria é justificada na medida que as ameaças que insurgem ante os direitos fundamentais não provêm apenas do Estado, mas de poderes sociais e de terceiros em geral, de tal sorte que a eficácia horizontal direta serviria para a correção de desigualdades sociais. Destarte, “a opção constitucional pelo Estado Social importaria no reconhecimento desta realidade, tendo como consequência a extensão dos direitos fundamentais às relações entre particulares.”367

Na visão de José Carlos Viera de Andrade, os defensores de uma aplicação imediata dos direitos fundamentais pretendem ofertar uma maior proteção aos particulares em face dos grupos privados ou indivíduos poderosos, “revelando uma especial sensibilidade às relações de desigualdade que se multiplicam no mundo do trabalho, da

política, da vida social e até da vida familiar.”368 Os partidários da aplicação imediata

apelam para o forte pendor socializante da Constituição e “à necessidade de os poderes

364

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 530.

365

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 160.

366

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p. 266.

367

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 220.

368

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 250.

públicos assegurarem a todos os níveis a igualdade e a justiça social, intervindo e

organizando, estabelecendo imperativos, disciplinando e proibindo.”369

Vale realçar o entendimento de Alexy:

[...] princípios de direitos fundamentais, em razão de sua influencia no sistema de normas de direito civil, requerem ou excluem a existência de determinados direitos e não-direitos, liberdades e não-liberdades, bem como de competências e não-competências, na relação cidadão/cidadão, os quais, sem a vigência desses princípios, ou seja, apenas com base em um sistema de direito civil não influenciado pelos direitos fundamentais, não seriam considerados como necessários ou impossíveis do ponto de vista do direito constitucional. Nesse sentido, há um efeito direto perante terceiros.370

Ao ensejo, segundo a referida teoria, as normas jusfundamentais não requerem qualquer mecanismo de adaptação ou de mediações concretizadoras para gozar de eficácia plena e direta nas relações entre particulares, de forma que sob a égide da teoria da eficácia imediata a demanda é solucionada perante o Direito Constitucional, diferentemente do que ocorre com a teoria da eficácia mediata dos direitos

fundamentais. Já Canotilho371 adota uma postura moderada (apesar de se manter fiel à

teoria da eficácia imediata) preconizando que no momento do julgamento de uma lide privada, o Judiciário deve, primeiramente, aplicar as normas de direito privado em conformidade com os direitos fundamentais, através da interpretação conforme a Constituição. Caso isto não seja possível, deve se valer tanto das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados, como das próprias normas constitucionais consagradoras de tais direitos, cuja aplicação deve ser direta pelo Poder Judiciário.

Importa consignar, que a ideia de uma eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas não pretende colocar o particular numa situação semelhante às relações verticais com o Estado. Na relação entre sujeitos de direito privado, os direitos fundamentais não têm exatamente o mesmo alcance e o mesmo conteúdo que

369

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 250.

370

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 542.

371

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1285- 1300.

adquirem na relação com o Estado, seja por determinar-se em termos diferentes o seu

conteúdo ou mesmo por ceder inteiramente em situações excepcionais.372 Importa

ressaltar que um efeito direto dos direitos fundamentais perante terceiros não significa que os direitos do cidadão em face do Estado sejam, ao mesmo tempo, direitos do particular contra outro particular – não é cabível um efeito direto mediante a simples

troca de destinatário dos direitos do cidadão contra o Estado.373 “Daqui se deduz que a

procura de soluções diferenciadas deve tomar em consideração a especificidade do direito privado, por um lado, e o significado dos direitos fundamentais na ordem

jurídica global por outro.”374 Nesse quadro, a proteção dispensada à autonomia privada

impõe o equacionamento do caso por meio de uma ponderação de interesses, de forma a ser efetivamente considerada a desigualdade ou não entre as partes – o núcleo

irredutível do princípio da autonomia privada não pode ser afetado.375

Igualmente é o posicionamento do Tribunal Federal do Trabalho da Alemanha que declarou não poder contrariar a ordem básica ou a ordem pública, os acordos, atos e negócios jurídicos de direito privado. A referida Corte decidiu, em um determinado julgado, que o comando de igualdade entre homens e mulheres, previsto no art. 3, (2),

da Lei Fundamental376, não se dirige exclusivamente às contratações do serviço

público, mas incide também no âmbito das relações privadas, cabendo sua observação

no momento da elaboração dos acordos salariais de categorias.377

A Constituição da África do Sul, promulgada no final do ano de 1996, prevê

expressamente, na seção 8. 2.378, a vinculação dos particulares aos direitos

372

CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 37.

373

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 538.

374

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1289.

375

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 229-230.

376

“Homens e mulheres têm direitos iguais. O Estado promoverá a realização efetiva da igualdade de direitos das mulheres e dos homens e empenhar-se-á pela eliminação de desvantagens existentes.”

377

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 165.

378

“A provision of the Bill of Rights binds a natural or a juristic person if, and to the extent that, it is applicable, taking into account the nature of the right and the nature of any duty imposed by the right.”

fundamentais, assim prevista: “As normas sobre direitos fundamentais vinculam as pessoas físicas e jurídicas se, e na medida em que, ela seja aplicável, considerando a natureza do direito e a natureza da obrigação imposta por lei.”

Na Espanha, o texto constitucional de 1978 é silente quanto à matéria, porém, segundo a doutrina majoritária (Tomás Quadra-Salcedo, Juan Maria Bilbao Ubillos, Pedro Veja Garcia, Antonio-Enrique Perez Luño e Rafael Naranjo de la Cruz), prevalece a teoria

da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. 379

Bilbao Ubillos atesta que “não se pode falar, em rigor, de uma doutrina do Tribunal Constitucional espanhol que defina com clareza a sua posição sobre esta matéria.”380 (tradução nossa).

Cumpre verificar a citação de Bilbao Ubillos quando diz que o Tribunal Constitucional espanhol tem acatado uma eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre privados, em especial no tocante as relações de trabalho:

Mas são muitas sentenças em que ele acabou por reconhecer implicitamente a eficácia de um direito fundamental dentro de uma concreta relação privada. O Tribunal Constitucional admitiu abertamente, desde o início, a eficácia entre particulares de certos direitos que são exercidos precisamente no campo das relações de trabalho, funcionando como um limite intransponível dos poderes de gestão e organização do empresário privado. [...] Neste âmbito, encontramos declarações inequívocas, como a contida na STC 88/1985 de 19 de Julho. Em um assunto que se discutiu a licitude constitucional de uma demissão pela empresa como uma sanção pelo conteúdo crítico das manifestações públicas, acerca do funcionamento da mesma, feita pelo trabalhador, a Câmara disse exatamente que "a celebração de um contrato de trabalho não implica em modo algum qualquer privação

Disponível em: http://www.info.gov.za/documents/constitution/1996/96cons2.htm#8. Acesso em: 31 maio 2012.

379

SARMENTO, Daniel. A vinculação dos Particulares aos Direitos Fundamentais no Direito Comparado e no Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, p. 222.

380

UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficacia frente a terceros de los derechos fundamentales en el ordinamiento español. In: MONTEIRO, António Pinto, NEUNER, Jörge, SARLET, Ingo (Orgs.). Direitos Fundamentais e Direito Privado: uma perspectiva de direito comparado, p. 192. “No puede hablarse, en rigor, de una doctrina del Tribunal Constitucional epanõl que defina con claridade su posición en esta matéria.”

para uma das partes, o trabalhador, dos direitos que a Constituição o reconhece como cidadão.”.381 (tradução nossa).

Ainda apregoa Ubillos que o Tribunal espanhol, na análise do art. 41.2 da LOTC, expõe que não cabe a interpretação de que só se é titular de direitos fundamentais e liberdades públicas nas relações com os Poderes Públicos, dado que em um Estado

Social de Direito, como consagrado no art. 1° da Constituição382, vigora o caráter geral

de um titular de tais direitos na sua vida social.383

Segundo o professor espanhol de Direito Constitucional Bilbao Ubillos384, existem

direitos fundamentais na Constituição espanhola cuja própria estrutura sugere a eficácia horizontal imediata, como os direitos à honra, à intimidade, à imagem e à liberdade de religião. Outros, contudo, em razão da sua natureza, vinculam tão somente o Estado. Bilbao Ubillos ainda afirma que na jurisprudência espanhola não faltam exemplos de direitos que demandam uma eficácia direta na ausência de previsão legal. Ele cita o direito à liberdade de expressão dos trabalhadores que, a

381

UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficacia frente a terceros de los derechos fundamentales en el ordinamiento español. In: MONTEIRO, António Pinto, NEUNER, Jörge, SARLET, Ingo (Org.). Direitos Fundamentais e Direito Privado: uma perspectiva de direito comparado, p. 192-195. “Pero son muchas las sentencias en las que ha acabado por reconover implícitametne la eficácia de un derecho fundamental en el seno de una concreta relación privada. El Tribunal Constitucional ha admitido abiertamente, desde un principio, la eficacia inter privatos de ciertos derechos que se ejercen precisamente en el ámbito de las relaciones laborales, operando como un limite infranqueable de las facultades de dirección y organización del empresario privado. [...] En este ámbito, encontramos afirmaciones inequívocas, como la contenida en la STC 88/1985, de 19 de julio. En un assunto en el que se discutia la licitude constitucional de un despido decidido por la empresa como sanción por el flerte contenido crítico de unas manifestaciones públicas, acerca del funcionamento de aquélla efectuadas por el trabajador, la Sala 1ª dijo exatamente que “la celebración de um contrato de trabajo no implica en modo alguno la privación para una de las partes, el trabajador, de los derechos que la Constitución le reconece como ciudadano”

382

Art. 1°, da Constituição lusitana: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”

383

UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficacia frente a terceros de los derechos fundamentales en el ordinamiento español. In: MONTEIRO, António Pinto, NEUNER, Jörge, SARLET, Ingo (Org.). Direitos Fundamentais e Direito Privado: uma perspectiva de direito comparado, p. 196.

384

UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficacia de los derechos fundamentales frente a particulares: analisis de la jurisprudência del Tribunal Constitucional.

despeito de não estar expressamente regulamentado nas leis trabalhistas, é aceito pela

jurisprudência do Tribunal Constitucional.385

Para Bilbao Ubillos, em virtude de não haver uma homogeneidade entre todos os direitos fundamentais, cumpre-se necessária uma análise de cada direito fundamental a fim de se atestar a existência e a extensão da eficácia horizontal. Para o referido autor, contudo, deve-se ponderar, caso a caso, o direito fundamental com a autonomia privada, o que poderá resultar em uma proteção diferenciada dos diretos fundamentais na ordem privada. A postura, do autor, é em prol de uma aplicabilidade imediata: “A solução de uma vigência imediata, assim entendida, parece uma resposta às exigências

da liberdade no momento presente.”386 (tradução nossa).

A Constituição da República Portuguesa de 1976 preceitua, expressamente, em seu art. 18.° 1., a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.” Segundo adverte José Carlos Vieira de Andrade, o preceito constitucional tão somente vincula as entidades

privadas, sem, contudo, dizer em que termos se processa essa vinculação.387 Prevalece,

assim, para a doutrina majoritária (J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Ana Prata e Cristina Queiroz), a aplicação da teoria imediata dos direitos fundamentais na ordem jurídica privada. Já doutrinadores como Paulo Mota Pinto388 e José Carlos Vieira de

385

UBILLOS, Juan María Bilbao. ¿ Em qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales? In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 273.

386

UBILLOS, Juan María Bilbao. La eficacia frente a terceros de los derechos fundamentales en el ordinamiento español. In: MONTEIRO, António Pinto, NEUNER, Jörge, SARLET, Ingo (Orgs.). Direitos Fundamentais e Direito Privado: uma perspectiva de direito comparado, p. 211. “La solución de la vigência imediata, así entendida, parece una respuesta a las exigências de la libertad en el momento presente.”

387

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 249.

388

PINTO, Paulo Mota. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado português. In: MONTEIRO, António Pinto, NEUNER, Jörge, SARLET, Ingo (Org.). Direitos Fundamentais e Direito Privado: uma perspectiva de direito comparado, p. 143-157.

Andrade389 preconizam por uma aplicabilidade imediata somente nos casos de desigualdade fática entre as partes e para se preservar o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Nos demais casos, apregoa-se por uma aplicação mediata dos direitos fundamentais, o que não significa dizer, porém, que “os particulares possam

impunemente violar os direitos fundamentais dos outros indivíduos.”390 Há de se

depreender que todos os atos de pura e simples violação do conteúdo essencial dos

direitos fundamentais são proibidos.391

No entendimento de José Carlos Vieira de Andrade, a vinculação direta dos direitos, liberdades e garantias aos privados, além de ser limitada às situações de poder, há de ser compreendida como uma vinculação gradativa, de forma que o juiz não pode deixar de ponderar os valores em jogo, levando-se em consideração o diferente peso

dos direitos e da liberdade no caso concreto.392

Conforme aduz Canotilho393, a Constituição de Portugal é fonte direta de regulação das

relações entre os cidadãos, tendo os direitos fundamentais validade erga omnes, aplicáveis às relações privadas, independentemente da mediação do legislador. Contudo, sua visão moderada lhe permite ponderar pela busca de soluções diferenciadas, de forma a harmonizar a tutela dos direitos fundamentais com a proteção da autonomia privada. Lembre-se, por oportuno, que esta visão moderada e a busca de soluções diferenciadas, de acordo com o caso concreto, também é preconizada por Paulo Mota Pinto.

389

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 251-253.

390

ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre