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Distinção entre regras e princípios

2.4 A dupla estrutura das normas de direitos fundamentais – regras e princípios –

2.4.1 Distinção entre regras e princípios

Dentro da concepção da teoria dos direitos fundamentais de Alexy, torna-se essencial a diferenciação entre regras e princípios, pois, para o autor, esta distinção “é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a

solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais”84; envolvendo

questões pertinentes a restrições a direitos fundamentais e colisões entre estes.

82

STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, p. 128-132.

83

: Segundo Wilson Steinmetz: “Um particular P1 que atenta contra o direito fundamental de um particular P2 nem sempre o faz no exercício de um direito fundamental.” STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais, p. 131

84

A problemática comum sobre a distinção entre princípios e regras dá-se quando se pensa na norma de direito fundamental como princípio – “isso ocorre, por exemplo, quando se fala em valores, objetivos”85e, por outro lado, quando se faz referência a norma de direito fundamental como regra, mormente quando o objetivo é dizer sobre a efetividade da Constituição – “faz-se referência às normas de direitos fundamentais

como regras quando se afirma que a Constituição deve ser levada a sério como lei.”86

Ademais, a visão das normas dos direitos fundamentais como regras e princípios, supera a concepção positivista de um sistema jurídico fechado, preso a um modelo de regras.87

A despeito de a distinção entre regras e princípios não ser nova, vigora ainda hoje a polêmica e a falta de clareza. Na conhecida visão do autor “tanto regras como princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição.”88

Há diversos critérios para se distinguir regras e princípios, sendo o mais utilizado o da generalidade, mediante o qual princípios são normas com grau de generalidade alto, ao passo que nas regras o grau de generalidade é baixo. Alexy elucida que “princípios e regras são diferenciados também com base no fato de serem razões para regras ou serem eles mesmos regras, ou, ainda, no fato de serem normas de argumentação ou

normas de comportamento.”89 Estes critérios deram fundamento a três teses

apresentadas por Alexy, acerca da distinção entre regras e princípios.

A primeira tese sustenta que, em razão da diversidade de critérios (o da determinabilidade dos casos de aplicação – Esser; o da origem, o da diferenciação entre normas criadas e normas medradas ou crescidas – Shuman e Eckhoff; o da

85

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 86.

86

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 86.

87

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, p. 181.

88

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 87.

89

explicitação do teor de valoração – Canaris; o da relação com a ideia do Direito ou com a lei suprema do Direito – H. J. Wolff e o da importância que têm para o ordem jurídica – Peczenik e Ziembinski)90 existentes, as tentativas de diferenciação das normas em duas classes estão fadadas ao insucesso. A segunda tese é exatamente aquela proposta pelos adeptos da diferenciação em razão do grau de generalidade. Já a terceira tese, que segundo o jurista é a correta, prevê que não existe apenas uma diferença de grau de generalidade entre regras e princípios, mas também uma diferença qualitativa.

A transcrição a seguir é decisiva na diferenciação entre regras e princípios, segundo a doutrina de Alexy, uma vez que trabalha os princípios como mandamentos de otimização, que devem ser realizados na maior medida possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes; ao passo que as regras, contendo determinações, são ou não satisfeitas. Veja-se:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isto significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.91

Canotilho92, por sua vez, traçou cinco critérios diferenciadores entre normas e

princípios. O primeiro diz respeito ao grau de abstração, mediante o qual princípios possuem grau de abstração elevado, enquanto as regras se apresentam com grau de abstração reduzido. O segundo critério refere-se ao grau de determinabilidade na

90

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 278.

91

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, p. 90-91.

92

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1159- 1162.

aplicação do caso concreto, uma vez que os princípios, por serem vagos, necessitariam de uma mediação do legislador ou juiz, ao passo que as regras são passiveis de aplicação direta. O terceiro critério baseia-se no caráter de fundamentabilidade dentro das fontes do direito: os princípios são normas estruturantes com posição fundamental e hierárquica dentro do ordenamento jurídico. O quarto critério refere-se à proximidade da ideia de direito em que princípios são standars juridicamente vinculantes radicados na ideia de justiça, e as regras, por sua vez, são normas vinculantes com conteúdo meramente formal. Por derradeiro, o quinto e último critério trata da natureza normogenética, mediante a qual os princípios são fundamentos de regras, constituindo a base do ordenamento jurídico.

Contudo, importante ressaltar que na doutrina prevalece a diferenciação entre regras e princípios, idealizada por Alexy, fundamentada em duas teses: tese fraca – atinente à distinção quantitativa, e tese forte – no tocante à distinção qualitativa.

Nessa concepção e conforme já elucidado acima, a tese fundamentada no grau de generalidade a distinguir regras e princípios não é suficiente, sendo então, designada por Alexy, como tese fraca. Por sua vez, a tese forte seria aquela pautada na diferenciação qualitativa entre regras e princípios, de tal sorte que o modo de aplicação de cada um deles seria suficiente a diferencia-los. Assim sendo, regras são diferentes de princípios na sua maneira de aplicação, uma vez que aquelas são aplicáveis na forma do tudo ou nada, fazendo com que a regra seja válida ou não no conflito do caso concreto, devendo ser aplicada exatamente nos exatos termos prescritos. Já os princípios, não apresentando mandamentos definitivos como as regras, mas tão somente obrigações prima facie, no confronto de interesses, aplicar-se-iam dentro do mecanismo da proporcionalidade, através de sopesamentos. Logo adiante ver-se-á mais detalhadamente o por hora consignado.

Por derradeiro, ainda nas digressões de Canotilho93, sendo os princípios normas jurídicas impositivas de uma otimização, eles são compatíveis com vários graus de concretização, diante das diversidades fáticas e jurídicas – a convivência dos princípios é conflitual em uma determinada circunstância. As regras, por sua vez, são normas que prescrevem imperativamente uma exigência, que é ou não cumprida – as regras são antinômicas. Enquanto os princípios coexistem, as regras se excluem. Consequentemente os princípios, ao instituírem exigências de otimização, proporcionam o balanceamento de valores e interesses, consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes. Já as regras obedecem à lógica do tudo ou nada e, diante de um conflito, elas não deixam espaço para nenhuma outra solução, pois se uma regra vale ela deve ser cumprida na medida de suas prescrições. Observe-se que as regras apresentam-se tão somente no âmbito da validade, enquanto os princípios suscitam problemas de validade e peso.