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O conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais

Conforme já afirmado alhures, há direitos fundamentais não previstos taxativamente na Constituição, mas reconhecidamente aceitos pela doutrina pátria como direitos fundamentais implícitos ou decorrentes.

Com fulcro nesse entendimento e com amparo no art. 5°, § 2°, da CRFB/88, em princípio, pode-se vislumbrar a existência de duas espécies de direitos fundamentais: os direitos formal e materialmente constitucionais, com assento na Constituição formal, e os direitos apenas materialmente constitucionais, sem previsão no texto constitucional; cabendo, ainda, ser referida uma terceira categoria existente para

alguns doutrinadores155, inclusive para Canotilho156, daqueles direitos apenas

formalmente fundamentais.

Vale realçar que é o conceito material dos direitos fundamentais que propicia a

abertura material157158 dos mesmos, sendo que o regime aplicado a estes direitos

154

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 76.

155

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 80-81.

156

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 539 e ss.

157

Segundo Alberto Ribeiro Mariano Júnior: “A doutrina majoritária defende que o bloco de constitucionalidade surgiu na França, a partir da decisão de 16 de julho de 1971, que elevou a liberdade de associação ao patamar de princípio fundamental. O bloco francês é formado pela Constituição de 1958, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, pelo Preâmbulo da Constituição de 1946 e pelos princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República, sendo as disposições constitucionais, direitos, liberdades públicas e direitos fundamentais expandidos. O bloco de constitucionalidade é o conjunto de normas de nível constitucional que tem o papel de ampliar o paradigma do controle de constitucionalidade. Tais normas, com nível constitucional, não necessariamente, precisam estar expressas na Constituição, uma vez que a Carta Magna deve ser interpretada em função da realidade. A existência do bloco de constitucionalidade possibilita o

fundamentais não expressos no texto constitucional deverá ser equivalente aos direitos fundamentais consagrados como tais pelo constituinte. A dificuldade seria, então, em se identificar quais os direitos, previstos em textos legais e internacionais, reuniriam as condições para serem considerados materialmente constitucionais.

A transcendental importância da dignidade da pessoa humana na ordem constitucional, designadamente na sua conexão com os direitos fundamentais, permite a construção de um conceito materialmente aberto dos direitos fundamentais. Isto significa que, além dos direitos e garantias expressamente reconhecidos como tais pelo constituinte, existem direitos fundamentais assegurados em outras partes do texto constitucional (fora do Título II), bem como direitos positivados nos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e direitos fundamentais implícitos, não expressos

diretamente pelo texto constitucional.159

Importa consignar que a abertura material do catálogo dos direitos fundamentais abrange tanto os direitos individuais de cunho negativo, dirigidos prima facie à proteção do indivíduo contra intervenções do Estado, assim como os direitos sociais, intérprete ampliar a circunferência das normas constitucionais através dos princípios fundamentados em tal bloco.” MARIANO JUNIOR, Alberto Ribeiro. Bloco de Constitucionalidade: consequências do seu reconhecimento no sistema constitucional brasileiro.

158

Segundo Canotilho: ”Todos os actos normativos devem estar em conformidade com a Constituição (art. 3º/3). Significa isso que os actos legislativos e restantes actos normativos devem estar subordinados, formal, procedimental e substancialmente, ao parâmetro constitucional. Mas qual é o escalão normativo de acordo com o qual se deve controlar a conformidade dos actos normativos? As respostas a este problema oscilam fundamentalmente entre duas posições: (1) o parâmetro equivale à constituição escrita ou leis com valor constitucional formal, e daí que a conformidade dos actos normativos só possa ser aferida, sob o ponto de vista da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, segundo as normas e princípios escritos na constituição (ou entre as leis formalmente constitucionais); (2) o parâmetro constitucional é a ordem constitucional global, e, por isso, o juízo de legitimidade constitucional dos actos normativos deve fazer-se não apenas segundo as normas e princípios escritos das leis constitucionais, mas também tendo em conta princípios não escritos integrantes da ordem constitucional global. Na perspectiva (1), o parâmetro da constitucionalidade (=normas de referência, bloco de constitucionalidade) reduz-se às normas e princípios da constituição e das leis com valor constitucional; para a posição (2), o parâmetro constitucional é mais vasto do que as normas e princípios constantes das leis constitucionais escritas, devendo alargar-se, pelo menos, aos princípios reclamados pelo espírito ou pelos valores que informam a ordem constitucional global.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 811-812.

159

SARLET, Ingo Wolfgang. Notas sobre a dignidade da pessoa humana na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel e SARLET, Ingo Wolfgang (Coords.). Direitos Fundamentais no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica, p. 56-57.

classificados como direito essenciais, direcionados a prestações positivas do Estado. No entendimento de Ingo Sarlet, está também pacificado na doutrina internacional a noção de que “a despeito da diversa estrutura normativa e de suas consequências jurídicas – ambos os grupos de direito se encontram revestidos pelo manto da

fundamentalidade.”160

Cite-se, a título ilustrativo, como abertura material do catálogo dos direitos fundamentais, o art. 5°, § 2°161, e os arts. 6°162 e 7°163, caput, da CRFB/88, em que, além de não limitarem posição no texto constitucional para os direitos fundamentais, deixam a possibilidade de abertura a outros direitos similares, sendo, desta forma, os dispositivos supracitados, um rol meramente exemplificativo e não taxativo, entendimento este, pacificado na doutrina nacional. Nesse sentido, e dentro da concepção da República Federativa do Brasil enquanto um Estado Social e Democrático de Direito, pode-se afirmar que os denominados direitos políticos e os direitos de cidadania também se encontram abrangidos pelo princípio da abertura

material dos direitos fundamentais.164

Veja-se, acerca do tema, o posicionamento dos professores de Direito Civil – Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Ruzyk:

Os direitos fundamentais não são tutelados apenas por conta de sua positivação constitucional: se assim fosse, o lugar da codificação estaria sendo ocupado por outro Código, mais amplo, consubstanciado na Constituição. O direito é instrumento para uma racionalidade que o antecede:

160

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 82.

161

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

162

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

163

“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:”

164

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 82-83.

a que enfatiza a necessidade de servir à produção e à reprodução da vida e a dignidade. 165

Desta forma, apresentando-se a Constituição como um processo permanente de aquisição de novos direitos fundamentais, e apresentando-se os direitos fundamentais como variáveis no espaço e no tempo, dentro de uma determinada circunstância, torna- se primordial a abertura do catálogo constitucional dos direitos fundamentais a direitos implícitos ou direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela

Constituição166, mormente quando tais direitos corresponderem às exigências do

sistema constitucional.