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Conflito de interesses na rádio: o espaço do mundo vital e o sistema colonizador

CAPÍTULO 3 A DEMOCRACIA DAS VOZES NAS RADCOMS: A BUSCA PELA RAZÃO COMUNICATIVA EMANCIPATÓRIA

3.4 Conflito de interesses na rádio: o espaço do mundo vital e o sistema colonizador

Nessa análise sobre os conflitos de interesse no espaço da rádio, Habermas trata de separar e caracterizar os dois tipos básicos de ação humana. Esses tipos foram pensados por Herbert Marcuse, mas em Habermas, tal conceito ganha a dimensão de interação e a constante incorporação de novas estratégias mecanicistas e racionais que fluem do sistema para o mundo da vida. O que Habermas observa são os conteúdos que perpassam os dois mundos e a qual vertente e tendência esta significação pertence, ao quadro institucional (mundo da vida) ou ao alastramento dos “[...] subsistemas técnicos de ação racional com relação afins [...]”.

As novas exigências interpretativas da realidade e a fluidez comunicativa exigem do filósofo não somente a deciframento ou decodificação dos processos ocultos, todavia agindo na construção de alternativas viáveis para o retorno e equilíbrio entre o mundo da vida e o sistema. O nó central da rádio comunitária é a impossibilidade de libertação e desvinculação com os poderes tradicionais tirânicos (político). Um dos desafios das ciências sociais e de suas pesquisas empíricas que percebem o sujeito refém desses processos ocultos de dominação, uma vez que é apresentado um “[...] sentido oculto de um ‘texto distorcido’ ou de uma comunicação sistematicamente estorvada [...]” e ao mesmo tempo, proporcionar o debate, a reflexão crítica, ou seja, a busca pelo sujeito emancipado que está encoberto pelos processos supressivos

sistêmicos.

A via de análise voltada ao mundo da vida deve prezar pela razão não reduzida, ou seja, pela opção que vise o empirismo de campo amplo e não reducionista, pois aqui, a linguagem assumiu esse lugar problemático, central e essencial para a resolução dos conflitos e contradições atuais. A opinião de Raimundo Nonato em Serra Redonda ratifica esta posição, pois:

A própria existência de uma rádio comunitária já é um recurso social muito importante e por mais fraca que seja a nossa rádio comunitária Sorriso, ela integra, ela envolve, ela faz a população ter mais um ponto de referência e nesse sentido é um instrumento de integração da comunidade e pode ser bem mais aperfeiçoada, aproveitada. (Raimundo Nonato, 62, conselheiro tutelar).

Os meios do dinheiro e da administração são inadequados para gerir a coordenação dos processos de reprodução cultural, de integração social e de sociabilização, pois suas estratégias atuam de forma generalizada e moralmente neutralizada. Tal efeito contribui para a perda da motivação das ações orientadas para o entendimento das multiplicidades locais e estruturação das identidades coletivas, o que fomenta o empobrecimento cultural, ou a uma coisificação das práticas comunicativas cotidianas.

O conceito de entendimento da ação comunicativa é construído por “[...] uma comunicação voltada para o consenso, [...] como uma troca pacífica de opinião e de informações entre participantes de uma determinada práxis social, portanto, como um processo social que se dá através da linguagem, tendo como referência certas estruturas da racionalidade [...]” (SIEBENEICHLER, 2003, p. 94). As falhas recorrentes no processo comunicativo são expressas pelos dados divergentes entre as opiniões do centro e do espaço rural discutidos no quarto capítulo.

O deslocamento de sentido ou a extinção da fala ideal é a morte anunciada do protagonismo social. A colonização do mundo da vida pelos da ação sistêmica passa a coisificar as dimensões da ação comunicativa transformando a relação direta sujeito/sujeito pela sujeito/objeto. Esta consideração pode ser confirmada pela fala da agricultora, Auréa Alves, na cidade de Alagoa Grande que na rádio comunitária há pessoas:

Contra a gente que somos agricultor, nós queremos o menino do sindicato de Alagoa Grande não pode ser uma voz na rádio, não pode falar pelo povo na rádia, porque ele não deixa, não deixe a participação do sindicato na rádia, é isso que nós queremos ter direito, nós queremos participar da rádia de Alagoa Grande (Auréa Alves, 63, agricultora).

Nesse ponto, a rádio passa a valorizar as relações do poder político e econômico em prol de uma “maior audiência” em detrimento aos programas artístico-culturais, dos

movimentos sindicais, negros. Ainda na cidade de Alagoa Grande, dois jovens estão preocupados com estes processos de encobrimento/silenciamento, principalmente cultural, como afirma o Gustavo Alexandre que:

A rádio deveria fazer menos politicagem, mas eu acho que a rádio deveria se desprender mais desse lado de politicagem e ter uma diversidade, uma abertura, porque aqui ela é tida como uma rádio comunitária e deveria ter um acesso mais democrático a população, inclusive a pessoas que sempre projetam um bloco musical diferente, mas é sempre assim, a rádio abraça, mas não ‘tá’ dando audiência, então vamos tirar o teu programa. (Gustavo Alexandre, 29, teatrólogo).

Sobre as tradições referentes à cultura negra daquele município, a jovem, Jéssica, afirma que a rádio comunitária deve divulgar melhor:

A parte cultural da cidade, mostrar os grupos que tem na cidade, a banda da cidade, tem na Caiana dos Crioulos um grupo de senhoras que tocam, é mostrar bem a cultura do pessoal daqui. (Jéssica, 17, estudante).

Os desafios na promoção de uma esfera pública mais democrática geram novos conflitos que buscam diretrizes e valores na promoção da qualidade de vida, igualdade de direitos, na melhor participação e na promoção dos direitos humanos (como o direito à voz), respeitando a ordem pública fundada no respeito à pluralidade das opiniões, como os sindicatos, professores, movimentos rurais e negros que possuem demandas, porém que são silenciadas.

Esse cenário que tende a uma perspectiva negativa, as vozes, a razão coletiva e demais apontamentos irão elencar os elementos necessários para uma guinada construtiva, com saídas precisas e funcionais para uma comunicação que vise à construção da fala ideal.

3.5 As fragilidades da emancipação do sujeito no espaço público: o reconhecimento