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CAPÍTULO 2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS FOCADAS NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS: NATUREZA E ESPECIFICIDADE

2.2 Esfera pública e a natureza da política focal

A decisão sobre o estilo de política social, se decidir sobre a universalidade ou focalização das políticas públicas é uma questão antes de tudo de justiça social. A universalidade vem atender a continuação das garantias dos direitos sociais. Em relação à política de focalização, a mesma é dividida em três braços (residualismo, condicionalidade e de reparação), utilizaremos neste momento, a noção de política pública focal reparadora, pois esta que tem sanar os problemas mais latentes nas comunidades tradicionais estigmatizadas.

A escola da universalização ou focalização enquanto processos de efetivação da justiça social no mundo contemporâneo envolvem duas esferas: uma do mercado e outra do Estado. A construção das políticas públicas sob as mãos do Estado como Bourdieu (1996, p. 122) afirma em “Razões Práticas: Sobre a teoria da ação”, nos diz que esta

3 Dados referentes à Associação estão disponíveis no:

http://www.ilmiobrasile.net/aacade/v.php?id=1124390906.php, acessado em 5 abr. 08.

4 Dados referentes à Comissão são encontrados em:

construção é uma forma de perpetuar “a monopolização (do Estado) do monopólio (mercado)” que mesmo nas gestões privadas dos recursos públicos, o Estado com aparente “neutralidade” e “desinteresse” estaria lucrando com esse processo de universalização e maximização, pois além de dar suporte à dinâmica do mercado (monopólio) acompanha de perto seus resultados (arrecadação), mas acaba por arcar os prejuízos decorrentes, implantando assim, as devidas ações reparatórias (ex.: seguro desemprego).

Tais ações reparatórias e suas especificidades conferem ao Estado o papel distributivo na alocação de recursos e “vantagens” sociais. Nessa liberdade de escolha promovida pelo Estado, o econômico tem sua eficiência maximizada e ao mesmo tempo irá retirar do Estado a gerência na alocação de recursos que passa a ser conduzida pela “lei de mercado” ou moldes capitalistas-financeiros.

Esse modelo de “deslocamento de competência” faz surgir um outro problema acerca das responsabilidades. No momento em que a economia gere os alocamentos de recursos, as falhas que surgem ao decorrer do tempo não são atribuídas às falhas no sistema econômico como um todo, entretanto a anomia sistêmica sempre volta a responsabilidade e as conseqüências ao indivíduo. Essa intervenção pública do Estado sanando os problemas (desigualdades do mercado) seria resultado das “[...] pré- determinações de chance de sucesso dos indivíduos [...]” (KERSTENETZKY, 2005, p.4).

A dissonância entre os indivíduos norteia a ações de justiça de mercado, que optam por uma política de focalização. Essa justiça é deturpada por um crescente processo de modernização econômico de extrema tecnicidade orientada pelo mercado, acelerando o processo de exclusão. Os argumentos pela focalização não se encerram na noção de local/pequena política pública que buscam somente a justiça social, mas também na possibilidade dessa política atingir problemas latentes específicos, como é o caso das comunidades tradicionais estigmatizadas.

É necessária uma melhor definição no que se tange uma política de focalização como ação reparatória, pois em Kerstenetzky (2005) esta ação focal visa:

[...] restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais – acesso que teria sido perdido como resultado de injustiças passadas, e virtude, por exemplo, de desiguais oportunidades de realização de gerações passadas que se transmitiram às presentes na perpetuação da desigualdade de recursos e

capacidades. Sem a ação/política/programa, focalizados nesses grupos

(comunidades tradicionais estigmatizadas), aqueles direitos são letra

morta ou se cumprirão apenas em um horizonte temporal muito distante [...]. (KERSTENETZKY, 2005, p. 8).

Se faz necessária grandes explanações sobre a não universalidade e acesso à educação pública de qualidade e as conseqüências desse dano à sociedade, focando a priori a problemática do objeto de estudo, as atenções se voltam para as questões referentes à universalidade das comunicações no Brasil. A noção de política focal voltada para a verdadeira universalização dos direitos cidadãos é uma concepção já esmiuçada por John Rawls.

A focalização como ação reparatória é a idéia central da “justiça como eqüidade” e esta justiça é expressa em dois nortes: um primeiro, define as liberdades básicas enquanto o segundo, visa a regular e corrigir as desigualdades sociais resultantes do primeiro norte, garantindo assim, uma “igualdade eqüitativa” de oportunidades e se possível segundo Bittar (2000) que:

[...] os dois princípios devem se incumbir de fazer com que todos participem da melhor forma possível das estruturas sociais de forma que a estrutura cooperativa da sociedade facilite a manutenção de uma sociedade organizada [...].(BITTAR, 2000, p. 217-8).

O equilíbrio dialógico se constrói pela necessidade da convivência harmoniosa e pacífica entre estes dois princípios (um que liberta e outro que controla), todavia observa-se no caso específico da inclusão das comunidades tradicionais na radiodifusão comunitária uma discrepância, pois há um excesso nas liberdades e que envolvem outro campo de disputa, que é o político.

O contraponto existente entre as de forças civis e políticas, a qual nível de desigualdade social poderá trazer instabilidade a democracia representativa? Ao passo em que a superação da desigualdade política no acesso dos menos assistidos ao poder é quase que missão impossível no processo de “democracia participativa”, resta-lhes então, a necessária política pública focalizada que objetiva os mínimos direitos sociais (habitação, água potável e luz). Alguns teóricos concordam que:

[...] a eficiência se beneficiaria da desigualdade. São as remunerações desiguais ao trabalho e à poupança que induzem as realocações de recursos que promovem eficiência. Porém, com efeito positivo das desigualdades, maior eficiência econômica, dinamicamente, se traduz

em crescimento econômico, que se traduz em emprego e renda, levando benefícios às pessoas mais pobres [...]. (KERSTENETZKY, 2006, p. 78).

A reação sistêmica descrita são voltadas para conseqüências à curto prazo, mas a longo, o Estado “[...] tem uma importante função complementar na distribuição de vantagens socioeconômicas”, estabelecendo então, o critério de “justiça social”. O mercado e a democracia são considerados formatos institucionais que maximizam a eficiência e a liberdade, e pelo qual o sujeito usufrui de certa independência.

A contaminação do “ethos social” com as influências do individualismo e do consumismo capitalista resultam muitas vezes no fracasso da cooperação nas políticas focais e por conseguinte na ineficiência e descaracterização da política pública, a exemplo do controle dos neocoronéis na rádio comunitária.