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CAPÍTULO 2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS FOCADAS NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS: NATUREZA E ESPECIFICIDADE

2.3 Construção e manutenção do neocoronelismo na rádio comunitária

A radiodifusão comunitária seria uma espécie de municipalismo eletrônico que aborda diversas estratégias de controle como o clientelismo, mandonismo e o patrimonialismo. Nesse ponto, passamos a discutir como os subsistemas de controle político se apropriaram das rádios comunitárias, destacando o trabalho de Santos (2006) que faz um percurso histórico deste processo.

A construção das rádios de pequena potência remonta os anos 1980. E nesse mesmo cenário, o governo militar concedia concessões a deputados e senadores de sua base política, exercendo assim, um melhor controle da censura. E esses mesmos políticos e empresários são os mesmo que ainda compõe as comissões legislativas que outorgam e regulam os meios de comunicação. Com a edição da Lei 9.612/98, o foco volta-se para o processo de construção da radiodifusão comunitária. A partir desse cenário neocoronelismo pode ser entendido como um sistema ou rede de relações entre os poderes locais e federais.

E o processo de manutenção dos poderes oligárquicos e manutenção das formas políticas clientelistas encontraram “solo” próspero nas cidades do interior do estado. Na presente pesquisa, tais municípios se encontram há uma hora ou mais da capital (João Pessoa), respectivamente, Alagoa Grande (110Km), Serra Redonda (140Km) e Santa Luzia (261Km). A centralização dos poderes dos coronéis teve início no período

colonial, naquele momento, os fazendeiros receberam patentes militares de autoridade estatal nas regiões de difícil acesso. A dependência dos trabalhadores rurais e da população local em relação aos grandes fazendeiros/coronéis, unidas às concessões de rádios comunitárias conferiu um novo papel a estes personagens, ora aqui, exercendo o papel de mediadores dos conflitos locais e seu controle.

O modelo de dependência política pelo “voto de cabresto” foi somente modificado com o novo sistema eletrônico e secreto de votação. Apesar da incorporação das novas ferramentas tecnológicas ainda não impediu a distribuição de pequenos favores e por questões éticas e morais de povos provinciais, e tais “favores” são retribuídos aos neocoronéis com o voto que funcionava também como “voto”de confiança. As crises dos modelos econômicos coronelistas arcaicos ( da cana-de- açúcar e do algodão) direcionaram seus campos de atuação e passaram a utilizar “[...] poderes alternativos à concentração econômica – o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto – como uma moeda para negociar sua sobrevivência no comando do poder municipal e o Governo Federal [...]” (SANTOS, 2006, p. 6). Quando o poder municipal era estabelecido, uma rede social de manutenção era criada e até a presente data, todos da cidade conhecem os nomes, famílias e vertentes políticas dos que controlam as rádios tomadas na presente pesquisa, mas este foco não foi abordado na pesquisa de campo, mas captada pela fala decorrente dos depoentes.

A manutenção dos poderes políticos na rádio ou no mundo da vida é explicada por Santos (2006) em quadros expositivos:

a) o detalhamento das lógicas clientelistas que transformou as outorgas municipais de rádio e televisão em moeda política no jogo federal; b) o deslocamento, na regulação do setor, da centralidade do interesse privado, em detrimento do interesse público, para a centralidade do interesse político e/ou religioso, local ou regional, em detrimento do interesse econômico global ou nacional; [...] d) a ausência de transparência sobre a estrutura de propriedade e de afiliação da radiodifusão. (SANTOS, 2006, p. 7-8).

Finalizando a conceituação de coronelismo, Santos (2006) denomina:

[...] de coronelismo eletrônico o sistema organizacional da recente estrutura brasileira de comunicações, baseado no compromisso recíproco ente o poder nacional e poder local, configurando uma complexa rede de influências entre o poder público e o poder privado

dos chefes locais, proprietários de meios de comunicação. (SANTOS, 2006, p. 8).

A autora em nenhum momento da sua construção teórica faz referência que o coronelismo eletrônico e suas formas de controle é, na verdade, uma das conseqüências negativas da invasão das forças políticas e administrativas (subsistemas) no mundo da vida (do coletivo, do solidário), teoria esta, construída por Habermas e melhor desenvolvida no terceiro capítulo.

Nesse ponto discursivo não se pretende lançar bases teóricas sobre os termos coronelismo, neocoronelismo eletrônico, clientelismo, etc., no entanto o de esboçar como a dominação destes subsistemas está desconstruindo a democracia das vozes da radiodifusão comunitária e apontar algumas soluções para este problema.

Uma das conclusões que Santos (2006) vislumbra é que a perda dos poderes políticos e a independência da população dos favores dos neocoronéis estão condicionadas a reformulação da estrutura agrária. O coronelismo é uma prática contínua e que se reformula com a inserção dos meios de comunicação.

O pensamento de Santos (2006, p. 18) entra em contradição quando “as empresas de comunicação controladas pelos coronéis não atendem às lógicas usuais de mercado. Os veículos de comunicação sob sua influência são financiados por anúncios publicitários governamentais e os veículos de comunicação governamentais sob sua gestão pelas verbas públicas”.

O que se observou na pesquisa de campo é que tanto a rádio comunitária e a comercial é a ascensão do mundo privado no controle financeiro da radiodifusão, mais da metade dos anunciados e apoios culturais são dos comerciantes e grandes lojões varejistas (Armazém Paraíba, Insinuante, Lojas Maia, etc.). A rádio comunitária assume o discurso lógico de quem as financia.

A radiodifusão na atualidade ocupa o lugar da terra por conta da centralidade midiática nas sociedades ditas “[...] pós-modernas”, e esta dominação destes meios de comunicação nas esferas locais públicas “é uma barreira à prática de cidadania no país[...]” (SANTOS, p. 20).

A burocratização do acesso dos sindicatos, associações comunitárias, comunidades negras configura uma privação que é: “[...] tão cruel, pois um homem privado da informação continua a ser, de algum modo, escravo, pois escravo é todo

aquele que não pode se apresentar diante do outro como verdadeiro cidadão. E cidadania não há sem acesso à informação”. (SANTOS apud RAMOS, 2006, p. 21).

A falta de controle desse subsistema que atua de forma crescente e anômica é explicada pelo:

[...] difícil acesso do Estado em fazer-se presente nas distintas regiões, segundo, num sistema de comunicações que historicamente privilegia interesses comerciais, em prejuízo do interesse público, pequenos municípios em regiões inóspitas têm pouco ou nenhum valor de interesse e finalmente pela ‘necessidade de reportar-se ao governo federal para oferecer serviços de comunicações facilita a troca de favores entre o governo federal e os coronéis’. (SANTOS, 2006, p. 22).

Uma das soluções também apontadas por Santos (2006) citando Graham Murdock está no:

[...] papel das comunicações em se conectar com o sistema produtivo, baseado na propriedade privada, ao sistema político que pressupõe uma cidadania cuja participação social efetiva depende, em parte, do acesso à maior gama possível de informação. O problema estaria em equacionar como um sistema de comunicações dominado pela propriedade privada poderia garantir a diversidade de informação requerida para uma cidadania efetiva’ (SANTOS apud MURDOCK, 2006, p. 22).

O que se verifica neste quadro expositivo que o controle dos coronéis da radiodifusão foi conseqüência da descentralização de poderes do governo central para os locais. A mudança de paradigma e retomada da função social da rádio comunitária será possível no momento e que a rearticulação dos segmentos excluídos possam exercer pressão contra o subsistema dominante, trata-se da retomada dos princípios norteantes do mundo da vida objetivando o interesse público nas concessões comunitárias.

2.4 A comunicação e o interesse público: o problema da burocracia nas concessões