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3 ARBITRAGEM DE CONFLITOS PELO USO DE RECURSOS HÍDRICOS

3.1 CONFLITOS AMBIENTAIS ASPECTOS CONCEITUAIS

Vai-se tomar a definição de conflitos ambientais de Acselrad et al (apud BREDARIOL, 2001), que os entendem como conflitos sociais na disputa pela apropriação do meio ambiente comum, opondo-se o interesse público e interesses privados. Para estes autores, o conflito sócio-ambiental expressa uma luta de

interesses opostos, que disputam não apenas o controle dos recursos naturais e o uso do meio ambiente comum, mas também, a apropriação de benefícios de investimentos públicos e a distribuição desigual dos impactos ambientais de empreendimentos públicos ou privados.

Pode-se caracterizar conflito como a situação na qual as partes envolvidas têm interesse no mesmo objeto, não havendo, no entanto, como atender simultânea e plenamente os interessados da maneira como pretendem, devendo (na forma ideal) o objeto da questão ser partilhado de forma cooperativa. Por sua vez, compreende-se disputa como a manifestação do conflito, isto é, quando o conflito se materializa em um determinado cenário. A bem da verdade, os conflitos só podem existir onde existe a presença humana já que a criação da realidade, como é concebida, é fruto da própria existência.

Deve-se considerar também que o grau de antagonismo entre interesses públicos e privados sofre variações significativas dentro do contexto de cada conflito que também pode ser de alcance local, regional, nacional ou internacional.

Para França (1977, p. 79), “o conflito de interesses pressupõe, ao menos, duas pessoas com interesse pelo mesmo bem”. Para este autor, o interesse é a razão entre o ser humano e os bens, às vezes maior, às vezes menor, podendo-se medir o interesse da posição de cada ser humano em relação a um bem conforme sua necessidade deste bem. Como se vive em sociedade, surgem as necessidades de cada um e de cada grupo, falando-se, assim, em direitos individuais e coletivos.

De modo geral, situações de conflitos envolvem duas partes que polarizam posições reais ou aparentemente incompatíveis com relação a determinado assunto. Pode ocorrer, e é bastante comum, que cada parte seja composta por diversos interessados que compartilham a mesma posição, porque políticas de participação pública demandam que os debates sejam ampliados para fortalecer a legitimidade das decisões. Esta ampliação tem como uma das suas conseqüências um acréscimo de elementos aumentando as variáveis até então consideradas, o que naturalmente eleva o grau de complexidade das situações. Surgem, então, espécies de relações jurídicas diferenciadas dos tradicionais esquemas em que temos dois lados envolvidos em uma disputa. Para Canotilho (1994), essas são as relações jurídicas multipolares ou poligonais.

Como o próprio nome indica, nas relações poligonais ou multipolares, não existe um esquema referencial binário – de um lado os poderes públicos administrativos e, de outro, um cidadão (particular), ou vários cidadãos com interesses idênticos – antes se perfila, do lado dos particulares, um complexo multipolar de interesses diferentes ou até contrapostos. Estas relações desenvolvem-se em vários domínios, mas adquirem um relevo significativo em áreas específicas do meio ambiente. Quais são os traços estruturais destas relações jurídico-administrativas multipolares ou poligonais? Crê-se que, ainda hoje, são válidas as dimensões caracterizadoras salientadas por Rudolf Steinberg (apud CANOTILHO, 1994) programação legal relativamente tênue, complexidade de situações e tarefa de avaliação de riscos apelativos de conhecimentos técnico- científicos, pluralização e interpenetração de interesses públicos e privados, e legitimidade de intervenção dos interessados no ato procedimental praticado pela administração.

Uma das principais causas dos conflitos ambientais é a escassez de recursos frente à demanda. Entretanto, não se deve atribuir a condição de não atendimento às necessidades humanas por parte da natureza nem à causa dos conflitos pelos recursos, mas a práticas milenares nascidas, pode-se dizer, da espécie humana de imposição da vontade de um sobre o outro pela força, e da não sustentabilidade do modelo econômico atual.

A respeito dos conflitos pelo uso dos recursos naturais vale citar Ribeiro (2004, p. 28), que usa a questão do petróleo como exemplo de origem de disputas:

O petróleo é um exemplo. A disputa por esse recurso gera guerras e uma série de violências. A água também hoje, em muitas regiões do mudo, já é motivo de disputas que às vezes, se degeneram em violência, ou então em apropriação pelo uso da força. Então, cada um dos elementos da natureza está sendo pressionado por essa voracidade do consumo, e isso traz esses problemas de disputa de interesse, de conflitos e, eventualmente, de violência. A cultura da paz, ou melhor, a construção de uma cultura da paz pode ajudar as pessoas a se relacionarem de uma forma mais harmoniosa, menos violenta com a natureza. Hoje, vejo que a gestão ambiental está relacionada à gestão de conflitos, e cada vez que você precisa gerenciar um conflito para que ele seja resolvido de forma não violenta pode-se utilizar a cultura da paz.

Segundo o Informe da ONU sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Mundo, deve-se considerar o fato de que resolver a crise da água é, sem dúvida, resolver apenas um dos diversos desafios com os quais a humanidade se defronta neste terceiro milênio. A crise da água deve ser situada em um contexto

mais amplo de solução de problemas e de resolução de conflitos, tal como indicou a Comissão sobre o Desenvolvimento Sustentável (UNESCO) em 2002:

Erradicar a pobreza, mudar os padrões de produção e consumo insustentáveis e proteger e administrar os recursos naturais do desenvolvimento social e econômico constituem os objetivos primordiais e a exigência essencial de um desenvolvimento sustentável. (UNESCO, 2002, p. 4).

Ainda assim, de todas as crises, quer de ordem social, quer relativas aos recursos naturais, a da água é a que se encontra no âmago de nossa sobrevivência e de nosso planeta (UNESCO, 2002).

Um dos objetivos, aqui, é o de deixar claro que o modelo atual de sociedade que perpetua a relação de domínio do ser humano sobre a natureza e entre as pessoas e sociedades é a principal causa do surgimento de todo tipo de conflitos.

Para minimizar conflitos e harmonizar a convivência entre os indivíduos de uma sociedade e mesmo entre sociedades diversas existem, entre outros instrumentos, as leis. Elas estabelecem maneiras de conduta e penalidades, e representam, nas democracias, o desejo de seu povo expresso na forma de políticas públicas.

Segundo Bredariol (2001), o conceito que se tem de política pública é, normalmente, o de um conjunto de ações de organismos estatais que visam à solução dos problemas da coletividade. Entretanto, quando se analisa qualquer política pública, percebe-se que outros atores sociais e políticos, além do Estado, participam de sua formulação e/ou de sua execução.

Para Abreu (1993) as políticas públicas caracterizam-se como mediações político-institucionais entre as relações dos diversos atores do processo histórico e social nas suas diversas dimensões (econômica, política, cultural etc.), sendo implementadas pelos atores políticos através das instituições públicas.

Bredariol (2001) lembra que não se deve confundir política pública com política governamental, já que esta se expressaria nas ações do poder executivo através de suas instituições. Também não se pode confundir política pública com política de governo, porque esta se refere a um mandato eletivo, enquanto aquela pode atravessar diferentes mandatos.

Assim, pode-se afirmar que a Lei nº 9.433/97 representa uma política pública resultante da negociação que se desenvolveu ao longo de um período no qual foi debatido junto à sociedade o texto legal referente aos recursos hídricos. Esta

lei cristalizou anseios sociais e viabilizou a criação de um espaço destinado à discussão e tomada de decisões em nível local, isto é, em nível de bacia hidrográfica. Este espaço é o Comitê de Bacia Hidrográfica, chamado por muitos autores de “Parlamento” ou “Fórum das Águas”, devido a seu caráter de órgão colegiado, isto é, com representação, o mais ampla possível, dos diversos segmentos da sociedade interessados na gestão dos recursos hídricos.

Como se viu em dezembro de 2003, na disciplina Gestão de Recursos Hídricos do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Regional de Blumenau (FURB), a gestão descentralizada e participativa – um dos fundamentos da PNRH - é um processo de negociação entre os diferentes atores, que tem por fim compatibilizar interesses e alcançar objetivos comuns na bacia hidrográfica para alcançar, dentre outros objetivos, a redução de conflitos pelo uso da água.

3.2 CONFLITOS PELO USO DE RECURSOS HÍDRICOS - ASPECTOS