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CAPÍTULO II CONFLITOS: INTERAÇÕES SOCIAIS

2.1 CONFLITOS

Os atores envolvidos influenciam muito na forma como um conflito se desenvolve, pois de acordo com sua posição, sua interação com outros atores e a forma como defendem seus

interesses, os atores sociais dão legitimidade ao conflito. O fundamento da legitimidade vem do fato de que a percepção da realidade é diversa, variável de uma pessoa para outra.

Apesar das distintas percepções individuais, os interesses podem ser os mesmos e a partir da identificação entre os atores, surgem alianças e coalizões. Deve-se ter em mente que as alianças e coalizões não são estáticas, durante a evolução do conflito, as posições dos distintos grupos de atores podem mudar de tal forma que antigos aliados se tornem inimigos ou vice-versa (ASSAD, 2002). Assim, Theodoro et al (2005) assinalam a importância de compreender as intenções e posições de todos os atores sociais envolvidos para entender um conflito em sua totalidade.

Ao falar de conflitos torna-se importante citar as diversas vertentes que os definem. Segundo George Simmel (197330 apud NASCIMENTO, 2001), os conflitos são formas de interação social indispensáveis à organização e construção da sociedade. São indispensáveis porque é por meio deles que os atores sociais se associam e extinguem suas divergências, interesses antagônicos e pontos de vista conflitantes formando uma unidade.

Por isso, a missão do conflito é resolver os dualismos divergentes para reconstruir a unidade que existia antes. Para o autor, todo conflito se baseia na teoria das relações sociais: ou os atores constituem a unidade e a defendem ou agem contra ela, mas todos participam dessas duas formas de interação (MORAES FILHO, 1983). É o que afirma o autor quando diz que os conflitos nem sempre conduzem à conciliação, podendo, por vezes, ser responsáveis pela desagregação. Mesmo assim, não podem ser negados, esquecidos ou interpretados com conotação negativa, pois sua base é a sociação31, que é a base das relações humanas.

Simmel afirma que a sociação é a base das sociedades humanas porque é a forma pela qual os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Isto quer dizer que cada indivíduo defendendo seu interesse sozinho não pode ser considerado ator social, já a interação entre os que têm os mesmos interesses é que os tornam atores sociais (MORAES FILHO, 1983).

Para Dahrendorf (195732 apud LALLEMENT 2004)) os conflitos são causados pela desigual distribuição de autoridade entre pessoas e grupos, pois priva muitos indivíduos à reivindicação de seus direitos. Assim, o autor afirma que para moderar o surgimento e a intensidade dos conflitos, existe necessidade de estabelecer mecanismos ligados à democracia (órgãos parlamentares de negociação, instituições de mediação e arbitragem) e política

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SIMMEL, G. Conflito e estrutura de grupo. São Paulo: Ática, 1983. 31

O termo sociação é tratado pelo autor como antônimo de dissociação. Os fatores de dissociação são as causa do conflito (ódio, inveja, necessidade, interesse, desejo).

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(representação dos interesses coletivos). Isso porque foi demonstrado que os sindicatos e associações patronais ao longo da história industrial, antes de recorrer a manifestações violentas, passaram a se reunir para discutir suas reivindicações, recorrer a mediadores e árbitros. A conclusão é que ao se organizarem para a defesa de seus interesses, tais atores puderam fazer mudanças que favoreceram o surgimento de uma regulamentação pacífica de conflitos.

Dessa forma, pode-se considerar que foi com o surgimento da diplomacia, descrita por Dahrendorf em 1957, que se desenvolveram novas formas de tratamento e resolução de conflitos, pois antigamente, os conflitos eram solucionados por meio do confronto seguido da eliminação de uma das partes (THEODORO et al, 2005).

Conforme se desenvolve o conflito, a tendência natural é a busca por sua resolução. Lallement (2004) afirma que a resolução de conflitos constitui peça crucial para manter a coesão social, pois sem a resolução pode-se chegar a um estado caótico.

Deve-se ressalvar que ponto crítico da aplicação da teoria social é o uso do termo “resolução de conflitos”, pois, segundo Barbanti Jr (2002), dificilmente os conflitos sociais são de fato resolvidos. O que ocorre na imensa maioria das vezes, conforme descreve Northup (198933 apud BARBANTI JR, 2002) é que o termo é utilizado para o acordo das partes em litígio. Admitida a ressalva, assumimos que ao dizer que um conflito foi resolvido, estamos tratando de acordo entre os atores.

A cultura do diálogo e da participação de todos os envolvidos (ou de seus representantes) é ferramenta fundamental para o alcance de acordo sobre os pontos a serem negociados.

Destarte, para evitar a proliferação ou a explosão de conflitos, recomenda-se que durante o processo de gestão seja assegurado espaço para diálogo dos atores envolvidos, o fortalecimento da participação desses atores e a efetividade das ações do Estado no planejamento, monitoramento e fiscalização das atividades de acesso sobre o recurso. Assim será posta em prática a conciliação, a participação e a co-responsabilidade dos atores envolvidos.

Da mesma forma que várias vertentes conceituam conflitos de forma diferente, os conceitos de conflitos socioambientais e ambientais também apresentam vertentes diferentes. Tais vertentes não têm caráter de negação e sim, de complementaridade. Schmitz (199234 apud

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NORTHRUP, T.A. The Dynamic of Identity in Personal and Social Conflict. In.: NORTHRUP, T.A. et al. (eds). Intractable Conflicts and Their Transformation, Syracuse University Press, 1989.

34 SCHMITZ, Marc. Les conflits verts: apercu general sur la menace de l´an 2000. In: Lês conflits verts: la détérioration de l'environnement, source de tensions majeures. Collection GRIP-informations nº22. Bruxelles, GRIP, 1992.

VIANA, 2005) entende os conflitos socioambientais dentro da perspectiva de conflitos verdes, ou seja, da disputa pelos recursos naturais essenciais. Para o autor, os conflitos são formados pela combinação de aspectos físicos referentes aos fenômenos naturais e outros conflitos que lhe são intrínsecos, como os sociais, econômicos, históricos, nacionais, étnicos, raciais e religiosos.

Little (2001) avança na noção de disputa e a define como um impasse entre grupos sociais pelas formas como se relacionam com seu meio ambiente. Assim, os conflitos socioambientais são definidos como “disputas entre grupos sociais derivadas dos distintos tipos de relação que eles mantêm com seu meio natural”. Em trabalho posterior, Little (2003) descreve três tipos de conflitos socioambientais: (1) conflitos em torno do controle sobre os recursos naturais; (2) conflitos em torno dos impactos (sociais ou ambientais) gerados pelas ações humanas e (3) conflitos em torno de valores e modos de vida.

Para a Fundação Futuro Latinoamericano – FFLA (200835 apud ASSAD; LITRE; NASCIMENTO, no prelo) conflito socioambiental é “um processo de interação coletiva caracterizado por uma dinâmica de oposição e controvérsia entre grupos de interesses, resultante de suas incompatibilidades, reais ou percebidas, em torno do controle, uso e/ou acesso ao ambiente e seus recursos”.

Barbanti Jr (2002) não concorda com a nomenclatura utilizada sobre conflitos ambientais e socioambientais. O autor diz que a caracterização de um conflito como sendo “ambiental” implica em um recorte que o exclui de outras categorizações. O problema é que a “questão ambiental” pode envolver questões agrárias, trabalhistas, e de gênero, além de outras várias. O autor se posiciona a favor de uma terminologia como “conflitos sociais e meio ambiente”, procurando uma compreensão teórica mais ampla das características essenciais desses conflitos sociais.

O que se observa é que cada autor sistematiza de forma um pouco diferenciada o mesmo conceito, mas todos convergem para a necessidade de gestão participativa e negociada dos recursos naturais para solucionar questões ambientais (VIANA, 2005).

Independente da definição adotada, Nascimento (2001) aponta a necessidade de avaliar o conjunto de elementos que caracterizam o conflito para que se possa compreender sua evolução e intensidade. Dessa forma, estudar o conflito é tentar explicar a lógica do sistema (funcionamento) e a lógica de sua história (como se desenvolveu o conflito) (BIRNBAUM, 1977).

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FFLA – Fondo de Respuesta para a América del Sur – Una experiencia para la construcción de mecanismos de respuestas temprana a conflictos socioambientales en América Latina. Quito: FFLA, 82pp. 2008.

É importante salientar que os conflitos devem ser analisados sob diferentes ópticas, já que algumas variáveis estão atreladas às mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais, intrínsecas à conjuntura nas quais os conflitos se desenvolvem (BARBANTI JR, 2002). Além disso, deve-se estudar seu histórico, pois a produção de alianças, adesão a valores, criação/redefinição de identidades não é estática, é processual (ALONSO & COSTA, 2002).

Os elementos definidores listados por Nascimento (2001) são:

1. Natureza: os conflitos podem ser de diversas naturezas, como econômica, política,

social, ambiental, cultural, doméstica, de gênero, ética, ideológica, local, nacional, internacional, entre outros. Cada uma dessas naturezas predomina em épocas ou espaços diferentes.

2. Atores sociais: indivíduos, grupos ou organizações de identidade própria e

reconhecidos por outros, com capacidade de modificar seu ambiente de atuação. Alonso & Costa (2002) afirmam que o próprio processo conflitivo constitui os agentes, possibilitando a formação de novas identidades, inexistentes no início do processo.

Os atores podem ter interesses, sentimentos, percepções e racionalidades distintas e se posicionar de várias maneiras no embate (NASCIMENTO, 2001):

Promoção: quando estão dispostos a se movimentar com todos os seus recursos para

que haja um determinado desfecho;

Apoio: quando têm uma posição favorável a determinadas iniciativas ou desfecho, mas

não estão dispostos a se jogar com todas as suas forças no processo;

Neutralidade: quando por alguma razão não tem ou não querem assumir posição

favorável a qualquer das partes em disputa;

Oposição: quando se colocam contra determinadas iniciativas ou desfecho do conflito,

mas não estão dispostos a utilizar todos os seus recursos;

Veto: quando utilizam todos os seus recursos possíveis para impedir que o conflito

caminhe em determinada direção.

3. Campo específico: espaço em que se trava a disputa, local de movimentação dos

atores, pode ser um território geográfico ou social (cultural, político-institucional, entre outros). Se o campo for geográfico, Little (2001) cita suas escalas de acontecimento como local, regional, nacional, continental ou global.

4. Objeto em disputa: são bens ou recursos escassos ou vistos como tais, podendo ser

material (riquezas, posse de bens materiais) ou simbólico, divisível ou indivisível, laico ou profano, real ou irreal. Na maioria das vezes o objeto de um conflito é ideológico (idéias e ideais), poder (política), valores (moral), religioso (crença) ou status (reconhecimento).

5. Dinâmica de evolução: cada conflito segue uma lógica distinta, apresenta uma

evolução específica e uma forma peculiar de se manifestar. Podem ser rápidos ou longos, intensos ou parcimoniosos, agudos ou crônicos.

6. Mediadores: presenciam o conflito sem ter interesse sobre ele. O mediador não pode

entrar no mérito da questão, dar sugestões, apontar erros e mostrar com quem está a razão (THEODORO et al, 2005).

O facilitador se diferencia de um mediador por não intervir diretamente no processo de diálogo entre atores. Ele apenas analisa o conflito e suas relações sociais existentes e dirige o processo de criação de um espaço de diálogo entre os envolvidos, enquanto o mediador executa ou coordena o diálogo entre esses atores ou grupos de atores (ASSAD; LITRE; NASCIMENTO, no prelo). Os observadores exercem o papel de monitorar o processo. Eles avaliam a forma como o processo está sendo desenvolvido e como está sendo efetuado o canal de interlocução.

7. Tipologia: os conflitos podem ser classificados. A tipologia mais famosa advém da

teoria dos jogos, na trilogia luta, jogo e debate. As tipologias são diversas e mudam de acordo com muitos critérios, como tipos de atores, natureza dos conflitos, objeto ou campo teórico. Nascimento (2001) cita o exemplo da tipologia construída a partir da natureza dos atores, que divide os conflitos em simples ou complexos. Os conflitos simples são os que envolvem atores da mesma natureza, como os conflitos intra-indivíduos, conflitos entre grupos sociais, organizações ou entre Estados. Os conflitos complexos reúnem atores distintos, como o conflito entre um indivíduo e um grupo social ou entre um grupo e uma instituição ou de grupos contra Estado.

Quando construída a partir da natureza do conflito, a tipologia advém das formas de tratamento de conflitos. De acordo com Little (2001) o tratamento pode ser confrontação e repressão; negociação/mediação, diálogo/cooperação e; manipulação política pouco conflituosa.