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Conflitos constitucionais como antinomias em concreto?

No documento Conflitos entre normas que se intercetam (páginas 73-76)

Capítulo III. Conflitos Normativos

3.3 Conflitos entre Princípios

3.4.2. Conflitos constitucionais como antinomias em concreto?

Incutiu-se na doutrina que os conflitos constitucionais são conflitos que apenas são apreendidos através a ocorrência do caso concreto. Deste modo, devido às caraterísticas únicas das normas constitucionais e, consecutivamente, dos conflitos envolvendo estas normas, a ideia de que os conflitos constitucionais se integram no âmbito dos conflitos em concreto tornou-se praticamente uma certeza dentro da comunidade jurídica. Contudo, nos últimos tempos, esta perspetiva tem vindo a ser criticada, na tentativa de demonstrar que os conflitos constitucionais podem ser captados de forma abstrata. Nesta corrente doutrinal, o autor espanhol David Martínez Zorrilla elaborou uma interessante tese, onde tenta demonstrar que os conflitos constitucionais são capazes de serem apreendidos sem a necessidade da ocorrência de um caso concreto.

Como vimos anteriormente, Martínez Zorrilla procede a uma divisão dos conflitos normativos em três categorias distintas. Portanto, para o autor espanhol, os conflitos constitucionais enquadram-se na categoria de conflitos contextuais. Estas inconsistências lógicas são produzidas sempre que a mesma ação individual é subsumível sob dois ou mais ações genéricas, logicamente independentes, que são deonticamente modalizadas de maneira incompatível153.

Para entender o pensamento deste autor é necessário proceder a uma distinção entre ações gerais e individuais. Assim, as normas jurídicas regulam ações genéricas através da através da atribuição de carater deonticos, proibição,

151 GUASTINI, Riccardo. Interpretare E Argomentare. Milano: Giuffrè, pág. 107. 152 Ibidem.

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permissão e obrigação. Contudo, para que esta ação genérica ser executada é necessária que se observe uma ação individual. Para ilustrar esta distinção de ações, podemos recorrer a um exemplo: quando uma norma prescreve a obrigação de pagamento de um certo imposto, esta norma refere-se a uma ação genérica, porém quando um individual, por exemplo o António, paga 75 euros de imposto, esta situação já é considerada uma ação individual.

Martínez Zorrilla utiliza esta divisão de ações e aplica aos direitos fundamentais. Destarte, o direito fundamental à liberdade de expressão ser interpretado, pelo menos como uma permissão para a ação genérica de expressar sua própria opinião, enquanto que, por exemplo, escrever um texto dando a sua opinião sobre a situação política do país enquadra-se numa ação individual, que também esta é permitida. Recorrendo agora ao direito fundamental da honra e bom nome, este pode ser considerado como uma proibição de prejudicar a imagem ou a projeção de um certo individuo, sendo, portanto, uma ação genérica. Também este princípio apresenta ações individuais, que também serão consideradas como proibições para terceiros. Nesta perspetiva, uma ação individual ser parte integrante de duas ações genéricas. Aproveitando, novamente, os direitos fundamentais utilizados anteriormente, podemos concluir que a ação individual de expressar a sua opinião, referindo que um político é desonesto e vigarista, faz parte tanto das ações genéricas referentes aos direitos fundamentais de liberdade de expressão e direito à honra e bom nome. Desta forma, esta ação individual será, simultaneamente, uma permissão e uma proibição.

Desta forma, sempre que duas normas são simultaneamente aplicáveis, porque a mesma ação individual é uma instância de duas ações genéricas diferentes que são qualificadas por aquelas normas com categorias deontológicas discordantes, na situação anteriormente vista, uma permissão e uma obrigação, então necessariamente, por razões lógicas, surgirá um conflito154. Ao contrário dos outros conflitos distinguidos por Martínez Zorrilla, os conflitos contextuais, onde figuram os conflitos constitucionais, são conflitos onde duas normas compatíveis, e logicamente consistentes, visto que regulam duas ações genéricas independentes. Todavia, como uma ação individual, ou

154 MARTÍNEZ ZORRILLA, David, The Structure of Conflicts of Fundamental Legal Rights. 2011 - Law and Philosophy 30 (6), pág. 738.

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seja, o facto real, que pertence a duas ações genéricas surge um conflito, apenas por razões lógicas. Logo, este conflito normativo, devido às suas caraterísticas ímpares, merece uma categoria de conflitos normativos própria, sendo possível concebível como conflitos em abstrato155.

A linha de pensamento de Martínez Zorrilla mostra-se muito relevante, trazendo para a discussão desta temática argumentos de grande valia. Todavia, no nosso entender, esta teoria apresenta certos obstáculos que devem agora ser expostos.

Primeiramente, a premissa inicial de que as ações podem ser divididas em ações genéricas e ações individuais, parece-nos a mais correta para representar os direitos constitucionais. Como foi possível observar na tese de separação de Pedro Moniz Lopes, os princípios, como ações genéricas, apresentam inúmeras ações específicas, recorrendo à terminologia apresentada pelo autor português. Portanto, observa-se, neste ponto, uma certa concordância entre teorias. Porém, Martínez Zorrila parece não dar a devida atenção às ações individuais, uma vez que na sua formulação, a obtenção destas ações aparentam ser de simples acesso. E aqui é que surge o primeiro obstáculo, uma vez que as ações individuais, ou específicas, não são tão acessíveis como possa aparentar. Como foi possível apurar, no capítulo anterior, as ações específicas, presentes nas ações genéricas, são de uma dimensão considerável. Assim, uma ação genérica pode ser constituída por uma vastidão de ações específicas, que nem sempre são possíveis de determinar. Este facto, deve-se à genericidade presente no antecedente dos princípios. Deste modo, a apreensão de forma abstrata do conflito está dependente da possível determinação das ações específicas dos princípios. Portanto, como foi mencionado anteriormente, não é possível ter acesso e determinar todas ações incluídas dentro das ações genéricas. Devido à estrutura disjuntiva inclusiva dos princípios, que permite a presença de inúmeras ações específicas, não é possível catalogar de forma absoluta todas estas ações. Desta forma, a verificabilidade do conflito constitucional de forma abstrata está dependente da previsão de certas ações específicas, crescendo exponencialmente a dificuldade, uma vez que é

155 MARTÍNEZ ZORRILLA, David. The Structure of Conflicts of Fundamental Legal Rights. 2011 - Law and Philosophy 30 (6), pág. 739.

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necessário apreender estas ações não apenas num direito fundamental, mas sim em dois.

Por outro lado, Martínez Zorrilla defende que os conflitos envolvendo normas constitucionais estão apenas dependentes de elementos lógicos, deixando de parte os elementos empíricos. Esta linha de raciocínio não nos parece que seja o mais acertado. Como foi mencionado anteriormente, não é possível catalogar todas as ações específicas presente nas ações genéricas dos direitos constitucionais. Assim, uma vez que não é impossível antecipar todas as ações específicas abrangidas pela ação genérica regulada por um princípio, é, portanto, necessário verificar o caso concreto e, consequentemente, os elementos empíricos. O autor espanhol utiliza como exemplo dois princípios, liberdade de expressão e direito à honra e bom nome, que apresentam caraterísticas lógicas que se conectam, portanto é de fácil perceção que estes princípios irão entrar em conflito de forma abstrata, para além de serem dois dos princípios mais estudados pela literatura jurídica e analisados a nível jurisprudencial, levando a que as suas ações específicas estejam em grande medida determinadas.

Concluindo, Martínez Zorrilla desenvolve uma teoria com pontos fortes, porém esta não se mostra capaz de dar corresponder a todos os casos de conflitos constitucionais. Desta forma, teremos que concordar em parte com o autor espanhol, quando refere que é possível uma apreensão deste tipo de conflitos de forma abstrata, contudo esta apreensão encontra-se dependente das caraterísticas próprias dos direitos fundamentais e da antecipação das ações específicas. Portanto, esta tese demonstra os conflitos entre direitos constitucionais podem ser conflitos em abstrato, porém grande parte dos mesmos apenas são apreendidos como conflitos de forma concreta.

Capítulo IV. Ponderação

No documento Conflitos entre normas que se intercetam (páginas 73-76)