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Princípio da necessidade

No documento Conflitos entre normas que se intercetam (páginas 90-94)

Capítulo III. Conflitos Normativos

4.3 Como ponderar?

4.3.1 Princípio da proporcionalidade

4.3.1.2 Princípio da necessidade

Após a medida ter passado pelo teste de adequação, o próximo componente da proporcionalidade a entrar na adequação ponderativa é o teste da necessidade. O princípio em análise acentua a ideia de que a medida que

171 ALEXY, Robert, “Epílogo a la Teoría de los derechos fundamentales”, in Revista Española de Derecho Constitucional, nº 66, 2002, pág. 28.

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interfere com um direito fundamental deve ser a mais benéfica de todas as medidas possíveis que se mostrem idôneas para alcançar o objetivo proposto172. Na doutrina portuguesa, Gomes Canotilho evidencia que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível e como tal é necessário provar que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão173. O teste da necessidade exige que a opção recaia sobre o meio menos restritivo para com o direito fundamental presente. Desta forma, é exigido ao poder estatal que previamente determine qual o objetivo a alcançar e que desenvolva como que um portfólio de medidas para atingir a finalidade proposta, prosseguindo, lentamente, passo a passo, por estas medidas até chegar ao ponto onde o objetivo é alcançado e a intervenção no direito fundamental é o de menor grau.

O teste da necessidade centra as suas atenções na ideia de que a escolha e, consequente utilização de uma norma, de um dos meios disponíveis para preencher essa norma, irá atingir o fim esperado, sem que seja possível encontrar outro meio que preencha a norma, cumprindo também o objetivo proposto, contudo a interferência no direito seja menor. Portanto, um meio que seja menos prejudicial para o direito em causa, mas que preencha de igual forma o propósito da norma, terá que ser este meio o designado Por outro lado, também a escolha da lei para cumprir o escopo definido pode não ser a mais indicada, uma vez que poderá existir, hipoteticamente, uma lei que atinja o propósito com a mesma completude, interferindo num menor grau o direito fundamental. Do exposto, podemos concluir que o objetivo do teste da necessidade é o de analisar os meios escolhidos para atingir o fim, determinando se existe um meio hipotético que satisfaça na mesma medida o fim, só que interfira numa menor extensão o direito. Portanto, o que é averiguado é o meio e não o fim, não havendo espaço para questionar o porquê da escolha daquela finalidade, ou da necessidade de estabelecer aquele fim174.

172 BERNAL PULIDO, Carlos, El principio de proporcinalidad y los derechos fundamentales, op.

cit., págs. 932 e 933.

173 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1999, pág. 264.

174 BARAK, Aharon, Proportionality: Constitutional Rights and their Limitations, Cambridge University Press, Cambridge, 2012, pág. 320.

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O teste da necessidade está intimamente ligado à ideia de eficiência, mais especificamente à ideia do Óptimo de Pareto175. O conceito de Óptimo de Pareto é encontrado quando a distribuição tem a capacidade de satisfazer, pelo menos, mais uma pessoa sem que prejudique outra pessoa. Destarte, a existência de um meio que hipoteticamente se mostre idóneo para alcançar o fim definido, melhorando a posição de alguém sem que afete outra pessoa. O teste de necessidade não tem como função requerer a menor limitação constitucional do direito, posto que até uma limitação pequena pode ser severa para o direito em causa, mas requer a menor limitação necessária para satisfazer o intento a alcançar176.

Em suma, o princípio da necessidade para ser chamado à ponderação necessita que sejam preenchidas certas condições:

(i) Primeiramente, é indispensável que se encontre alternativas ao meio utilizado para o fim fixado. Caso não exista uma alternativa à lei ou meio utilizado que consiga cumprir a finalidade com a mesma intensidade ou eficiência, conclui- se que o meio utilizado é necessário. Se a autoridade normativa com competência legislativa concebe uma regra que determina que, para controlar e extinguir uma doença transmissível através da obrigação de vacinação obrigatória e não sendo possível combater esta epidemia de outra forma menos lesiva, prevalecendo mesmo que se mostre que o meio se apresente agressivo para a população, a norma de saúde pública prevalece sobre a norma de integridade física, uma vez que respeita a condição de existência, neste caso, da não existência de alternativas.

(ii) Após ultrapassada a primeira condição do teste de necessidade, verificação de alternativas à medida escolhida para a prossecução do fim, é imperioso averiguar que nas alternativas exista alguma menos gravosa. Contudo, a comparação de alternativas não se mostra tarefa simples, uma vez que é possível comparar duas ou mais medidas em diferentes critérios. Segundo Aharon Barak, esta segunda condição pode ser determinada, entre outras, através do exame do âmbito da limitação, o seu efeito, a sua duração e a

175 ALEXY, Robert, “Epílogo a la Teoría de los derechos fundamentales”, in Revista Española de Derecho Constitucional, n.º 66, 2002, pág. 29; ou, por exemplo, BERNAL PULIDO, Carlos, El principio de proporcinalidad y los derechos fundamentales, op. cit., pág. 934.

176 BARAK, Aharon, Proportionality: Constitutional Rights and their Limitations, Cambridge University Press, Cambridge, 2012, pág. 321.

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probabilidade de ocorrência177. Trazendo diferentes critérios comparativos para o teste da necessidade podemos concluir que ocorrerá situações onde o meio alternativo se mostre menos gravoso em todos os critérios fixados para a comparação. Nestes casos, é por demais evidente que o meio alternativo se apresente menos lesivo para o direito em causa. No entanto, em alternativa através da comparação de meios e dos diferentes critérios, o resultado já seja o oposto. Em situações onde encontramos diferentes resultados no processo comparativo de critérios, não se poderá considerar que o meio alternativo seja o menos gravoso para o direito fundamental interferido. O resultado, nestas circunstâncias, será o de considerar que a medida escolhida se apresente necessária, passado, deste modo, no teste de necessidade.

Retomando o exemplo utilizado supra, se a autoridade normativa com competência legislativa decide implementar como regra a vacinação obrigatória com a finalidade de combater uma epidemia. Tendo passado o primeiro pressuposto do teste da necessidade é agora tempo de examinar se as alternativas hipotéticas se mostram menos lesivas para a norma constitucional. Na análise das alternativas se se encontrar uma alternativa que se mostre menos lesiva para a norma da integridade física e que, por outro lado, seja mais eficaz no combate da epidemia, não se mostrando tão agressiva para a população, porém o período temporal para a extinção da epidemia seja superior, deve-se considerar o meio inicialmente escolhido como um meio necessário. Assim, a norma de saúde pública prevalece sobre a norma da integridade física. Através da utilização destes critérios comparativos, podemos concluir que, para além da medida hipotética alternativa ter que ser menos gravosa, ela também terá que seria idónea, ou adequada, a cumprir o objetivo proposto.

O teste de necessidade poderá o único dos dois desdobramentos do princípio da proporcionalidade, que anteriormente foram mencionados como elementos que só aparecem quando envolvidos numa atuação do poder público sobre um direito fundamental, que terá uma margem de atuação em conflitos entre interesses particulares. Destarte, podemos verificar a aplicação do princípio da necessidade no conflito entre direito constitucional de particulares retomando o exemplo tradicional do conflito entre a norma do direito ao bom

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nome e a norma de liberdade de expressão, ou liberdade de imprensa. Um jornalista atuando em conformidade com a sua profissão, a quando da elaboração de uma peça jornalística utiliza expressões de teor mais agressivo e duro sobre uma personalidade de interesse público, está a instanciar a previsão do princípio da liberdade de imprensa ou até da liberdade de expressão. Porém, automaticamente, também a norma de direito a bom nome é instanciada, dando início ao conflito normativo. O teste da necessidade pode ser usado em situações como a descrita, uma vez que facilmente chegamos a uma alternativa hipotética mais suave e menos lesiva para o bom nome de um terceiro. Porém esta alternativa menos lesiva só poderá levar a uma resolução do conflito em situações extremas, ou seja, quando se verifica a utilização de expressões insultuosas, no nosso entender. Defendemos esta circunstância, uma vez que a aplicação de termos mais duros e geralmente mais chamativos, é prática comum no jornalismo, com a pretensão de atingir e transmitir aos seus leitores uma mensagem forte. A utilização de expressões como corrupto ou ladrão, normalmente aplicada a detentores de cargos públicos, investigados por corrupção, são desprestigiante e ofensivos para estes, contudo estão associados a um tipo de jornalismo a que o público já está habituado, tendo mesmo aceitação jurisprudencial a escrita mais dura e, até, sarcástica de certos meios de divulgação de informação, incorrendo mesmo numa limitação exagerada do princípio da liberdade de imprensa.

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