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Direitos como trunfos em Dworkin

No documento Conflitos entre normas que se intercetam (páginas 110-113)

Capítulo III. Conflitos Normativos

4.4 Princípio da proporcionalidade como norma de conflito

4.5.1 Direitos como trunfos em Dworkin

O contributo deixado por Ronald Dworkin para a ciência jurídica é de uma qualidade e originalidade inegável. Este autor, com o seu constante pensamento crítico, conseguiu destronar certos pilares do pensamento jurídico e filosófico, contribuindo para uma nova fase do mesmo.

191 Lopes, Pedro Moniz, Derrotabilidade normativa e jurisdição constitucional, Estudos de Teoria do Direito, Vol.I AAFDL, 2018.

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Numa primeira fase do pensamento do autor americano, foi desenvolvida a sua Tese dos Direitos. Esta tese, tal como o nome indica, assume os direitos como tema central e foi desenvolvida primordialmente nos seus dois primeiros livros: Levando os Direitos a Sério e Uma Questão de Princípio.

A Tese dos Direitos desenvolvida por Dworkin é um aglomerado de diferentes subteses que retratam diferentes caraterísticas dos direitos. Assim, segundo esta conceção, os direitos são: (i) objetivos individuais; (ii) demandas de justiça; (iii) trunfos dos indivíduos; (iv) construídos por um ajuste coerentista; (v) prévios ao direito positivo e por fim (vi) representados no Direito por princípios jurídicos.

Das diferentes subteses descritas em cima é possível retirar, desde já, uma conclusão, o pensamento de Dworkin apresenta-se como crítico da sua realidade. Primeiramente, as três primeiras subteses, ou seja, os direitos vistos como objetivos individuais, demandas de justiça e trunfos dos indivíduos têm um caráter antiutilitarista. Enquanto que as restantes subteses contrariam a visão positivista que Dworkin expõe, ao longo das suas obras.

Podemos considerar que esta conceção da tese de direitos pertence a uma primeira fase do pensamento do autor norte-americano. Nas suas duas primeiras obras, já referidas anteriormente, a tese em análise é o seu foco principal, cabendo à interpretação jurídica um papel secundário de complementaridade. Todavia, esta realidade alterna com a publicação do seu livro Império do Direito, onde a interpretação passa a ser a caraterística chave do seu pensamento, passando a tese dos direitos a ser vista como resultado da interpretação levada a cabo pela comunidade jurídica.

Antes de entrarmos no foco principal deste segmento, a subtese dos direitos como trunfos, é necessário, primeiramente, dedicar um certo tempo à conceção utilitarista, visto que esta corrente influencia de grande modo o trabalho do autor norte-americano. Após a clarificação desta corrente filosófica, será possível percorrer o caminho com passos certos e precisos na exploração do pensamento dworkiano.

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O utilitarismo é uma corrente pertencente à filosofia moral. Esta corrente dá resposta a uma das questões básicas da filosofia: como é que devemos viver? A resposta é algo simples, visto que nos indica que devemos seguir a felicidade. No entanto, não devemos simplesmente seguir a nossa própria felicidade, como ao mesmo tempo refletir que custos a nossa felicidade pode trazer para os indivíduos que nos rodeiam e como é que as nossas ações irão afetar a felicidade dos restantes. Porém, numa conceção utilitária que tem sido utilizado nos dias que correm, o utilitarismo abrange não só os seres humanos como todos os seres que são capazes de sentir dor e prazer. Não é de estranhar que esta vertente mais abrangente do utilitarismo seja utilizada em debates acerca do sofrimento dos animais não humanos.

Jeremy Bentham, um dos “pais” da corrente filosófica do utilitarismo, na sua obra, começa por referir que a ação humana é influenciada por dois sentimentos distintos, a dor e a prazer. Destarte, o indivíduo age com o objetivo de retirar um certo prazer daquela ação ou, por outro lado, fugir da dor. Desta realidade acaba por formular o princípio da utilidade, onde através deste princípio é possível qualificar a ação de um individuo como correta ou errada tendo como ponto de partida a fomentação ou não da felicidade.

A felicidade para Bentham é a conjugação de conceitos como prazer, vantagem ou bem, com uma ideia de utilidade. Esta abertura semântica da palavra felicidade foi o ponto de partida para o aparecimento de diferentes correntes utilitárias. Portanto, podemos considerar um ato correto apenas se tivermos em consideração a felicidade retirada de um ato numa perspetiva de comunidade e não individual.

Por fim, para Bentham a utilidade das ações é um agregado de prazeres, onde se contabilizam os prazeres retirados por todos os indivíduos envolvidos e afetados por esse ato, deduzindo o sofrimento e dor dos mesmos, chegando quase que a um prazer líquido, sendo esta a base para a compreensão da felicidade.

Embora o autor citado anteriormente tenha sido o grande fundador desta corrente filosófica, ela foi difundida e defendida de forma bastante capaz por John Stuart Mill. Este autor sofreu uma grande influência de seu pai, James Mill, filósofo e economista, membro dos radicais filosóficos, grupo liberal orientado

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por Bentham que influenciou a vida política da Grã-Bretanha e que desde muito cedo lhe apresentou a corrente do utilitarismo.

Stuart Mill continua o processo de difusão da corrente em análise, tomando como ponto de partida o pensamento de Bentham, trazendo à ribalta uma nova caraterística que influência a conceção de ato correto ou errado. Para este autor, não é só necessário observar a quantidade de prazer que os indivíduos retiram de uma ação, mas também a qualidade de prazer. Portanto, poderá haver situações em que a quantidade de prazer seja elevada, mas que não traga um prazer de qualidade significativa, tendo então que se conjugar estes dois elementos para uma conclusão eficaz.

Como forma de resumo do pensamento de Stuart Mills, destaca-se a seguinte afirmação:

“O credo que aceita a utilidade, ou o Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade. Por felicidade entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a privação de prazer192

Após analisarmos esta corrente filosófica que tanta influência teve no trabalho desenvolvido por Ronald Dworkin, é agora tempo de nos debruçarmos sobre o conceito de direitos como trunfos, explorado pelo autor norte-americano.

No documento Conflitos entre normas que se intercetam (páginas 110-113)