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2. A DEFINIÇÃO DE LIMITES À CRIAÇÃO DE CONTEÚDOS DE DIREITOS

3.1. A ESTRUTURA DA PROPORCIONALIDADE

3.1.2. Conflitos, derrotabilidade normativa e ponderação

Colocando-se a ideia de colisão, grosso modo, sugere-se a existência de antagonismo entre duas normas incidentes sobre uma circunstância concreta, cada qual propondo uma regulação em alguma medida contraditória entre si, isto é, decorre colisão quando os âmbitos de proteção de normas distintas chocam-se na pretensão de garantir a realização e a proteção de um e outro direito, sobrepondo-se ou incompatibilizando-se204.

Todavia, a noção exige maior sofisticação para apreensão da colisão normativa a partir da compreensão da estrutura das normas, de modo que, a mesma explicação pode ser fornecida quando se conclui que o conflito decorre do antagonismo entre unidades deônticas, mais precisamente, da incompatibilidade dos efeitos jurídicos localizados na estatuição das respectivas normas, impedindo que sejam simultaneamente aplicadas205.

Necessário ressaltar, outrossim, que a ativação das consequências legais – isto é, dos efeitos jurídicos contidos na estatuição – depende da satisfação dos pressupostos presentes na previsão, razão porque a existência de conflitos exige a ocorrência de sobreposição das previsões (e dos respectivos pressupostos) e não apenas a verificação da incompatibilidade das consequências jurídicas206 – que podem decorrer da contrariedade entre os modais deônticos relacionados na estrutura

204 Em semelhante sentido, ALEXANDRINO, José de Melo. Direitos Fundamentais: Introdução Geral. Estoril: Principia Editora, 2007, pp. 116-117, identifica a colisão nas hipóteses em que a proteção de um direito fundamental colide com a de um direito fundamental de terceiro ou com a necessidade de proteção de outros bens e interesses constitucionais. Gomes Canotilho, Direito Constitucional…, p. 1240, destaca que deve haver pelo menos dois bens reentrantes no âmbito de proteção de duas normas jurídicas que não podem ser realizadas ou otimizadas em todas suas potencialidades.

205 Neste sentido, DUARTE, David. Rebutting defeasibility as operative normative defeasibility. In: ALVES, João Lopes et al. (Org). Liber Amicorum de José de Souza e Brito em comemoração do 70° aniversário: estudos de direito e filosofia. Lisboa: Almedina, 2009, p. 161. Adverte, contudo, que tal hipótese depende do reconhecimento de “conexão material” entre as normas conflitantes, isto é, quando possuem similares condições de aplicabilidade, havendo identidade dos elementos estruturais da norma, exceto quanto aos efeitos contidos na estatuição; por isto mesmo, registra que a incompatibilidade produtora de conflitos está precipuamente conexionada é mesmo com os pressupostos contidos na previsão.

206 David Duarte, op. cit., pp. 162-163, demonstra, ainda, que a incompatibilidade poderá assumir distintos tipos, a depender dos pressupostos identificados na previsão das normas em conflito; exemplificativamente, demonstra que entre duas normas pode se verificar conflitos parcial ↔ parcial (C1 ꓥ C2 ꓥ C3 ↔ C1 ꓥ C2 ꓥ C4);

da norma (uma permitindo, outra proibindo, v.g.) ou do próprio efeito jurídico pertencente à estatuição.

Verifica-se, neste ensejo, que a morfologia normativa dos princípios caracteriza-os pela expansividade e indeterminação quanto às hipóteses legais (isto é, aos pressupostos da previsão), de modo que o conflito normativo decorrerá da tendencial aptidão para que condições que sejam comuns a distintos princípios estabeleçam a ativação de consequências jurídicas incompatíveis das respectivas normas207.

É preciso observar, desde logo, que não se está a tratar, neste espaço, de questões relativas aos conflitos aparentes de normas, prontamente resolúveis pelos critérios tradicionais, como especialidade, hierarquia ou cronologia. Neste sentido, a abordagem que se prefere condiz com as situações em que haverá, de fato, conflito normativo, segundo os parâmetros identificados.

A partir disto, torna-se possível tratar das possibilidades de enfrentamento destes casos, isto é, do emprego da ponderação para obtenção de solução, posto que constitui a derradeira maneira para solucionar conflito normativo concreto (parcial ↔ parcial), na medida em que não já se verifica a possibilidade de critérios de solução de antinomias se empregarem eficazmente nestas circunstâncias208.

Sob este aspecto, portanto, o conflito normativo em que se exige a ponderação como forma resolução tendente à identificação da norma aplicável ao caso decorrerá da admissão da “normative defeasibility”209.

207 Tratar-se-á de uma colisão de tipo parcialparcial. Neste sentido, cfr. David Duarte, Rebutting defeasibility…, pp. 164-165.

208 Neste sentido, Ibidem, pp. 167; 169. Admitindo a condição apontada, Melo Alexandrino, Direitos

Fundamentais…, pp. 116-117, assenta que a solução para a colisão de direitos deve se buscar mediante

harmonização e concordância prática, sendo certo, contudo, que em certas circunstâncias não se poderá escapar à ponderação e à proporcionalidade para se obter a solução que, eventualmente, significará a cedência total de um direito em face de outro.

209 André Rufino, A estrutura…, pp. 133-135, ressalta, com efeito, que afirmar a “derrotabilidade” de uma norma jurídica significa afirmar que ela está sujeita a exceções não exaustivamente identificadas previamente (implícitas, portanto), de modo que não se revela possível predizer quais serão as circunstâncias que sua aplicação será determinante e suficiente. A derrotabilidade, neste sentido, guardaria alguma semelhança com a noção de norma “prima facie” e de “norma aberta”, identificando, em todo caso, a imprevisibilidade das exceções à aplicação de uma norma. A respeito da concepção acerca da derrotabilidade, GUASTINI, Riccardo. Proyecto para la voz "ordenamiento jurídico" de un dicionário. Trad. Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero. Doxa,

Cuadernos de Filosofía del Derecho, n°. 27, 2004, p. 256, relaciona nos seguintes termos: “uma norma é

derrotável quando admite exceções implícitas, não estabelecidas pela norma em questão, nem por nenhuma outra do ordenamento, e portanto indeterminada”.

Com efeito, a derrotabilidade normativa, ao se escorar na impossibilidade de previsão antecipada de todas as exceções existentes à aplicação da norma, exige admitir enunciados condicionais derrotáveis – independentemente de se tratar de regra ou princípio – isto é, admite-se a possibilidade de sobrevir uma exceção imprevista, ainda que a situação fática esteja estruturada de forma fechada, de modo que a consequência jurídica descrita poderá, eventualmente, não decorrer como se previu inicialmente210.

Portanto, exsurge para os direitos fundamentais a premência de assentar a ponderação em face da inevitabilidade da potencial ocorrência da derrotabilidade das normas que os consagram e, para isto, estabelecer premissas adequadas para orientar o procedimento que consagra soluções concretas211.

3.1.3. A ponderação como critério para formação da norma de decisão do âmbito