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4. A RESTRIÇÃO ANTECEDENTE E POSTERIOR DO CONTEÚDO JURÍDICO

4.1. SISTEMÁTICA DAS RESTRIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.1.2. Restrição das normas de direitos fundamentais sociais quanto ao

Quando tratamos de restrições posteriores, isto é, baseadas em intervenção legislativa ordinária, pretendemos enfatizar a atuação dos poderes constituídos no campo dos direitos fundamentais sociais.

Nesta seara, tenderá a ser, em muitas oportunidades, fluída a percepção de quais medidas sejam, efetivamente, violadoras de direitos, dado o caráter das estruturas normativas que geralmente abrigam esta tipologia de direito, particularmente quando se estiver a correlacionar violações decorrentes por ações insuficientes ou alterações dos mecanismos empregados para concretização material de determinado direito.

Com isto, percebe-se que não será apenas a omissão deliberada do Poder público na concretização de direitos sociais que virá a ser tratada por violação; também seu atendimento deficiente, ou, de outra forma, a implementação em desconformidade com parâmetros de controle típicos se apresenta como possíveis ações de intervenção restritiva violadora.

Ademais, ainda que a ação dos poderes constituídos esteja inserida no espaço delimitado pela Constituição, não se afasta de plano a possiblidade de vir a ser compreendida como uma intervenção restritiva no âmbito dos direitos fundamentais

sociais e, portanto, uma violação ao seu conteúdo – sujeita, assim, ao controle. Nesse sentido, as atuações infraconstitucionais podem efetivar-se à reboque de delimitações existentes no texto constitucional ou sob pretexto da promover a regulação de direitos carecedores de densificação e, assim, assentar seu âmbito de garantia efetivo297.

Quanto à primeira hipótese, tratadas como decorrência daquilo que nominamos restrição antecedentes, seus aspectos foram já abordados; nas segundas, coloca-se a necessidade de consideração ampla do que se vem sustentado, particularmente pelas possibilidades interpretativas de extração de sentido do texto, seja pela articulação harmônica no caso concreto de um determinado direito com demais bens de estatura constitucional incidentes.

Em ambos os casos, projeta-se a possibilidade de que as intervenções restritivas levadas à efeito decorram de autorização constitucional expressa ou implícita – expressa no primeiro caso; implícita no segundo298.

Como já antecipamos, é possível depreender leis restritivas que sejam decorrência de autorização da constituição; também se pode verificar leis que não

297 Referimos aqui ao que Dimoulis, Teoria Geral…, pp. 152, trata por concretização mediante lei, isto é, casos em que não há limite constitucional ao direito fundamental, mas potencial intervenção estatal decorrente da necessidade de mediação legislativa do conteúdo de normas constitucionais.

298 Dimoulis, op. cit., pp. 155-157, neste ponto, igualmente estabelece a distinção entre restrição estabelecida por autorização implícita e a decorrente de mera concretização. Diferentemente, contudo, atribui que a primeira se ocupa dos casos em que a própria formulação demonstra ser necessária a superveniência de lei para fixação condições do exercício do direito fundamental, enquanto, segundo alude, a mera concretização não exige que exista uma ordem na Constituição remetendo expressamente à lei, aceitando que pode-se verificar a autorização em “virtude da própria vontade constitucional”. Por outro lado, identifica outros direitos consagrados sem reserva que eventual intervenção restritiva no domínio do direito não decorre de autorização implícita; alega que a sustentação de eventual restrição se embasaria na “teoria do direito constitucional de colisão”, segundo o qual a restrição efetivada seria possível ou recorrendo-se à necessidade de estabelecimento da concordância prática, ou amparado por limites imanentes decorrentes do princípio da unidade do texto ou, por fim, amparada na diminuição de possibilidades de choque no exercício da liberdade. Nada obstante, conclui com a perspectiva de que a não introdução de reserva impede a restrição do direito, devendo-se admitir que se o constituinte não autorizou a limitação é porque não viu problemas no exercício do direito em sua plenitude. Acerca deste ponto, Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais…, pp. 277-281, oportunamente ressalta a divergência quanto a compreensão de que inexistência de autorização expressa para restrição leve à conclusão de direitos “irrestringíveis”; salienta, por um lado, que a existência de conflitos concretos imporia reconhecer a existência de previsão indireta ou tácita da restrição, quando estiver em causa a necessidade de salvaguardar outros valores ou interesses constitucionalmente protegidos, fundamentando-se a circunstância no princípio da fundamentação constitucional da restrição ou, como se introduziu mais modernamente, por decorrência de uma “reserva geral imanente de ponderação”, que, afinal, impõe a necessidade de justificação da restrição. Por outro lado, assume a posição segundo a qual a ocorrência de autorização implícita conduziria à burla ao preceito constitucional que comanda a existência de autorização, admitindo, ante hipóteses de ausência de autorização, apenas que leis interpretativas sobrevenham, desde que com natureza distinta de leis restritivas, para conformar conteúdo do direito fundamental.

sejam propriamente uma decorrência expressa, isto é, restrições que, conquanto não tenha sido expressamente autorizadas pela Constituição, têm a função de conformar o conteúdo de direitos que não oferecem a possibilidade de dedução, pelas vias interpretativas, do conteúdo juridicamente protegido e, consequentemente, esvaziam a possibilidade de aferir as pretensões subjetivas satisfativas do direito, no plano constitucional.

Ademais, há um particular aspecto da primeira hipótese que projeta algum interesse eis que, como dito, as normas constitucionais podem reservar a limitação do seu conteúdo direta e expressamente à lei. A fim de exemplificar, consoante depreende-se do o art. 5°., inc. XV CRFB/88, em que a norma constitucional restringe o direito à liberdade de locomoção, remetendo à lei a disciplina das circunstâncias em que tal limitação sucederá, é certo que a simples imposição de limites não é, de per

si, uma restrição ao direito fundamental; antes, revela-se cumprimento da própria

norma constitucional.

Na circunstância concreta, contudo, poder-se-á verificar que o preenchimento ordinário das condições em que tal limite se efetiva, na instância infraconstitucional, revela incompatibilidade da legislação com a norma constitucional, seja porque excede na regulação, seja porque se omite ou comprova-se insuficiente para satisfação do comando constitucional, ou mesmo desatente parâmetros formais e materiais de controle.

A avaliação que se faz concernente as autorizações constitucionais expressas é no sentido de afirmar-se a exigência de observar as limitações previamente autorizadas, isto é, a lei deve manter-se em conformidade com os limites previstos na constituição; ainda assim, quanto a própria extensão da limitação é fonte de indeterminação, o seu conteúdo – e não a limitação em si – deverá submeter-se à avaliação de sua constitucionalidade, consoante padrões de controle formais e materiais cognoscíveis dogmaticamente.

Por outro lado, eventuais intervenções restritivas que não estejam amparadas nas delimitações constitucionais, decorrentes da característica principiológica da norma constitucional, sujeitam-se, primacialmente, ao controle pela proporcionalidade, visando a identificação da norma prevalecente para o caso concreto. Neste caso, deve-se ressaltar a conclusão que tal decorre da compreensão de que as restrições implícitas derivam da necessidade de salvaguardar interesses

constitucionalmente protegidos e estão fundadas em “princípios constitucionais paralelos aos que alicerçam as restrições expressas”299.

Tal raciocínio se insere particularmente no domínio aplicável aos direitos socais, particularmente quando inseridos na segunda hipótese. Com efeito, é preciso ressaltar que, no âmbito dos direitos carecedores de prestações materiais, tal circunstância torna-se particularmente corriqueira, posto que não raro há demanda por intervenção mediadora do conteúdo por atos legislativos densificadores do direito social; à guisa de exemplo, o art. 196, da CRFB/88, prescreve que a garantia ao direito à saúde dar-se-á mediante políticas sociais e econômicas, ressalvando, ainda, o art. 197, que ações e políticas públicas serão dispostas mediante lei. Trata-se de direito derivado à prestação e dependentes de regulação ordinária que preencha o conteúdo protegido ou efetivo dos direitos fundamentais – e, portanto, consequentes do direito fundamental ou, pela perspectiva que adotamos, posteriores.

Neste caso, a norma constitucional não especifica a delimitação do âmbito de proteção, pelo que se admite que ele será tendencialmente amplo e aberto às possibilidades de concretização do legislador, orientando-se pelas disponibilidades fáticas, materiais e jurídicas – por decorrência, amplo também será o espaço de conformação legislativa do direito fundamental conducente à formulação das políticas públicas responsáveis pela sua implementação. Ocorre, contudo, que tal margem ampliada para conformação poderá conduzir à restrição ao direito fundamental social – ou, no caso, o direito fundamental à saúde.

Como visto, trata-se aqui de mediações legislativas inseridas no âmbito material das normas constitucionais que refletem a concretização do âmbito de proteção efetivo de direitos fundamentais e que, por isso, são tendencialmente restritivas – seja compreendendo-se a existência de âmbito de proteção prima facie amplo seja compreendendo a existência de pressuposto implícito em todas as situações de qualquer gênero –, isto é, reduzem as possibilidades de proteção constitucional de posições jurídicas ou acesso material a bens de cariz jusfundamental.

Há, neste diapasão, a necessidade de verificação quanto à caracterização da

299 Jorge Miranda, Manual de Direito…, T. IV, p. 414. Trata-se, consoante expõe Dimoulis, Teoria Geral…, p. 155, de autorizações indiretas que resultam da própria formulação normativa e da necessidade de fixação de especificação do conteúdo do direito.

restrição para fins de ulterior controle, isto é, se se trata de restrição legítima ou ilegítima; isto porque, tal conclusão norteará a verificação quanto aos aspectos relacionados à justificação constitucional da medida implementada e da aferição de legitimidade segundo o prisma de requisitos constitucionais a serem articulados para a efetivação deste controle.

Com efeito, quando se está a tratar de hipótese em que não há identificação no texto de limites previamente determinados e, outrossim, a norma revela caráter eminentemente principiológico, deve-se reconhecer um “ônus de justificação” agravado em face da ausência de autorização expressa e, por conseguinte, o controle a ser exercido em face das medidas adotadas pelos poderes constituídos deve ser mais intenso, nomeadamente quanto à demonstração de existência da fundamentação constitucional justificadora da restrição300.

E, ainda, seja implícita ou explícita, intervenções restritivas do conteúdo de direitos fundamentais devem decorrer de interpretação correta, objetiva e sistemática da Constituição, buscando legitimidade dentro dela301.

4.2. PERSPECTIVA CRÍTICA QUANTO AOS MECANISMOS DE CONTROLE DAS