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4. A RESTRIÇÃO ANTECEDENTE E POSTERIOR DO CONTEÚDO JURÍDICO

4.1. SISTEMÁTICA DAS RESTRIÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

4.1.1. Restrição das normas de direitos fundamentais sociais em nível

Como situado anteriormente, é relevante apurar se a afetação decorrente de autorização constitucional considera-se restrição de direito, ou seja, se a existência de autorização constituinte retira o caráter de atividade restritiva; interessa, pois, tanto remontar a verificação quanto ao emprego da distinção entre restrição e limitação quanto estabelecer a compreensão quanto à arquitetura normativa dos direitos fundamentais sociais.

Sob este prisma, é de se reconhecer que a existência de limitações expressamente descritas à partir do texto constitucional decorrem de opção do legislador constituinte, formulada a fim de limitar, desde logo, o âmbito da norma ou, sob outro enfoque, estabelecer que condutas ou comportamentos estão dele excluídos, independentemente de tratar-se de estrutura de regra ou de princípio. Por exemplo, sabe-se, à partida, que na Constituição brasileira (art. 5°, XLVII, a)291, a pena de morte em caso de guerra está excluída do âmbito de proteção do direito

289 Em sentido análogo, Reis Novais, Direitos Fundamentais…, p. 102, pelo que se afasta de concepções restritivas ou excessivamente ampliativas do âmbito de proteção sem, com isso, negar a teoria externa de restrições. 290 Neste sentido, Reis Novais, As Restrições…, p. 172. Melo Alexadrino, Direitos Fundamentais…, pp. 118-119, assenta, ainda, que a reserva da lei não possui apenas uma dimensão negativa, de impedir que outras espécies normativas procedam restrições, mas também dimensão positiva exigindo que disposições legais contenham suficiente grau de certeza, densidade e precisão; ressalta, ainda, que podem ser revelar como conformadoras (determinam conteúdos) ou concretizadoras (regulando condições para o exercício do direito).

291 A CRFB/88, em seu art. 5°, inciso XLVII descreve que “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

fundamental à vida, isto é, há uma circunstância expressamente excluída da previsão da norma do direito fundamental à vida, ou, dito de outro modo, a existência de um pressuposto específico (em caso de guerra), impede que se articule a proteção fundamental da vida.

Com efeito, precisamente porque assentamos uma determinada perspectiva que corrobora a possibilidade de que normas assegurem delimitações no próprio texto constitucional, deduzíveis por recurso à interpretação, à primeira vista não caberá, em casos tais, a pretender sugerir a inconstitucionalidade do emprego de pena de morte em situações de guerra, sob o pretexto de tutela do direito fundamental à vida e a razão para isto é um tanto simples: assim quis o legislador constituinte.

Outro aspecto diz respeito à estrutura da norma, isto é, a forma como apresenta-se configurada no sistema normativo constitucional. Isto porque, como já abordado, a indicação de estrutura de regra pressupõe que a conduta que compõe a previsão normativa está já descrita com nível suficiente de determinação e definitividade regulativa – revelando-se, igualmente, incompatível com a possibilidade de ceder o âmbito de proteção em face do caso concreto, para além da exceção previamente estabelecida – de modo que, estruturada como regra, não se deve pretender assumir a possibilidade de se sustentar a inconstitucionalidade da limitação originariamente prevista, tampouco sustentar a possibilidade de introduzir restrições diversas ou adicionais àquelas já colocadas292.

Neste sentido, será de menor relevância, para nosso propósito investigativo, adentrar nas hipóteses em que dispositivos constitucionais, particularmente quando configurados com estrutura de regra, fixam limites aos direitos fundamentais; nestas circunstâncias, a limitação é colocada diretamente pelo constituinte e, portanto, ressalvada implementação de modificação mediante eventual emenda constitucional293, intervenção praticada sob o pálio da limitação tem fundamento

292 Assim, pode observar que em casos tais, vale a afirmação envergada por Reis Novais, Direitos Fundamentais…, p. 89, que “independentemente da opinião que tenham sobre a matéria, parece inequívoco que o legislador constituinte quis tomar uma decisão definitiva, absoluta, sem exceções possíveis”.

293 Registre-se que o rol de direitos fundamentais da Constituição considera-se de cláusula pétrea constitucional, pelo que é vedada a alteração que os elimine (art. 60, §4°., IV, CRFB/88); obviamente que eventual alteração que suprima quaisquer das hipóteses de restrição diretamente estabelecidas não promove a abolição de direitos fundamentais, antes pelo contrário, amplia o âmbito de sua proteção. Divergência haveria se a alteração pretende-se a inclusão de novas hipóteses, ampliando-se, portanto, o rol de restrições. Por um lado, se poderia sustentar que alteração de tal jaez não seria, a priori, hábil para promover a abolição de direito fundamental e, neste sentido, seria possível, ainda que, eventualmente, estivesse sujeita à apreciação da Constitucionalidade,

constitucional e deverá ser observada, em relação direta de conformidade.

Trata-se de circunstância em que o texto constitucional acaba por exercer a função negativa da interpretação, isto é, normas constitucionais cuja afetação esteja estabelecida diretamente na Constituição, cumprem a função de ser limite e garantia, na medida em que ao estabelecer quais sejam os limites autorizados, assim o fazendo, reflexamente acabam por consagrar o âmbito de proteção garantido ou efetivo do direito fundamental294.

Ademais, compreendida a atuação estatal enquanto estrito cumprimento de exigência constitucional, não será possível o enquadramento do comportamento estatal, a priori, como medida restritiva – o que não significa dizer que, circunstancialmente, não pode vir a sê-lo295, o que se apura submetendo-se as eventuais ações dos poderes constituídos voltadas à concretização dos limites e, portanto, praticadas com esteio na previsão constitucional aos requisitos materiais de controle.

É preciso destacar, outrossim, que, na medida em que centramos nosso objeto de análise às normas de direitos fundamentais sociais, não tratamos, neste ponto, dos casos de limitação aos direitos fundamentais, mas de restrições respeitantes a esta qualidade de direitos, com a configuração que lhes são próprias, isto é, tratamos de restrições decorrentes de direitos que têm, primacialmente, conteúdo positivo, demandando prestações materiais positivas do Estado; e, ademais, não raro se apresentam com estrutura normativa associada à tipologia de princípios.

Trata-se de registro necessário posto que a forma como se verifica restrições em sede de direitos de conteúdo positivo e de caráter principiológico, difere em

segundo parâmetros tradicionais de controle. Trata-se, contudo, de matéria específica que não guarda, neste momento, pertinência com o objeto da pesquisa, nem se enquadra nos limites estabelecidos para a investigação. 294 Assim, Gomes Canotilho, Direito Constitucional…, p. 1277-1278.

295 Exemplificativamente, quando a Constituição brasileira no art. 5°., VIII procede o envio à norma legal para fixação de obrigações alternativas àqueles que pretendem eximir-se de obrigação geral, sob a escusa da liberdade religiosa. Neste caso, a priori, a limitação não demarca uma restrição que, contudo, pode ser configurada a depender da delimitação levada a termo; também o inciso XV, que restringe a liberdade de locomoção em território nacional, remetendo à lei a disciplina das circunstâncias em que tal direito será limitado. Nestes casos, é certo que a simples imposição de limites não configura, de per si, restrição ao direito fundamental; antes, revelam o cumprimento da própria norma constitucional. Da mesma maneira, a hipótese tratada quanto à pena de morte em caso de guerra. Na circunstância concreta, contudo, pode-se verificar a incompatibilidade da legislação (restrição posterior) com a norma constitucional. Neste sentido, conclui semelhantemente, Melo Alexadrino, Direitos Fundamentais…, p. 115, quando estabelece que distinções entre restrições e limitações são relativas porque “uma limitação pode transformar-se facilmente numa restrição”.

relevantes aspectos da restrição dirigida à direitos fundamentais de caráter negativo e de caráter de regra, nomeadamente porque nesta hipótese, em que a tutela de comportamento estatal relaciona-se prioritariamente com um não-agir ou um agir limitado, o ato estatal assume, aprioristicamente, maior aptidão para configurar ação restritiva; diversamente sucede no campo dos direitos fundamentais que exigem a atuação positiva estatal, particularmente de cunho prestacional, comumente dependentes de implementação de políticas públicas específicas, em que, tanto o não-agir, a omissão quanto a ação inadequada inserem-se rol de ações potencialmente violadores de direitos fundamentais.

Assim, sumariando as posições aludidas, no que tange à restrição em nível constitucional (referimo-nos à limitações identificadas diretamente na Constituição) no âmbito de direitos de tipo princípios, de conteúdo eminentemente positivo, carecendo da atuação positiva estatal para mediação do conteúdo juridicamente garantido296, é da natureza destas normas o atrelamento à legislação ordinária mediadora, que lhe confere densidade.

Assim sendo, ainda que a previsão contenha à partida, já no texto constitucional, uma exclusão de comportamentos – o que, em tese, confirmaria, segundo nossos pressupostos, a identificação de uma delimitação preordenada – haverá sentido em verificar a ocorrência de restrição, não em função do eventual conformidade com a limitação constitucional do recorte do âmbito normativo promovido pela legislação, mas pela avaliação em concreto da medida e sua aptidão para satisfazer outros aspectos da norma.

Exemplificativamente, pode-se referir ao direito fundamental à educação; porquanto trata-se de direito fundamental, o direito à educação poderia ser compreendido mediante um conjunto amplo de condutas e comportamentos aptos à ensejar a sua satisfação, não esgotados no plano jurídico-constitucional. Nada obstante, a Constituição brasileira descreve a abrangência dos deveres correlativos ao direito à educação, nomeadamente ao descrevê-los, no art. 208; colocando esta perspectiva é que afirmamos que às limitações ao direito fundamental introduzidas

296 Isto não quer dizer que todas as normas de direitos sociais possuem este caráter; revela, apenas, que àquelas que não possuem esta condição, isto é, que não estejam a demandar atuação positiva estatal para delimitação do seu conteúdo protegido, devem são garantidas pelos mesmos parâmetros de controle de restrições tradicionalmente atribuídos aos direitos fundamentais clássicos de liberdade (de primeira dimensão)

pelo legislador constituinte não se pode atribuir o caráter de restrição, bem como, a

priori, não se poderá assim tratar medidas implementadas pelos poderes constituídos,

quando escoradas nestas limitações.

Isto não significa dizer, contudo, que o direito à educação, no exemplo citado, se satisfaça constitucionalmente por quaisquer medidas articuladas para implementação de tais deveres: a uma, porque deveres, em si mesmo, contém razoável nível de indeterminação, cuja concretização demandará sua realização otimizada; a duas, porque as medidas a serem implementadas sujeitam-se aos mecanismos constitucionais de controle, a fim de verificar a ocorrência de restrições posteriores.

4.1.2. Restrição das normas de direitos fundamentais sociais quanto ao