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1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO CONSTITUCIONAL

1.2. ABORDAGEM SEGUNDO A ESTRUTURA DA NORMA DOS DIREITOS

1.2.1. A distinção entre norma regra e norma princípio

1.2.1.2. Perspectivas da distinção quanto à estruturação normativa

A distintas perspectivas anunciadas, com efeito, podem (e devem) ser testadas no momento em que se adentra na abordagem estrutural, nomeadamente porque torna-se necessária a verificação dos elementos componentes da norma jurídica, é dizer, faz-se imprescindível identificar os elementos normativos e verificar a forma como comportam-se e integram-se, consistindo tal empreendimento condição para compreender os aspectos que subsidiam a proposta baseadas na distinção de normas jusfundamentais.

Com efeito, Atienza e Manero afirmam que pautam a compreensão da distinção pelo enfoque estrutural96, escorando-se na identificação de correlações entre casos genéricos (conjunto de propriedades) e soluções (qualificação normativa de determinada conduta, isto é, se é proibida, permitida ou obrigatória).

Com esta abordagem, aduzem tratar-se de regras quando for possível identificar o caráter correlacional entre a descrição do caso e solução normativa; princípios, nomeadamente em sentido estrito, mantém o caráter correlacional estando a descrição dos casos configurados de forma aberta97. Significa dizer, nas regras o conjunto de propriedades (descrição) que conforma o caso é determinado, ao passo

94 Alexy, Teoria dos direitos…, p. 90, observa, ainda, que uma das diferenças entre regras e princípios comumente apontadas refere-se à forma de aplicação, ou seja, regras aplicam-se de forma subsuntiva e princípios pela ponderação.

95 Com esta conclusão, também, David Duarte, An experimental essay…, p. 131. 96 Atienza; Manero, Sobre principio…, p. 107.

que nos princípios em sentido estrito, o conjunto de propriedades que descreve o caso é aberto, indeterminado, geral98.

Dir-se-á, então, que os princípios em sentido estrito, sob o enfoque dito estrutural, estão configurados de forma indeterminada quanto às condições para aplicação (descrição do fato) e de forma determinada quanto à solução normativa, isto é, quanto ao modelo de conduta prescrito (se permitida, obrigada ou proibida); é, pois, quanto às condições para aplicação da norma que reside a distinção entre regras e princípios e, uma vez satisfeitas as condições para aplicação, princípios são atendidos de forma plena99.

As diretrizes (ou enunciados programáticos), que consistem num padrão normativo especializado no âmbito do que descrevem como gênero de princípio, por seu lado, são abertas tanto na previsão das condições para aplicação, quanto na descrição da conduta a ser realizada, de modo que não proíbem, não permitem ou ordenam ação alguma, mas apenas preveem objetivos a serem realizados, na maior medida possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas; depreende-se, portanto, que o seu cumprimento ocorre respeitando a ideia de gradualidade da realização100.

Ainda que não se perfilhe a tripartição proposta, a construção do sentido distintivo sustentada na correlação lógica entre termos estruturais da norma auxilia a submeter a maior refinamento a distinção, especialmente no que tange ao reconhecimento autônomo dos elementos que compõe a norma.

Nesse sentido, três são os elementos identificáveis na análise da estrutura das normas jurídicas, é dizer: i) a previsão, como elemento em que consta as condições a serem verificadas para efetivação do sentido do dever-ser; ii) o operador deôntico, que identifica a modalidade do dever-ser a partir dos modais de permissão, proibição e obrigação; e a estatuição, identificando o campo de incidência do sentido de dever-

98 Nesse sentido, Atienza; Manero, Sobre principio…, p. 103. Em Atienza, O sentido…, p. 97, se observa que nas regras, as condições de aplicação são fechadas; o “deve” pode ser concludente.

99 Atienza, op. cit., p. 97; André Rufino, A estrutura…, p. 91. SANCHÍS, Luis Prieto. Dúplica a los profesores Maniel Atienza y Ruiz Manero. Doxa, Cuadernos de Filosofía del Derecho, n°. 13, 1993, p. 320, diverge desta concepção trazida por Atienza e Manero, segunda a qual uma vez preenchida as condições de aplicação, atende-se de forma plena, afirmando, em todo caso, que princípios em sentido estrito, tanto quanto as diretrizes, submetem-se ao cumprimento gradual, posto que eventual colisão normativa, inexoravelmente, imporá a cedência de uma face ao outro; não se aplicam, portanto, apenas quando satisfeitas de forma plena as condições de aplicação. 100 Atienza; Manero, op. cit., pp. 108-110; André Rufino, op. cit., pp. 91-92.

ser, isto é, o contexto da realidade em que serão produzidos os efeitos jurídicos101. Deve-se ter por certo, outrossim, que tais elementos se apresentam de forma estruturada, organizando-se em sentido lógico, com a definição de elementos antecedentes (previsão)102 e consequentes (estatuição), mediados pelo operador deôntico103.

Cumpre perceber que a estatuição, enquanto elemento consequente da estrutura do enunciado normativo, corresponde àquilo que deve suceder, uma vez preenchidas as condições aplicativas da previsão e, assim tal como esta, exerce uma função redutora, limitando o campo de incidência dos pressupostos da previsão, isto é, o contexto da realidade que comandará a produção dos efeitos jurídicos104.

A interconexão entre os elementos previsão e estatuição, mediados pelo operador deôntico, organizados em um determinado sentido, por decorrência do caráter condicional, impõe a necessária correlação entre os elementos antecedente e consequente, de modo que os efeitos jurídicos decorrentes da estatuição apenas acontecem no sentido orientado pelo operador deôntico quando estiverem satisfeitas as condições contidas na previsão, respeitando a delimitação redutora encetada por cada qual dos elementos extremos.

Com efeito, como registrado, a previsão corresponde ao elemento antecedente, que limita a abrangência das possibilidades de efeitos da norma, a partir da necessidade de satisfação de seus pressupostos105, isto é, condiciona o sentido do dever-ser e, nesta medida, desempenha a referida função redutora – posto que delimita as condições a serem observadas para produção de efeitos jurídicos106.

Relevante, entretanto, é que, precisamente quanto aos pressupostos da

101 David Duarte, A norma de legalidade…, passim, pp. 46-55. 102 David Duarte, An experimental essay…, pp. 131-137.

103 David Duarte, A norma de legalidade…, p. 50, neste sentido, indica que é a característica da condicionalidade que permite constatar a existência de ordenação na relação interna entre os elementos da estrutura normativa, de modo tal que a posição que assumem na composição estrutural não é aleatória, impondo, de forma inevitável, a produção dos efeitos previstos por decorrência do preenchimento dos pressupostos da previsão.

104 Efeitos jurídicos compõe a estatuição, é unidade que está contida, e, portanto, com ela não se confunde. Esta compreende o campo de incidência da norma; aquela a determinação do que deve ocorrer no âmbito material, isto é, a consequência específica. Nesse sentido, David Duarte, A norma de legalidade…, p. 55.

105 Tal como presume-se, a previsão não constitui um elemento indiviso, compondo-se de unidades autônomas identificadas como pressupostos.

previsão que se atribui o aspecto distintivo das normas-princípio107, na medida em que esta tipologia estaria a revelar a particular existência de um pressuposto implícito “em todas as situações de qualquer gênero”, que expande as possibilidades de aplicação do conteúdo da estatuição e singulariza este tipo de norma.

Evidencia-se, sob este enfoque, que a distinção entre regras e princípios estaria relacionada, de forma intrínseca, com a morfologia normativa, especialmente na maneira como estão configurados seus elementos e, nomeadamente, por decorrência da existência deste específico pressuposto implícito na previsão, sendo certo que a observação dogmática quanto à distinção deve reconduzir-se, ao fim e ao cabo, às consequências decorrentes de como está disposta a previsão.

Assim, para a identificação de norma-princípio, se faz exigível depreender da previsão este pressuposto implícito, que se assume, em boa medida, como fundamento, por um lado, da aptidão para otimização inerente a esta espécie de normas e, por outro, da tendência à expansão regulativa e, consequentemente, à geração de conflitos normativos108.

Isto porque a possibilidade de se aplicarem a todas situações de quaisquer gêneros, até o limite imposto por normas de “sinal contrário”, reforça o caráter expansivo tipicamente atribuído à noção de princípios como mandatos de otimização – que regulam prima facie109 – e que, por consequência, impõe a ocorrência de

107 David Duarte, A norma de legalidade…, pp. 107-109; 653, propõe que a distinção entre princípios e regras seja percebida com base na existência de pressuposto implícito, reconhecível na estruturação das unidades normativas de princípio do tipo “em todas as situações de qualquer gênero” quando carecida de determinabilidade quanto à conduta humana na previsão, isto é, quanto aos gêneros de ação constantes da previsão, de modo que se há vários e indeterminados gêneros de ação compreende-se a existência do dito pressuposto. Ademais, defende o autor (Idem, An experimental essay…, p. 131), que o elemento antecedente detém a possibilidade de explicar a diferença estrutural entre normas que são regra das normas que são princípio.

108 Cabe, neste ponto, o esclarecimento quanto ao fato de que a expansibilidade dos princípios não está colocada como decorrência da estatuição ou da aptidão para ampliação dos efeitos jurídicos da norma; ao contrário, fundamenta-se na existência deste pressuposto que estipula a possibilidade de a norma vir a ser aplicável a todas as situações de qualquer gênero, de modo que assim compreendido, a otimização das normas de princípios decorre da morfologia normativa e pouco diz respeito à delimitação do domínio normativo ou a delimitação semântica do enunciado. Nesse sentido, David Duarte, A norma de legalidade…, p. 113-116.

109 David Duarte, A norma de legalidade…, pp. 118-119, contudo, sustenta que esta configuração limita a ideia de que princípios regulam prima facie na medida em que se compreende que a regulação prima facie (tomando- se aqui a correlação de tratar-se de normas sobre as quais há impossibilidade de se determinar desde logo a solução do caso) se caracteriza não pela potencialidade conflituosa da norma, mas pela necessidade da ponderação como forma de determinação do efeito aplicável – e, a rigor, regras estão sujeitas também ao conflito, eventualmente resolúveis por cláusulas de exceção ou de prevalência; o que não se oferece é a possibilidade de solucioná-los pela ponderação. Nesse sentido, portanto, conclui (Idem, An experimental essay…, p. 132) que distinções baseadas no caráter prima facie não singularizam as tipologias normativas dado que tanto

sobreposições de regulação de normas sob um mesmo objeto.

Assim, é de se ressaltar que, sob este viés, a abordagem estrutural tem relação com a compreensão da morfologia dos elementos normativos e com a forma como os enunciados são ordenados, de modo que, se a descrição da conduta contida na previsão oferecer a possibilidade de se identificar a existência do pressuposto implícito, concluir-se-á tratar de ação indeterminada, aberta à concretização, e, logo, a norma estruturalmente se provará princípio.