S. convocar as Cortes, que desde 1689 não mais haviam sido convocadas, a fim de preparar uma Constituição
31 Conforme nota 30, p 383.
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estaria predestinado a criar, a p artir da fusão dessas três “raças”, um a nova nação. E interessante no tar como, n a visão de von Martius, essa fusão ocorrería como um movimento de baixo p ara cima:
Jam ais nos será perm itido duvidar que a vontade da Providên cia predestinou ao Brasil esta mescla. O sangue Português, em um poderoso rio, deverá absorver os pequenos confluentes das raças índia e Etiópica. Em a classe baixa tem lugar esta mescla e, com o em todos os países se form am as classes su periores dos elem entos das inferiores, e p or m eio delas se vi vificam e fortalecem , assim se p rep ara atualm ente na última classe da população brasileira essa mescla de raças, que daí a séculos influirá poderosam ente sobre as classes elevadas, e lhes com u n icará aquela atividade histórica para a qual o Im pé rio do Brasil é ch am ad o.32
D irecionada p o r forças extra-históricas, a história tem reserva do para cada qual um papel determ in ad o , um a tarefa a ser cum prida. Von M artius colaborou n a construção d a afirm ação fu ndam ental da historiografia nacional brasileira, n o sentido d e que nosso país é um a dem ocracia racial. Esperava-se do historiador que, p a ra isso, ele des se sua contribuição.
Portan to, devia ser um ponto capital para o historiador refle xivo m ostrar com o no desenvolvimento sucessivo do Brasil se acham estabelecidas as condições p ara o aperfeiçoam ento de três raças humanas, que nesse país são colocadas um a ao lado da outra, de um a m aneira d esconhecida na história antiga...33
Im buído d a fé h um anístico-ilum inista acerca d a possibilida de e d a necessidade do aperfeiçoam ento d a condição h u m an a, von
32 Idem.
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M artius acreditava que esse posicionam ento co rresp o n d ia ao histo riador.
No decurso de sua obra, von M artius se dedicou a diferentes grupos étnicos, p artin d o da prem issa de que sua história é parte da história do Brasil. As abordagens p o r ele desenvolvidas para a apre ciação da história parcial foram , posteriorm ente, em pregadas pelo instituto nos trabalhos em preendidos.
N o tocante aos indígenas, o au to r sublinhava a necessidade de se assegurarem os vestígios deixados, a fim de haver condições de se reco n stru ir sua história. Essas opiniões não eram apenas dele e, com o vimos, tam bém V arnhagen recom endava o estudo das línguas dos índios. Com o etnógrafo tam bém , von M artius acreditava que co nhecim entos a respeito dos indígenas constituíam im p o rtan te pre missa p a ra se escrever a história do Brasil.
Um prim eiro passo indispensável seria a pesquisa das línguas, a p a rtir do que, com a ajuda de m étodos linguísticos, seria possível ob ter conhecim entos a respeito da estru tu ra social desses grupos. Como outro passo, von M artius aventou ainda o estudo de mitologias, teo- gonias e geogonias indígenas, além da consideração das condições ju ríd icas e sociais peculiares às unidades étnicas. Ele julgava indis pensável a com paração com grupos dem ográficos sim ilares em outras partes do m undo, a fim de desenvolver o trabalho do historiador em um p atam ar superior. Da arqueologia, ele esperava, en tre outras coi sas, a com provação de vestígios arquitetônicos de “civilizações” mais evoluídas, porém desaparecidas, no continente am ericano.
A análise da Revista do IHGB, ao longo do próxim o item deste capítulo, perm itirá dem o n strar com o os processos desenvolvidos no texto de von M artius foram aplicados no trabalho do instituto.
A p artir da tese de que o Brasil foi descoberto no decurso de um a expansão do com ércio português, von M artius cham ou a aten ção dos historiadores sobre as mais im portantes rotas do com ércio daquela época, através das quais eram transportados pro d u to s tropi cais especialm ente valorizados n a Europa.
A reprodução da vida europeia no século XV, bastidor do des cobrim ento do Novo M undo, parecia a von M artius indispensável para
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determ inar a contribuição da raça branca para a cultura brasileira. Um aspecto relevante da história portuguesa teria sido o traslado de certas instituições para o Brasil. Nesse contexto, o autor achava que as ordens religiosas, sobretudo a dos jesuítas, devido a seu papel “civilizador” e à multiplicidade dos vestígios deixados, tinham especial significado. O papel das ordens - em seu trabalho missionário e colonizador dos in dígenas - perm itia, igualm ente, m aiores conhecim entos a respeito de sua história.
Von M artius assinalou outro aspecto das relações entre a Europa e o Novo M undo: “Uma tarefa de sumo interesse p ara o historiador pragmático do Brasil será m ostrar como aí se estabeleceram e desenvol veram as ciências e artes com o reflexo da vida europeia.”34
O lhando os “brancos” e seu papel na história brasileira, von Mar- tíus salientava igualmente o significado das viagens dos bandeirantes pelo interior do Brasil e das contribuições escritas dos participantes des sas expedições. Os “bandeirantes” do século XVII, segundo sua perspec tiva, dveram um a contribuição inimaginável na expansão do Brasil.
U m a exposição aprofundada destas viagens para o interior conduzirá necessariam ente o historiador a certa particularida de, que excitou m uito a m inha atenção. Eu falo das numerosas histórias e lendas sobre as riquezas subterrâneas do país, que nele são o único elem ento do Rom antism o, e substituem para com os brasileiros os inúm eros contos fabulosos de Cavaleiros e espectros, os quais forn ecem nos povos europeus um a fonte inesgotável e sem pre nova p ara a poesia popular.35
Dessa form a, von M artius tocava n u m dos motivos do interesse nessas viagens: é q u e supriram m atéria e temas p a ra a literatu ra n a cional brasileira do século XIX.
Por seu turno, as indicações de von M artius q uanto ao estudo do terceiro elem ento étnico do Brasil foram bastante circunscritas.
34 Conforme nota 30, p. 394. 35 Conforme nota 30, p. 396.
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Q u an to aos negros, apenas a questão de suas características raciais específicas e o problem a do tráfico de escravos pareciam m erecer algum destaque.
No final de seu trabalho, von M artius d efen d eu a posição de que a história do Brasil a ser escrita deveria d a r m enos ênfase às re giões em suas particularidades e que, em vez disso, deveria ser su blinhada a in terd ep en d ên cia orgânica de todas as províncias. Essa opinião a respeito do significado e do sentido da o bra histórica era com partilhada pelos m em bros do IHGB.
P or fim devo ainda ajuntar um a observação sobre a posição do historiador do Brasil para com a sua pátria. A história é uma mestra, não som ente do futuro, com o também do presente. Ela pode difundir entre os contem porâneos sentimentos e pensamentos do mais nobre patriotismo. U m a obra histórica sobre o Brasil deve, segundo a m inha opinião, ter igualmente a tendência de despertar e reanim ar em seus leitores brasilei ros am or da pátria, coragem , constância, indústria, fidelidade, prudência, em um a palavra, todas as virtudes cívicas. O Brasil está afeto, em muitos m em bros de sua população, de ideias políticas imaturas. Ali vemos republicanos de todas as cores. Ideólogos de todas as qualidades. E justam ente en tre estes que se acharão muitas pessoas que estudarão com interesse uma história de seu país natal; para eles, pois, deverá ser calculado o livro, para convencê-los, p o r uma m aneira destra, da inexi- quidade de seus projetos utópicos, da inconveniência de dis cussões licenciosas dos negócios públicos, p or um a imprensa desenfreada, e da necessidade de uma m onarquia em um país onde há um tão grande núm ero de escravos. Só agora princi pia o Brasil a sentir-se com o um Todo U n id o.36
Aqui se delineia claram ente um conceito de história que está vinculado a d eterm inado projeto político e que se engaja na realiza ção desse projeto.
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Von M artius trouxe em seu trabalho ainda um a relação de im portantes obras acerca do Brasil e que deveriam constituir o acervo básico d e um a assim cham ada Biblioteca Brasiliana.
A comissão do IHGB encarreg ad a de ju lg a r os trabalhos rece bidos tin h a p len a consciência das dificuldades inerentes a um a obra histórica elaborada àquela época de acordo com os princípios deli neados p o r von M artius: “Se algum a coisa se podia dizer co n tra ele é que um a história segundo aí se prescreve talvez seja inexequível n a atualidade: o que vem a dizer que ele é bom dem ais”. 37
Da correspondência en tre o IHGB e von M artius, apenas p u d e ter acesso às cartas dirigidas ao instituto. De sua leitura, contudo, é possível indicar com g rande dose de probabilidade que o IHGB, j á em 1844, na época d a publicação de seu trabalho n a Revista do Ins
tituto, havia proposto a von M artius que ele m esm o levasse a cabo e
materializasse o plano que elaborara. V on M artius se sentiu h o n rad o pela aceitação dos princípios advogados p o r ele, em bora, devido à sua idade, já não mais estivesse em condições de realizar tal tarefa.38
Além das questões teórico-m etodológicas, o instituto tam bém cuidou dos problem as da ab ertu ra de im portantes fontes p ara a his tória e a geografia do país. Essa questão foi tem a de um artigo de R odrigo de Souza da Silva Pontes, lido p eran te os m em bros do IHGB e publicado na revista.39
O autor, m em bro do serviço ju d iciário superior, político e di plom ata do Im pério, sugeria u m a orientação tem ática para a explo ração d e im portantes arquivos, tanto privados com o oficiais, a ser encabeçada p o r comissões do IHGB. E m bora o p ró p rio a u to r adm i
37 Relação de Francisco Freiro Alemão, Joaquim da Silveira e Thomaz Gomes dos Santos, de 2 0 /5 /1 8 4 7 . Revista do IH G B , Rio de Janeiro, 9 (6 ), ab rju n /1 8 4 7 , pp. 279-87.
38 Carta de Karl Martius de 8 /3 /1 8 4 4 , ao primeiro-secretário do IHGB. R evista do IH G B , Rio de Janeiro, 6 (23) jul-set/1844, pp. 372-4.
39 PONTES, Rodrigo de Souza e Silva. “Quais os meios de que se deve lançar