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8 FORÇA, ESPERANÇA E FÉ: A VIVENCIA DA ESPIRITUALIDADE O ENFRENTAMENTO DA

8.1 O conforto espiritual para recomeçar

A espiritualidade, no que condiz ao homem encontrar um significado e sentido para viver e sobreviver às frustrações e dilemas da vida é o combustível das obras do escritor e psiquiatra austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997). Sendo este, o responsável pela versão da moderna análise existencial e o fundador da escola psicológica de caráter

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fenomenológico, existencial e humanista, a logoterapia, conhecida também como Psicoterapia do Sentido da Vida. Todo o seu discurso perpassa na atribuição de sentido existencial ao indivíduo, como também, na dimensão espiritual da existência. Pois “a vida tem um sentido potencial sob quaisquer circunstâncias, mesmo as mais miseráveis”.78

Na fenomenologia, o ser humano integra um todo, que lhe confere sentido. A percepção é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam. E o mundo é o meio natural, campo dos pensamentos e percepções pelo qual o homem toma conhecimento de si. Semelhantemente, como no cuidado e na espiritualidade, ambos são inerentes à vida, e quando cultivados, orientam o sujeito a encontrar sentido na existência, no tratamento oferecido e na doença, como exemplo, por sentir pertencer a algo, ao se reconhecer durante o processo. Na doença renal, isso encontra-se bem vivo:

(...) Espiritualidade? Pra mim tudo é a fé em Deus sabe, eu acho que se a gente tiver Deus na frente a gente vão ter força pra tudo, e se você não tiver fé e não ter em que se apegar, fica difícil, a pessoa tira a própria vida, pessoa quer morrer, faz um montão de coisa, mas se você se apegar com Deus, e ter fé, pra mim é tudo. P2

(...) Espiritualidade é estar em comunhão com Deus e estar sempre bem com todas as pessoas né, e isso ajuda a gente a, administrar uma situação adversa. P4 “(...) eu sempre fui católica, logo tudo que acontece comigo de ruim, penso em Deus, principalmente agora. Teve uma época que andei descrente. Mas depois, a minha esperança aumentou, quando soube da possibilidade do transplante. Creio muito em Deus, por isso tenho esperança que pode acontecer de eu conseguir. P18

Os relatos que remetem a dimensão espiritual ressaltaram o quanto ela se torna importante neste processo de saúde e doença, e nesta vivência da doença renal crônica. Não cabe mais considerar um indivíduo como dotado de uma bidimensão que carece de cuidados, mas deve-se considerar o todo integral no qual se constitui. Posto que apenas os tratamentos do corpo e da mente, ainda que necessários, não foram eficientes em tratar as instâncias do espírito humano.

Os pensamentos em volta da experiência pessoal da espiritualidade, por cada participante, revelaram uma intensa conexão com Deus. Segundo percepções, Ele Alinha a

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vida a um plano Divino, ele é pai que ama os filhos, e que está no céu onde acontecerá um encontro final.

A dimensão espiritual é uma perspectiva que o ser humano possui e que se manifesta de forma mais intensa pelas expressões de crenças, valores, atitudes, comportamentos e sentimentos quando o ser humano se encontra em situação de crise que requer recursos internos para o seu enfrentamento de forma que assegure conforto, tranquilidade, esperança e melhor perspectiva de vida.

(...) Eu tenho pra mim que a espiritualidade a pessoa tem que ter muita fé. Porque se ele não tiver fé, se não tiver fé ele faz muita doideira, quando ele descobre assim, que ele é escravo da maquina! Eu não esperava passar por isso. Eu custei a ter aquela garra para pensar em querer viver. Mas agora o que eu mais quero é viver!P6

(...) Ah eu me apego com Deus! Única coisa que eu faço e me apegar com Deus, se não fossem ele, eu acho que eu não suportaria não!P5

(...) Pra mim, Deus acima de tudo. Sempre acompanhando dentro da igreja, trabalhando. Sou católico, ha tempos eu não perdia uma missa, perdi semana passada por cansaço, mas convivo muito bem com a minha espiritualidade, acredito, creio, tenho muita fé. P9

Neste sentido, a espiritualidade vem ao encontro das necessidades de preencher o vazio explicativo para a doença que se instala ou para a morte que se aproxima sendo entendida como uma busca de completude, um fechamento do ser no mundo, abrandando a dor e favorecendo a aceitação dolorosa do luto, ao constituir um tipo de ajuda que transcenda a si mesmo.82

Mesmo não havendo uma única definição para espiritualidade, cabe a cada um defini- la por si próprio, a partir de suas vivências e experiências com o transcendente, o que independe de ser algo pessoal ou coletivo. Segundo as percepções dos participantes, há diversos meios de lidar e expressar a espiritualidade, dentre eles as mais frequentes foram orar, cantar e falar com Deus.

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(...) Eu acredito que Deus existe. Que o mundo sem Deus jamais existiria. Mas tem muita bobeira e muita frescura que não acredito. P7

(...) “Lido bem, e me expresso em orações e gestos”. E em fazer algo mais, tanto no pensar, quanto no comportamento, ajudar aqueles que estão na mesma situação que eu. P17

(...) Faço contato com meu Deus, o mesmo da Bíblia. Já que a Bíblia é a minha profissão de fé. E pra mim, lidar com a questão espiritual, é também autocuidado, algo que compreendi a partir do momento que retomei o contato consciente com Deus. Se a pessoa não acreditar que há Algo mais forte que a hemodiálise, vai sucumbir definhar e ficar sem esperança” P19

Em outras palavras, para Frankl o que importa é tirar o melhor de cada situação dada. O ‘melhor’, no entanto, é o que em latim se chama optimum – daí o motivo pelo otimismo trágico, isto é, um otimismo diante da tragédia e tendo em vista o potencial humano que, nos seus melhores aspectos, sempre permite, transformar o sofrimento numa conquista, numa realização humana; extrair da culpa a oportunidade de mudar a si mesmo para melhor e fazer da vida um incentivo para realizar ações responsáveis.91,93

A busca por suporte de familiares, amigos, outros pacientes e equipe de saúde torna- se parte do enfrentamento dessa doença. Sendo assim, a proximidade entre o grupo social que o paciente forma favorece o estreitamento das relações com a construção de relação de confiança e troca. E assim, o paciente torna-se mais seguro e faz atribuir ao momento vivenciado o significado de ser uma experiência transformadora positiva e confortadora.

Nessa perspectiva, os depoimentos a seguir retratam a importância de partilhar de seus problemas com alguém que passa pela mesma situação. Ao ouvir, conversar e trocar experiências um com o outro, dando-lhe um suporte no tratamento.

(...) “Acho interessante compartilhar porque você desabafa, porque senão você explode”. Você conversa com o outro que também esta passando por isso e aí vai trocando ideias. Um vai dando força para o outro. P14”

(...) “Gosto de falar para outra pessoa o que eu tô passando e que esta na mesma situação que eu. Aí eu tenho aquela força. Aquela palavra amiga.

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Aquela palavra de encorajar. Vou passar para ela aquela experiência que eu passei, que já ouvi de outras pessoas. ”P9

(...) Eu acho bom, você falar as coisas que acontece e que eu não entendo... P3

(...) Posso trazer as minhas toalhinhas, umas toalhinhas de prato que faço, pra mostrar nesse grupo? P4

Os achados permitem inferir que o compartilhamento de experiências pode ser uma valiosa fonte de informação, esperança, apoio, aconselhamento, especialmente com pessoas que se encontram em uma condição semelhante, revelando que pode influenciar positivamente o bem estar espiritual dos familiares no enfrentamento no momento vivido.