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Feliz de quem pode conhecer a causa das coisas. Virgílio (Geórgicas, 2, 490)

Como salientado em capítulo anterior desta Tese, atribui-se a Galileu a criação dos princípios do método científico, melhor exemplificado na sua obra Discorsi e dimostrazioni

matematiche intorno a due nuove scienze (1638) 402, 403. O primeiro desses princípios é a observação dos fenômenos, tais como eles ocorrem, para expurgá-los de preconceitos. Tinha ele em conta, ademais, que nenhuma afirmação científica poderia prescindir da verificação do seu valor e afirmava que os fenômenos da natureza deveriam ser expressos em sua regularidade matemática. 404, 405, 406

Esta formulação dos princípios do método científico constituiu uma realização monumental no campo das idéias filosóficas, destituindo os alicerces da maneira medieval de conceber o mundo. Mas esse foi o desfecho de uma caminhada muito lenta e penosa da humanidade.

O problema da origem do conhecimento sempre desemboca na disputa entre duas velhas escolas filosóficas, britânica (empirista) e continental (racionalista). Parece, segundo Popper, que as diferenças entre ambas são bem menos expressivas do que as semelhanças. Na verdade, ambas estariam erradas, na opinião do ilustre epistemólogo, pois “nem a razão e nem a observação podem ser descritas como fontes do conhecimento, no sentido em que hoje têm sido definidas”.407

O método científico prescreve que as afirmações sejam susceptíveis de discussão crítica, que sejam passíveis de refutação por algum acontecimento concebível, pois caso contrário, não sendo falsificáveis, não se referem ao mundo. Assim, para que algo seja considerado como conhecimento deve estar aberto ao exame crítico. “A falibilidade não é

402 Galileo Galilei. Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze. Disponível em

http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/lb000358.pdf. Acesso em 12/09/10.

403 Toro AL. Historia de la Medicina: hechos y personajes. Chile: Editorial Mediterráneo, 2004. pp.

133-34.

404 Rampazzo L. Metodologia científica. 3.ed. São Paulo: Edicões Loyola, 2005. pp. 31-32.

405 Hilliam R. Galileo Galilei: father of modern science. New York: The Rosen Publishing Group,

2005. p. 100.

406Fermi L, Bernardini G. Galileo and the Scientific Revolution. New York: Courier Dover

Publications, 2003. pp. 108-110.

evidência de fraqueza de uma teoria; ao contrário, a possibilidade de refutação garante o contato com a realidade” 408.

A pedra angular da idéia de Popper sobre o método científico é, de acordo com Raphael, “a procura pelos meios mais rigorosos de falsear hipóteses”. Quaisquer idéias são bem-vindas se susceptíveis de exame crítico e tal susceptibilidade deriva do fato de serem passíveis de refutação, ou melhor, de poderem ser refutadas por acontecimentos concebíveis

409.

Disso se deduz a admissão de uma verdade objetiva como princípio regulador e que no âmbito do conhecimento não há qualquer autoridade que possa escapar à crítica e reter a noção de que a verdade está situada além da autoridade humana, sem o perigo de atribuí-la a uma divindade. “E devemos retê-la, porque sem essa idéia não pode haver padrões objetivos de investigação, crítica das nossas conjecturas, busca do desconhecido ou procura do conhecimento” 410.

A concepção tradicional acerca do método científico é a de que as teorias podem ser derivadas da observação, ou seja, baseadas em raciocínios que parte de dados particulares (singulares) e, por meio de uma série de operações cognitivas, chega a enunciados universais. Popper ataca implacavelmente essa noção, reduzindo-a a condição de mito. Como já mencionado em capítulo pertinente, ele acredita que o método da ciência é o de conjecturas e tentativas de falseamento.

A crença de que a ciência se distingue pelo uso do método empírico ou indutivo, isto é, por inferências que conduzem de enunciados singulares para enunciados universais, é bem exemplificada por Magee 411. Segundo ele, é costume pensar que o cientista principia efetuando alguns experimentos que permitem observações controladas e medidas, seguido do registro sistemático desses achados e sua divulgação. Outros cientistas que trabalham na mesma área fazem acumular dados em comum e dignos de credibilidade. O número grande de dados faz emergir propriedades gerais e os cientistas passam a formular hipóteses gerais que se ajustam aos fatos conhecidos. O cientista, então, passa a procurar confirmações para sua hipótese, encontrando evidência que lhe dê apoio. Encontrada tais evidências, o cientista tem em mãos uma lei científica, passando a comunidade científica a trabalhar nessa linha. Segundo os indutivistas, o conhecimento científico se ampliaria dessa forma, ou seja, no assentar enunciados gerais sobre observações acumuladas de casos específicos. O uso do

408 Raphael F. 2000. Op. cit. pp. 11-12. 409 Ib. 56.

410 Ib. 58.

método indutivo foi, portanto, tradicionalmente, o traço tido como distintivo da ciência e também, por extensão, o traço distintivo entre ciência e não-ciência.

Não é esse, evidentemente, o modo como o conhecimento progride, segundo as noções epistemológicas de Popper. As refutações a essa alegação foram discutidas por este filósofo que, além disso, apresentou também algumas implicações práticas resultantes da aceitação do método indutivo como distintivo da ciência:

De outro lado, muitas crenças supersticiosas e procedimentos práticos (agrícolas, por exemplo), encontradiços em almanaques populares e livros de interpretações dos sonhos, tinham muito a ver com a observação, baseando-se muitas vezes em algo parecido com a indução. Os astrólogos, especialmente, diziam sempre que sua ‘ciência’ se baseava em grande abundância de material indutivo. Esta justificativa talvez seja infundada, mas não tenho conhecimento de qualquer tentativa de desacreditar a astrologia pela investigação crítica de seu alegado material indutivo: a astrologia foi rejeitada pela ciência moderna porque não se ajustava aos métodos e teorias aceitos 412.

Como já foi discutido amplamente em capítulo prévio, o empirismo puro não é base para a ciência 413. Popper contrapõe à indução o método dedutivo de prova. Esse método implica em que uma hipótese só admite prova empírica depois de formulada. Assim, uma nova idéia formulada hipoteticamente a partir de uma observação significa que ela ocorreu porque necessitava de uma explicação que, por sua vez, “não podia ser explicada pelo quadro teórico precedente, o antigo horizonte de expectativas” 414. A partir dessa idéia podem, por dedução, ser retiradas conclusões, ou seja, inferências necessárias da teoria, especialmente previsões, que possam ser submetidas à prova ou que sejam aplicáveis na prática. Chega-se a uma decisão acerca dessas conclusões confrontando-as com os resultados dos experimentos ou das aplicações práticas. Em caso positivo, isto é, se as conclusões foram corroboradas, a teoria terá escapado do falseamento provisoriamente, pois não se descobriu motivo para refutá-la. Se as conclusões forem falseadas, esse resultado falseará também a teoria. A teoria só pode ser corroborada provisoriamente, pois testes futuros poderão falseá-la ou fazer com seja substituída por outra com maior poder explicativo que passe nos testes que a antiga teoria não conseguiu passar.

Talvez, essa inquietação da filosofia em relação à ciência tenha decorrido do ceticismo cartesiano durante a Revolução Científica. Por outro lado, os anúncios de descobertas

412 Popper KR. 1982. Op. cit. p.283-284. 413 Magee JA. 1972. Op. cit. p. 27. 414 Popper KR. 1982. Op. cit. p. 77.

científicas novas quase diariamente nos meios de comunicação fazem as pessoas acreditar que a ciência não é capaz de produzir certeza sobre qualquer coisa, quando na verdade isso constitui um equívoco. A maior parte das teorias básicas da ciência, algumas com mais de 150 anos, continuam a ser corroboradas. No entanto, é um papel relevante da filosofia o escrutínio dos métodos utilizados em pesquisa para elucidar a forma mais adequada de elaborar e testar teorias científicas 415.

Etapas do método dedutivo de provas. Esquema sumariado da descrição de Popper (Popper KR. 1982. Op. cit. p. 33.) elaborado segundo interpretação do autor desta Tese. 416.

Mayr critica o falseamento de teorias alegando que ele é inadequado para testar teorias probabilísticas e a ocorrência de exceções à teoria probabilística não implica no seu falseamento por modus tolens. “O enunciado categórico de que um único falseamento requer o abandono de uma teoria pode ser verdadeiro para teorias baseadas nas leis universais das ciências físicas, mas geralmente não é verdade para as teorias da biologia evolutiva” 417. A crítica de Mayr é justa, mas apenas em certa medida. Embora o falseamento de uma inferência necessária de uma teoria não aniquile a teoria, questiona a inferência, mostra as imperfeições da teoria e leva o pesquisador a tentar aperfeiçoá-la.

As considerações de Popper sobre ciência, levam em conta, evidentemente, o seu valor intrínseco, a sua natureza singular de propiciadora de progresso dentre todas as atividades

415Ib. 76.

416 Se este esquema omitir algo relevante ou deixar de expressar corretamente o pensamento de

Popper, a responsabilidade é inteiramente do autor desta monografia, que não se baseou em nenhum outro esquema semelhante e desconhece se existe algum e que se refira à descrição em apreço.

humanas e a natureza escrutinadora do valor conhecimento pelo método científico. Evidentemente, não faltam críticas. Por exemplo, o padre Hilton Japiassu assinala, com desmedida ênfase, em O mito da neutralidade científica, que o modo de funcionamento da ciência e sua maneira de explicar os fenômenos e compreender o homem no mundo, estão poderosamente influenciados pela conjuntura sócio-político-cultural. Diz o autor que

É esse enquadramento sócio-histórico, fazendo da ciência um produto humano, nosso produto, que leva os conhecimentos objetivos a fazerem apelo, quer queiram quer não, a pressupostos teóricos, filosóficos, ideológicos ou axiológicos nem sempre explicitados

418.

E prossegue o ilustre sacerdote tentando minimizar a validade do conhecimento científico, pondo-o como servo de mecanismos sociais, políticos e ideológicos. Nega, assim, que não existe neutralidade científica e que “a produção científica tem seus objetivos, seus agentes e seu modo de funcionamento condicionado pela sociedade” 419.

Evidentemente, nenhum cientista vive em isolamento social, mas o contrário. Freqüenta um ambiente intelectual, econômico e social. No entanto, quer Japiassu que o impacto dessas influências seja crucial sobre a natureza das teorias científicas, ou seja, ele responsabiliza fatores externos por novas teorias e novos conceitos em ciência.

Embora o motor da investigação científica seja a curiosidade, não se pode negar a ação dos fatores sociais estimulando ou inibindo essa curiosidade e nem as condições sociais que favorecem ou dificultam a difusão de novas teorias científicas.

Assinala Bunge, que os sociólogos da ciência se dividem em moderados e pós- modernos. Os moderados acreditam que o pesquisador busca a verdade e admite que os fatores sociais condicionem a investigação, mas negam que eles determinem os resultados da pesquisa ou regulem o valor de verdade dos mesmos. Os pós-modernos postulam que a verdade é uma ilusão ou uma convenção social 420. Segundo Bunge “Afirmam que todas as proposições científicas, inclusive as matemáticas, têm um conteúdo social e são acatadas ou rejeitadas depois de muita negociação e politicagem.”

Mas, se não há verdade objetiva como princípio regulador, por qual motivo os cientistas testam suas conjecturas? É necessário ter em mente que a psicologia tem demonstrado que o ambiente social condiciona a mentalidade da pessoa, mas não a determina

418 Japiassu H. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 9-11. 419Ib. 9-11.

inteiramente, visto que tanto o genoma quanto o sistema nervoso têm grande influência 421. Parece também evidente que os interesses, valores e crenças da classe social à qual pertence uma pessoa influencia suas atitudes. Mas é igualmente verdade que essa pessoa pode superar tais limites.

Relativamente à atividade científica, do ponto de vista sociológico, chama-se

externalismo a tese de que as idéias, os procedimentos e as ações dos cientistas são determinados por seu âmbito social. Dentre estes, distingue-se o externalismo moderado, para quem o conhecimento é socialmente condicionado, e o externalismo radical, para o qual o conhecimento é social 422. Existem subdivisões em cada uma dessas versões. O externalismo moderado é dito local (M1) quando admite que a comunidade científica influencie o trabalho de seus membros. No externalismo moderado global (M2) acata-se que a sociedade, em termos gerais, influencia o trabalho de seus membros. O externalismo radical local (R1) postula que a comunidade científica é quem constrói as idéias científicas e que todas elas apresentam conteúdo social, que todo fato científico é produto de uma comunidade de pessoas vinculadas pelo modo de pensar. O que uma pessoa pensa não é produto do indivíduo em si mesmo, mas de sua comunidade social. Assim, toda produção científica deriva de um fato social. Mas, como parece evidente, isso elimina a possibilidade de um mundo exterior (anti- realista). Os “externalistas radicais globais (R2)” acreditam que a sociedade, em termos gerais, constrói as idéias científicas, mas que não existe distinções entre exterior e interior 423. A tese externalista moderada global (M2), para o qual o conhecimento científico é influenciado pela sociedade, é falsa e constitui uma concepção neomarxista, segundo a qual a ciência é uma força de produção, um instrumento para a solução de problemas econômicos. Mesmo sendo o conteúdo influenciado pelo contexto, isso não prova que não se possa diferenciá-los, da mesma maneira que um organismo que não resiste quando posto fora do seu ambiente não impede que se faça distinção entre ele e o ambiente. Ademais, como exemplifica Bunge:

Os biólogos especializados em citologia e no estudo dos organismos, mesmo que não neguem a existência e nem a importância do meio ambiente, dedica sua principal atenção aos primeiros, e não ao segundo. Em termos semânticos, os ‘referentes centrais’ dos enunciados biológicos são os organismos, enquanto que o meio ambiente é seu ‘referente

421Ib. 21.

422 Todas as definições sobre externalismo foram copiadas (em itálico) ou baseadas em Bunge (1993.

Op. cit. p. 47), devidamente referenciado ao final do parágrafo.

periférico’. Analogamente, para o estudioso sério da ciência, esta é o referente central, e a sociedade, seu referente periférico 424.

Autores marxistas chegam a afirmar que a obra de Newton era produto de sua classe social (“diz-me em que classe social vives e te direi o que pensas”) e que suas realizações foram motivadas pelo interesse de resolver problemas tecnológicos suscitados pelo capitalismo reinante. É verdade que Newton utilizou tecnologia empregada pela indústria, mas isso não demonstra, segundo Bunge, que o cálculo infinitesimal tivesse qualquer conteúdo social. Ademais, por que apenas ele dentre tantos de sua classe produziu obra de tal vulto? Por que só o livro dele apareceu, quando poderiam ter surgido tantos outros. Se suas preocupações fossem puramente solucionar problemas tecnológicos, por que ele não se tornou um engenheiro? Ademais,

Se Newton estava tão interessado na indústria por que não desenhou nenhuma máquina, nem processo industrial algum. Por que a mesma classe social produziu tanto o ateu Hobbes, quanto o deísta Newton? Não é acaso possível que os cérebros dos diferentes indivíduos, da mesma forma que os grupos sociais, tenham algo a ver com a produção de idéias originais? 425

Do ponto de vista dos níveis de organização dos seres humanos, a idéia reducionista é a de que eventos ou coisas em cada nível possam ser explicados em termos de níveis mais baixos, ou seja, de causalidade ascendente. De acordo com Popper e Eccles 426, os acontecimentos em níveis mais altos podem ser explicados em termos do nível imediatamente mais baixo. No entanto, exemplos diversos demonstram eventos de causalidade descendente, como são os casos de feedback negativo.

Do ponto de vista da sociologia da ciência, consideram-se macroníveis (v.g., sociedade) e microníveis (v.g., indivíduos) e duas correntes de pensamento: holismo e individualismo. De acordo com Bunge, afirmam os holistas que o indivíduo sendo uma peça da sociedade, a preferência deve recair sobre o enfoque descendente (causalidade descendente), onde prevalecem as noções externalistas, sendo designados como macro- reducionistas 427. Os individualistas, ao contrário, propugnam que todo evento social é fruto de mentes individuais, dando precedência ao enfoque ascendente. Parece evidente que o

424Ib. 23.

425 Bunge M. 1993. Op. cit. p. 24.

426 Popper KR, Eccles JC. 1991. Op. cit. p. 38. 427 Ib. 49.

indivíduo tende a se comportar de maneira diferente nas diversas situações sociais. Da mesma forma, as ações individuais importam quando se tenta modificar a ordem social existente 428.

Enfim, como assinala Bunge,

... os externalistas acertam quando lembram que os cientistas e homens de ciência não vivem num vácuo social, mas erram ao supor que os eventos sociais constituem idéias e práticas científicas. O fato de necessitarmos de ar para viver não implica que somos determinados pela atmosfera ou que somos feitos de ar (segundo a concepção externalista radical. 429

Popper se engana, segundo Bunge ao assumir uma posição internalista radical, desprezando o fato de que o indivíduo que pensa está imerso em um meio ambiente natural e cultural 430. Embora, como visto, essa influência seja mínima, até pelo fato de que a maioria das crenças científicas parece não ter qualquer importância social 431. O externalismo, segundo o mesmo autor, constitui um exagero. Remata Mayr que Charles Darwin e Alfred Russel Wallace pertenciam a classes sociais absolutamente distintas, mas chegaram às mesmas conclusões acerca da diversidade dos organismos, ou seja, à mesma teoria da evolução 432, o que demonstra a irrelevância do externalismo. É possível, no entanto, que influências internas desempenhem papel relevante na resistência a mudanças que entram em contradição com crenças estabelecidas. Acentua Mayr:

Com efeito, não conheço nenhuma evidência de um fator socioeconômico no desenvolvimento de uma teoria biológica específica. O oposto, no entanto, algumas vezes é verdade: teorias científicas ou pseudocientíficas têm sido usadas por ativistas políticos para promover suas agendas particulares 433.

O lyssenkoísmo que prevaleceu na União Soviética sob o governo de Stalin é um exemplo clássico desse tipo de farsa apontada por Mayr e contrário à noção externalista. As idéias de Trofim Denissovitch Lissenko (1898-1976), um camponês semi-analfabeto Ucraniano, eram absurdas, licenciosas, adaptadas à ideologia, formuladas para agradar ao

regime e não produto dele, visto que, ademais, eram lamarckistas na sua fundamentação. Seus conceitos camuflados estavam a serviço do Estado stalinista, que rejeitava as leis de Mendel

428 Ib. 50. 429 Ib. 48-49. 430 Ib. 108.

431 Observação atribuída por Bunge (1993. Op. cit. p. 366) a Laudan L. Progress and Its Problems:

Towards a Theory of Scientific Growth. Oxford: Taylor & Francis, 1977.

432 Mayr E. 2008. Op. cit. p. 82-83. 433Ib. 83.

como ‘burguesas e conservadoras’ e retomando as idéias ultrapassadas da hereditariedade dos caracteres adquiridos. Somente o lamarckismo, que ele pensava ter demonstrado, poderia justificar a noção de que era possível modificar a natureza de maneira duradoura e, assim, estar em conformidade com a doutrina marxista 434.

Segundo palavras textuais de François Jacob

Para Lyssenko e seus partidários, a noção de espécie não passava de uma idéia burguesa. [...] Na verdade, o verdadeiro debate não era de ordem científica, mas ideológica. O argumento que utilizava invariavelmente contra a genética era sua incompatibilidade com o materialismo dialético. Aí estava para ele a jogada real, a raiz do problema, o único terreno em que poderia obter o apoio de Stálin e de todo o poder soviético...A Teoria do gene não pode conciliar-se com a Dialética da Natureza segundo Engels. Não mais que a teoria seletiva da evolução, que Lyssenko também refutava 435.

Tratava-se de um embuste, de lisonjear para obter vantagens e não de determinismo sociológico das idéias científicas.

De acordo com James Watson, prêmio Nobel de Medicina de 1962, um jornalista do jornal Pravda descobriu Lissenko em 1927 trabalhando como um técnico obscuro no Centro Experimental de Reprodução Vegetal Ordzhonikidze, em Gandzha, trabalhando na lavoura. A imagem de Lissenko inspirou o jornalista, que viu nele a figura do “professor de pés descalços”, solucionador de problemas, uma figura paradigmática para a propaganda soviética, que repudiava a figura do acadêmico empolado. Sem estudar coisa nenhuma de genética, estava lá, ajudando os camponeses, atingindo diretamente o âmago da questão do plantio, sem necessitar de laboratórios sofisticados. E lá foi o inculto do Lissenko servir de modelo do homem soviético, camponês, cuja intuição agrícola medíocre valia mais do que qualquer lucubração científica.

Lissenko propôs que o trigo invernal fosse vernalizado, tivesse seu ciclo vegetativo reduzido, para que só germinasse na primavera. Sem a vernalização, metade do plantio era perdida, pois uma parte das sementes germinava antes do tempo e perecia. Esse processo consistia em refrigerar e molhar as sementes, o que resultava, em última análise, numa safra cujo rendimento era muito maior 436.

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