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Constatamos, também, que questões que envolvem o ensino da gramática na escola, bem como a sua predominância na prática lectiva, não são consensuais. Pelo exposto, desejamos saber, na opinião dos professores entrevistados, qual é o estatuto que a “gramática” deve ter no ensino da língua (questão 7). Assim, verificamos que todos os docentes entrevistados consideram o ensino da gramática como fundamental para o desenvolvimento das demais competências relacionadas com o ensino da língua; contudo, o seu ensino reveste-se de certa complexidade e exige estratégias e metodologias de ensino e aprendizagem diversificadas e eficazes para produzir um ensino de qualidade, visto que a gramática tem que ser interiorizada e compreendida através da explicação dos processos de funcionamento da língua em contexto de uso: saber o significado e a razão de uma adjectivação, perceber por que se usa uma metáfora. É a gramática aplicada à exploração do texto. “Não adianta saber qual é a ordem directa da frase se, por acaso, o aluno, na prática, depois não a souber aplicar” (E.1). É pelo trabalho de competências relacionadas com o ensino da gramática que se adquirem as regras de funcionamento da língua e para que, assim, se possa compreender a própria língua e, como já se afirmou, desenvolver e adquirir todas as outras competências expressas nos vários domínios plasmados nos programas escolares: escrever, falar e ouvir. Falar bem é também dominar a gramática da língua e deve-se privilegiar o estudo da gramática como um momento importante do ensino da língua (E.2). O ensino da gramática, a par do estudo do texto literário, “contribui para desenvolver aprendizagens mais profundas no domínio da língua” (E.3). Assim, o estudo da gramática contribui para uma melhor utilização da própria língua e “apetrecha” os alunos de ferramentas que lhes permitem o exercício pleno do uso da língua em diferentes contextos e situações comunicativas. Esse estudo deve constituir o

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discente como “ser versátil no uso de uma ferramenta essencial para o seu dia-a-dia”. Castro (2005: 63) refere que o ensino da gramática “assenta numa perspectiva em que ela é predominantemente olhada como dispositivo de regulação do uso linguístico” e que “certamente que o olhar sobre o objecto língua será um se o objectivo que o orienta for o de garantir a aquisição de uma representação formal da língua; será já outro se a intenção for a de criar condições para o desenvolvimento de um olhar crítico sobre a linguagem e os seus usos e, por arrastamento, sobre o mundo” (idem: 94). O ensino da língua reveste-se, também, de uma atitude reflexiva sobre a dinâmica/funcionamento da própria língua, isto é, levar os alunos, por exemplo, “a pensar sobre o que é que as palavras significam e o que elas significam na frase e no texto enquanto realização máxima da língua”. Em suma:

É muito mais importante levá-los a reflectir sobre o funcionamento da própria língua do que levá-los a decorar regras e terminologias que não entendem e que, depois, à partida, esquecem porque decoraram sem perceberem o porquê de assim ser. Temos que ensinar a gramática estabelecendo relações com a vida do quotidiano (E. 3).

Lopes (1999, 27-28), na mesma linha de pensamento, afirma que os resultados positivos da valorização das práticas de leitura, escrita e oralidade não são particularmente visíveis em detrimento do conhecimento explícito da língua, visto que não basta exercitar a competência comunicativa dos alunos nos domínios da oralidade e da escrita, numa aula de língua, isto é, não se revela como suficiente exercitar o uso instrumental ou funcional da língua, mas há que aliar às práticas da língua à reflexão sobre a língua. Nesta linha de pensamento, o entrevistado E.5 refere que é muito importante trabalhar, em aula, aspectos relacionados com o estudo da gramática para que os alunos saibam reflectir sobre a língua e exprimir-se com correcção linguística. É a reflexão sobre a estrutura e funcionamento da língua, como condição para o aperfeiçoamento do uso da língua, completa o entrevistado E.10. Outro entrevistado acrescenta: “a gramática é o apêndice. Trabalha-se muito a gramática. Tem um papel de total primazia. Para falar e escrever bem, tem que se dominar bem a gramática, as regras de funcionamento da língua” (E.6) e não existe “ensino da língua sem ensino da gramática” (E.7). Assim, um bom conhecimento da língua «só pode ser conseguido se

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houver também um bom conhecimento da “gramática”; só se pode escrever/falar bem se se tiver o domínio da língua, e “isto” implica também a “gramática”» (E.9). Contudo, um dos entrevistados regista que a gramática é a consciência da língua e, portanto, falaremos / escreveremos melhor se tivermos consciência daquilo que estamos a dizer. Por isso, a gramática deve ser abordada não como um fim em si mesmo, mas como um meio de facilitar a compreensão/expressão oral / escrita (E.8). Deste modo, para um número reduzido de entrevistados, o estudo da gramática é importante, mas não deve ter a primazia no ensino da língua (E.2) e, como tal, apresenta-se, assim, como um:

complemento, domínio dado sempre a propósito de outros conteúdos. Deve ser dada de tal forma que os alunos percebam que tem alguma utilidade o seu estudo. Não lhe dar primazia absoluta, mas também deve ser importante, embora não exclusiva. Também esta deriva terminológica que tem invadido o ensino nestes últimos anos em nada tem contribuído para que se trabalhe convenientemente a gramática em sala de aula. Essa realidade tem causado algum mal-estar, alguma insegurança nos professores, evitando-se assim, muitas vezes, trabalhar aspectos relacionados com a gramática da língua ou mesmo trabalhar com mais pormenor e dedicação aspectos do funcionamento da língua (E.4).

Constatamos, por outro lado, que um número considerável de professores tem uma visão/concepção mais conservadora e tradicional do que é o ensino da gramática, conferindo-lhe um papel de centralidade no ensino da língua. Concluímos que o estudo da gramática continua a ser um domínio que goza de um estatuto privilegiado no ensino do Português, embora, nas práticas de leccionação, esta centralidade fique condicionada devido às circunstâncias/constrangimentos já apontados.

Também desejámos saber se, na concepção dos professores entrevistados, a instituição de uma terminologia linguística uniforme, ao longo de todo percurso escolar do aluno, facilitaria o processo de ensino e aprendizagem da língua. Deste modo, a quase totalidade dos docentes considera que essa instituição seria facilitadora das práticas pedagógicas e do processo de ensino e aprendizagem da língua, visto que a diversidade e a multiplicação de conceitos e termos linguístico-comunicativos dificulta os processos de aquisição das competências relacionadas com as aprendizagens dos

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conteúdos relacionados com o funcionamento da língua, não fazendo “sentido a coexistência de duas nomenclaturas: a de 1967 e a actual terminologia. Deve-se caminhar para um consenso que leve a uma maior e eficiente uniformização de termos e conceitos” (E.1). O mesmo entrevistado também considera que a nova Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário, de 24 de Dezembro de 2004 (doravante TLEBS), caracteriza-se por ser mais complicada e complexa e, se a gramática já é um domínio do ensino do Português de que os alunos não gostam, o mesmo entrevistado teme que a Nova Terminologia venha ainda piorar mais essa realidade, vindo a fazer com que professores e alunos ganhem uma aversão ao processo de ensino e aprendizagem da gramática. Assim, considera-se de extrema importância proceder-se à uniformização terminológica para facilitar as aprendizagens do domínio da gramática e acabar com as ambiguidades e uma certa anarquia terminológica que imperou e impera nas nossas escolas, assim como nos manuais e inúmeras gramáticas que proliferam no mercado. Contudo, em toda esta mudança/inovação, é necessário prevalecer o bom senso (E.3). Claro que esta mudança terminológica não é pacífica, visto que se torna um pouco complicado para os alunos que sempre aprenderam de uma forma (nomenclatura de 1967), “dizermos-lhes que é de outra”. Logo, “tem de haver uma maior clarificação e explicação dos novos termos ou da substituição de uns por outros”:

Caminhamos para a uniformização terminológica mas a mesma ainda necessita de muito esclarecimento para que não se torne mais ambígua e complicada do que a anterior. Eu, pessoalmente, fiz uma Acção de Formação sobre a Nova Terminologia e acho que não é assim tão complicada como muita gente diz. Para mim, não a acho complicada, para os alunos, como eles já gostam muito pouco de estudar gramática, é capaz de ser e de os alunos apresentarem maior resistência ao seu estudo (E.5).

Essa uniformização evitaria a deriva terminológica que tem enfermado o ensino do Português e que, em muito, tem contribuído para afastar, quer alunos quer professores, do prazer de estudar/ensinar língua (E.4). A TLEBS pode facilitar o processo e ensino e aprendizagem da língua “se conciliar, simplificar e uniformizar” (E.10) e se houver formação adequado para os professores (E.6). Contudo, um professor entrevistado considera que:

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o problema não está na terminologia mas no modo como comunicamos, como transmitimos esse conhecimento, esse saber gramatical, na forma como encaramos a língua portuguesa. Eu acho que o problema está na forma como encaramos a gramática. Acho que o importante é criarmos o gosto para… pela língua. Mas, quando eu falo de língua, falo de tudo, do gosto pela leitura e tudo o que o ensino de uma língua implica. Eu penso que a existência de uma terminologia linguística uniforme pode facilitar um pouco para que toda a gente fale a mesma linguagem. Pode facilitar o ensino da gramática se não só uniformizar mas também simplificar (E.2).

Outro docente entrevistado salienta que o problema não reside na terminologia, mas na falta de conhecimento gramatical (E.7).

Em conclusão, uma terminologia comum a todos os alunos e a todo um percurso escolar facilitaria, certamente, a aprendizagem da língua (E.9).

Também foi nosso propósito auscultar os professores acerca do que os mesmos pensam da nova Terminologia Linguística. A grande maioria dos docentes entrevistados não se manifestou muito confiante nesta nova terminologia ou, mesmo, afirmam não concordar com ela, considerando que a mesma não representa uma mais-valia, mas, apenas, bem complexificar um conteúdo já não muito agradável para os alunos: os conteúdos gramaticais (E.1). Esta opinião justifica-se, também, com o modo como foi implementada, introduzida e posta em prática (E. 6). De realçar que esta nova terminologia não teve uma fase piloto, isto é, não se seleccionou um conjunto de escolas onde ela pudesse ser implementada a título de experiência pedagógica, nem, tão pouco, houve uma formação abrangente e adequada do pessoal docente.

Em suma, há um grupo de entrevistados que considera que a nova Terminologia “não simplifica, não uniformiza, ou seja, complica, para além de aumentar grandemente o número de termos gramaticais” (E.10).

Há entrevistados que manifestam algum desconhecimento em relação há Nova Terminologia; contudo, afirmam haver aspectos positivos, realçando que a primeira reacção foi de resistência perante o desconhecido, mas, depois de frequentarem uma acção de formação, concluíram que havia pontos positivos, tais como a simplificação e a explicação de determinados conceitos (E. 2), bem como “se se concretizar aquilo que

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esteve na sua essência: a simplificação e a uniformização terminológica” (E.3), diferenciando, também, mais os conceitos, explicando-os melhor e proporcionando a reflexão sobre a língua (E. 5), teremos as condições necessárias para a sua implementação. Assim, “como a própria língua tem evolução, de vez em quando é necessário rever as suas regras. Pode ser positivo, agora não devemos ficar presos a isso, isto é, não devemos fazer da Nova Terminologia o centro do ensino da língua portuguesa” (E.2).

Há ainda quem a considere “muito mais complicada do que a anterior” (E.6) e demasiado complexa “para ser objecto de ensino para jovens até ao final do Ensino Secundário” (E.8). Um docente acrescenta que ela não é só algo de extremamente complexo para os alunos, mas também o é para os professores e, se os alunos já não simpatizavam muito “com a gramática na forma actual, com a Nova Terminologia considerá-la-ão algo intragável” (E.11). Outro docente entrevistado acha a nova terminologia complexa para alunos do 2.º e 3.º ciclo, acrescentando que a mesma pode dificultar o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos gramaticais, embora salvaguardando o facto de ter havido uma tentativa de simplificação e uniformização terminológica em relação à nomenclatura gramatical de 1967:

Para 2.º e 3.º Ciclo acho-a complexa, sobretudo na parte da morfologia e da sintaxe. Acho que os miúdos, por norma, já não gostam de estudar gramática e penso que a Nova Terminologia pode ainda vir a dificultar mais o trabalho da gramática em sala de aula. Há partes da Nova Terminologia que aparece simplificada relativamente à nomenclatura anterior. Houve uma tentativa de uniformização terminológica e acho tal importante e não é de discordar muito dessa parte. Para os alunos mais novos será uma mais-valia essa uniformização. Se se conseguisse uma maior simplificação seria, de facto, uma mais-valia (E.4).

Concluímos, considerando que a implementação de uma nova terminologia não se apresenta pacífica e são de assinalar pontos positivos e negativos à proposta de uma nova terminologia relacionados com os propósitos de simplificação e uniformização terminológica, contudo, propósito nem sempre conseguido. Porém, não constitui objecto deste estudo apresentar esses pontos. Acrescentamos, porém, que esta nova terminologia corresponde a um momento de “actualização” do próprio sistema

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linguístico, visto que, como a própria língua sofre uma evolução, há a necessidade de uma revisão das suas regras de funcionamento, como considera o entrevistado E.2:

Acho que há aspectos positivos, embora ainda não conheça a nova versão. Inicialmente, a primeira reacção foi de resistência, mas, depois de frequentar uma acção de formação, vi que havia pontos positivos e que até vinha simplificar e vinha explicar algumas coisas, outras não. Como a própria língua tem evolução, de vez em quando é necessário rever as suas regras. Pode ser positivo, agora não devemos ficar presos a isso, isto é, não devemos fazer da Nova Terminologia o centro do ensino da língua portuguesa.

Assim, ela é “de extrema importância se se concretizar aquilo que esteve na sua essência: a simplificação e a uniformização terminológica” (E.3).