• Nenhum resultado encontrado

Modalidades de trabalho pedagógico e os materiais didácticos

Para auxiliar a sua prática pedagógica, o docente recorre, com frequência, a instrumentos e recursos didáctico-pedagógicos que se podem apresentar como preciosos auxiliares do processo de ensino e aprendizagem. Contudo, o manual escolar é aquele que aparece como o mais vulgarmente utilizado. Ora, será conveniente, então, ouvir a voz dos docentes acerca do papel que atribuem ao manual escolar (questão 10). Assim, o manual escolar é um dos recursos usados e, por vezes, quase exclusivo, não sendo, por vezes, a escolha a mais acertada o que obriga o docente a pesquisar e a elaborar outros tipos de materiais. Cabe ao professor de, no manual, ter a capacidade de seleccionar aquilo que verdadeiramente interessa e que se adapta às necessidades dos seus alunos, o que nem sempre acontece, facto que o obriga a construir os seus próprios materiais. Muitas vezes, o professor recorre mais ao manual porque é o que está mais acessível, já que não tem tempo para seleccionar e elaborar os seus próprios materiais (E.4). Alguns

146

entrevistados constatam que não é viável preparar um material didáctico todos os dias, considerando que a qualidade dos manuais escolares é outro critério a ter em atenção, pois há manuais que são muito bons e devem ser utilizados, outros há que não e que obrigam o professor a procurar muito material extra manual adoptado, como textos noutros manuais ou mesmo obrigando o próprio professor a produzir os seus próprios materiais. Há manuais que trazem soluções para as actividades propostas embora isso não seja benéfico para o aluno porque ele tem tendência a copiar o que está nessas soluções, sem compreender o conteúdo visado. Eles vão ver as soluções. Por isso, com freuência, os docentes recorrem ao que não está no manual adoptado para quebrar essa tendência; claro que isto depende muito da qualidade do livro didáctico adoptado, mas, por muito bom que ele seja, o professor acaba sempre por recorrer a outros textos ou actividades presentes noutros manuais. Por vezes, na opinião de um entrevistado, acaba por ser o docente a construir os seus próprios materiais, sobretudo quando se leccionam conteúdos relativos ao funcionamento da língua em que o docente recorre mais à gramática e tenta “elaborar exercícios que tenham a ver com o quotidiano dos alunos para eles verem que a gramática não é tão complicada como eles querem fazer crer” (E.5).

Sem perder de vista a sua dimensão didáctica, que é fundamental, o material produzido pelo professor deverá ter em vista a dimensão crítica e transformadora de todo o processo de ensino e aprendizagem e a sua necessidade nasce sempre em contexto de sala de aula, isto é, nasce da necessidade de elaborar o próprio material didáctico que corresponda a uma determinada necessidade da dimensão do processo de aprendizagem ou de um problema/dificuldade concreta e específica do mesmo processo.

A adopção do manual escolar, livro único para todos os alunos de um dado ano de escolaridade, pode ignorar a especificidades e particularidades de aprendizagem de cada aluno como indivíduo ao ser encarado como um instrumento de aprendizagem universal, podendo, também, limitar as aprendizagens dos alunos ou, ainda, limitar os conteúdos a ensinar, subjugando-os a conteúdos presos às sequências de aprendizagem propostas pelo manual, unificando, sob um único material uma grande parcela de alunos com inúmeras variantes que mereceriam um tratamento diferenciado para os diferentes temas abordados. É sempre encarado como um dos recursos que pode e deve ser usado já que os alunos o compraram. Um dos entrevistados considera que:

147

se fosse o próprio professor a seleccionar e a construir o seu próprio manual, de acordo com o programa, teríamos um melhor ensino da língua porque o adaptaríamos às reais necessidades dos alunos. Haveria um maior trabalho de pesquisa quer por parte do professor quer por parte do aluno. Construir-se-ia um portefólio onde ficaria arquivado todo o material trabalhado, utilizado e produzido em aula. O manual pode ser um instrumento, mas não devemos ficar presos a ele. É apenas um instrumento de apoio, mas deve dar-nos uma certa liberdade de acção (E.2).

Por outro lado, a massificação da adopção de manuais escolares mascara a preocupante situação da educação, pois com a adopção dos livros, esperar-se-ia que o trabalho do professor, assim como o próprio processo de ensino e aprendizagem, ficasse facilitado, o que nem sempre acontece. É senso comum que essa massificação da adopção do manual escolar em detrimento da adopção do próprio material do professor pode revelar mais alguns inconvenientes, pois mesmo actividades boas e bem planificadas podem não ser tão produtivas em todas as salas de aula, com todos os alunos que entrarem em contacto com elas. Mesmo os manuais escolares considerados bons podem cercear a actuação do professor, limitando assuntos que poderiam ser melhor explorados, caso o professor mantivesse a sua autonomia na produção dos seus próprios materiais. Em determinados contextos, o manual escolar é encarado como “muletas pedagógicas” para a realização do trabalho do professor, apoiando este toda a sua prática pedagógica no uso do manual escolar, visto que facilita o trabalho do docente, é um recurso fácil de utilizar, aparece organizado em sequências de aprendizagem e/ou conteúdos programáticos e estes já se encontram devidamente preparados, com propostas de actividades e outras sugestões de abordagem. Também é aquele recurso que é mais facilmente disponibilizado ao aluno e que pode colmatar a falta de tempo que o docente tem para estar a criar outros recursos, já que o livro está sempre acessível (E. 1).

Outro entrevistado considera que o manual pode ser, e deve ser, um guia de trabalho, um suporte de apoio à aula, mas o professor não o deve seguir cegamente e sem critérios pré-estabelecidos, pois a sua preocupação não se deve centrar em acompanhar todos os conteúdos com o apoio do manual, mas servirem-se dele quando,

148

de facto, ele pode ser uma mais-valia, caso contrário, o docente pode e deve recorrer a outro tipo de materiais e recursos. Para este docente, preparar os seus próprios materiais significa uma mais-valia no processo de ensino e aprendizagem porque, assim, seleccionou os materiais e os textos de acordo com a realidade concreta dos seus alunos:

Eu produzia diferentes materiais adequados a uma determinada realidade e tal

atitude também se mostrou mais profícua, porque cativava mais os alunos para o estudo. O livro deve ser apenas um auxiliar, mas não deve funcionar como planificação de todas as actividades a desenvolver em sala de aula. Cumprir o Programa não é dar tudo o que está no livro (E.3).

O manual escolar apresenta-se, apenas, como mais um instrumento de trabalho entre uma panóplia de recursos que estão ao dispor do professor, como a própria voz, o quadro, o computador, o filme, a visita de estudo.... (E. 7). Outro entrevistado refere que o manual escolar continua a ser o elemento comum e essencial para o trabalho diário com os alunos, no entanto, considera o quadro (normal ou interactivo) um elemento importante nesta relação professor / aluno; por outro lado, considera que o recurso a outro tipo de material didáctico, como fotocópias de fichas de trabalho e/ou informativas, apresenta-se cada vez como um recurso mais difícil de disponibilizar aos alunos, devido, sobretudo, aos custos das mesmas (E.9). Contudo, o manual escolar continua a apresentar-se como um instrumento de trabalho indispensável (E. 10), sendo considerado por alguns como “um mal necessário” (E. 8), servindo, frequentemente, como ponto de partida para o trabalho diário. Apesar disso, os docentes continuam a recorrer, muitas vezes, a outros materiais para completar ou enriquecer a aula (E.11), considerando que, relativamente ao ensino da língua, “alcançaríamos mais sucesso educativo se fossem os professores a construírem os seus próprios materiais adaptados às suas turmas” (E.6).

Podemos concluir que, embora, muitas vezes, apareça como único material de apoio à prática pedagógica do docente, o manual escolar não assume um estatuto soberano sobre qualquer outro material didáctico. Pensamos que tal se deve à diversidade de outros materiais que o acompanham, como CD`s, vídeos, acetatos... bem como toda uma panóplia de outros materiais que as editoras põem ao serviço da prática pedagógica, assim como outros instrumentos como o computador, com as virtualidades

149

da Internet e outros materiais audiovisuais e multimédia, que aparecem como facilitadores da prática pedagógica. De salientar que estes materiais didácticos apresentam uma qualidade muito boa (imagens, esquemas-síntese, som, actividades interactivas...), delegando aos professores, nesses materiais, a tarefa de decidir sobre assuntos tão importantes no processo didáctico-pedagógico como a selecção dos conteúdos linguísticos e literários, o tipo de texto utilizados, a selecção e a sequência das actividades de aprendizagem e os métodos de avaliação. Esses materiais são, também, a expressão de uma determinada concepção do ensino e da aprendizagem concebida, embora apoiada nos programas, pelas grandes editoras livreiras que detêm o monopólio do mercado livreiro. Os materiais didácticos, nomeadamente o manual escolar, devem ser facilitadores do estudo dos alunos, incutindo e transmitindo-lhes não só conteúdos programáticos, mas também hábitos e métodos de estudo.

Conceptualizando os manuais como “livro de referência”, os professores entrevistados consideram que, na sua prática pedagógica, usam, sobretudo, os manuais escolares, em detrimento dos materiais construídos pelos próprios. Contudo, verificamos pelo discurso dos professores que as concepções acerca do manual escolar alteraram-se significativamente nos últimos anos e estes deixaram de ser o único instrumento de trabalho na sala de aula, é mais um na diversidade de materiais didácticos que o mercado livreiro e as novas tecnologias oferecem.

O manual didáctico é visto como aquele livro que ensina, burocrático, a “linguagem certa” e, por motivos mais ou menos óbvios, é exactamente nesse tipo de modelo que se opera o processo de ensino e aprendizagem. O problema desta tal "linguagem certa" é que ela acaba por destruir uma compreensão mais generosa do potencial da linguagem, pior ainda, o seu modelo acaba por ser, por vezes, um empecilho para a aprendizagem de um padrão escrito de qualidade. Assim, há aqueles professores que defendem que cabe a cada um elaborar o seu próprio material didáctico. Deste modo, o professor estará em constante actualização, pois tem que enveredar por um trabalho de pesquisa permanente, o que o obriga a ter uma percepção concreta dos problemas dos estudantes reais que estão diante de si. Contudo, há inconvenientes neste tipo de trabalho, pois, embora sendo o ideal da autonomia didáctico-pedagógica, acaba por não se tornar plenamente operacional, simplesmente pela impossibilidade de gestão temporal e do próprio programa.

150