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Grande parte da prática docente decorre “através de trocas verbais orais: explicamos, organizamos actividades, perguntamos, respondemos, pomos ordem (...) através do uso oral da língua.” (Lomas, 2003: 73). A aula é concebida como um local “onde se fala” e “uma grande parte do processo de ensino-aprendizagem produz-se através dos intercâmbios verbais entre o professor e os alunos” (idem: 79). Carvalho (2003: 27) sublinha que a comunicação oral ocorre, normalmente em presença dos intervenientes desse processo (locutor/interlocutor(es)), resultando num trabalho de “co- produção dos intervenientes, pelo que a dificuldade de compreensão é relativamente reduzida uma vez que o emissor pode reformular algum aspecto que não tenha sido entendido”, por seu lado, “na comunicação escrita, a clarificação de uma ambiguidade ou a resolução de um eventual problema de compreensão não podem ocorrer

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imediatamente” (idem: 28), atribuindo ao processo de escrita uma componente mais complexa e densa. Lopes (1999: 23), quando remete para a escola a tarefa de promover as competências secundárias de aquisição da língua materna, que não decorrem de um processo natural de aquisição, considera que não faz sentido exercitar, em sede de sala de aula, a conversa espontânea, a interacção verbal coloquial e quotidiana, visto que tal nada contribui para o crescimento linguístico-comunicativo do aluno, mas refere que compete à escola “a função de incrementar a capacidade de expressão e compreensão oral5 do aluno, através de práticas pedagógicas que contemplem os chamados géneros

formais e públicos do oral6” (idem: 23). Assim, também saber ler e escrever são

competências secundárias que resultam de um processo escolar de aprendizagem e integram as competências nucleares a desenvolver no espaço escolar.

Ter consciência dos usos formais da língua requer um conhecimento prévio de mecanismos e estratégias comunicativas “que, dificilmente, se pode adquirir sem uma intervenção didáctica sistemática”. (Carvalho, 2003: 91). Os usos formais da língua exigem uma actividade complexa, tratando-se:

de discursos que costumam ser planificados e que, em muitos casos, utilizam um apoio escrito na sua preparação; costumam ser monogeridos, quer dizer, geridos pelo enunciador, embora, no entanto, a sua estrutura seja dinâmica já que admite as variações necessárias para se ajustar ao contexto de produção (idem: 92).

O mesmo autor salienta que “não é possível estabelecer uma equivalência mecânica entre a oralidade e o uso informal da língua, por um lado, e a língua escrita e o uso formal, por outro”, já que “pode haver discursos orais que utilizem um registo formal” que já se caracterizam “por um elevado nível de planificação e pelo emprego de uma linguagem específica” (idem: 113), considerando que o “pólo da máxima informalidade se revele apenas no uso oral, enquanto o pólo da máxima formalidade manifesta-se exclusivamente no uso escrito” (ibidem: 113, apud Berreta, 1984: 16). Salienta que a oralidade só é contemplada exclusivamente como um instrumento canalizador de conteúdos, “não tendo em conta que não pode haver aprendizagem de conteúdos sem um conhecimento amplo (capacidade de recepção e de produção) do

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Negrito do autor.

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instrumento, concretamente da língua” (idem: 128). Referindo-se à “educação do falar” refere que esta “deve ter como objectivo geral (...) a capacidade do aluno para codificar de forma clara e adequada o pensamento em linguagem” (idem: 137). Considera que o domínio da oralidade continua a ser encarado, quase exclusivamente, como um mecanismo de transmissão de conteúdos. Também é na escola onde se acentua mais a fronteira entre língua padrão/língua não padrão e da inter-relação entre essas duas realidades, nasce, muitas vezes, a separação e a contraposição sistemáticas entre o oral e o escrito, o uso não-monitorado da língua e o uso monitorado, o alfabetismo e o letramento, a ignorância e a cultura, o popular e o erudito, o racional objectivo e o irracional subjectivo (Signorini, 2006: 125). Ora, o professor apresenta-se como «agente (re)produtor da “cultura de padronização”», “subjacente às metapragmáticas institucionalizadas, isto é, aos metadiscursos hegemónicos sobre o certo e o errado no uso da língua” (idem: 131) e essas dicotomias do tipo padrão/não padrão, culto/não culto, oral/escrito, monitorado/não monitorado são prescritos e acentuam-se pela tradição académica e escolar. Signorini (ibidem: 131) considera que, nessa “cultura de padronização”, quanto maior é a “polarização diglóssica entre domínios de uso/funções, por um lado, e entre formas linguísticas/posicionamentos no campo sociocultural e político, por outro lado, maior é o deficit atribuído à competência linguística” dos alunos, principalmente daqueles que são oriundos das camadas mais desfavorecidas.

No documento “Currículo Nacional do Ensino Básico – competências Essenciais”, na secção “Competências Específicas, página 32, pode-se ler que a disciplina de Língua Portuguesa tem de garantir, a cada aluno, em cada ciclo de escolaridade, “o desenvolvimento de competências específicas no domínio do modo oral (compreensão e expressão oral). O mesmo documento traça dois objectivos relativamente às competências do modo oral. A saber: i) alargar a compreensão a discursos em diferentes variedades do Português, incluindo o Português padrão, e dominar progressivamente a compreensão em géneros formais e públicos do oral, essenciais para a entrada na vida profissional e para o prosseguimento de estudos e ii) alargar a expressão oral em Português padrão e dominar progressivamente a produção de géneros formais e públicos do oral, essenciais para a entrada na vida profissional e para o prosseguimento de estudos. Dado o peso e o papel da compreensão do oral no acesso ao conhecimento e à eficácia da comunicação, esta competência é essencial para

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o sucesso escolar dos alunos. Pela leitura do documento: “A Língua Materna na Educação Básica - Competências Nucleares e Níveis de Desempenho”, p. 29, constata- se que, através da eficácia na comunicação oral, pretende-se que o aluno se expresse de forma clara, eficiente e criativa oralmente, o que pressupõe o crescimento em termos do conteúdo linguístico (vocabulário e estruturas gramaticais), do reportório de estratégias de interacção (antecipação, síntese e reflexão) e de flexibilização do uso da língua em situações e actividades diversificadas (idem: 35).

Apesar de a oralidade não ser uma competência que se adquire exclusivamente na escola, visto que os alunos, quando entram na escola, já falam a sua língua materna, apresenta-se como um domínio importante e a valorizar. Pelo domínio específico da comunicação oral, os alunos expõem e comparam ideias, desenvolvem raciocínios e pontos de vista, argumentam e contrapõem opiniões, analisam e avaliam as intervenções de outros. Afinal, vão ser essas competências que a sociedade lhes vai exigir. Promovendo a observação e a análise desses usos, tomam consciência de que a fala se constrói com o outro, no âmbito de práticas dialógicas, e aprofundam a capacidade de fazer escolhas adequadas às intenções comunicativas e aos interlocutores. Este entendimento do trabalho no domínio da comunicação oral consolida-se por uma estreita articulação entre as actividades de compreensão e de expressão. Os critérios de eficácia e de coerência discursiva nas diferentes modalidades do oral devem ser progressivamente compreendidos, analisados e incorporados. Os alunos devem, assim, alargar o seu repertório linguístico e reforçam a compreensão dos mecanismos e estratégias de produção oral, desenvolvendo uma maior confiança e autonomia enquanto falantes. É esta a função da escola.

Pela leitura dos Programas, verificamos também que, no domínio da compreensão/expressão oral, se deve promover “pressupostos que permitam a prática de eficaz e adequada interacção verbal”. Toda a aula assenta na interacção verbal professor-aluno, aluno-professor e aluno-aluno e desta interacção resulta, em grande parte, o sucesso ou o insucesso da prática pedagógica. Embora a avaliação final do aluno recaia, sobretudo, sobre o domínio da escrita, nomeadamente quando se fala do nono e décimo segundo ano, contudo, cada vez mais, a componente oral começa a assumir, também, um papel de relevo na avaliação final dos alunos. Assim, no Programa Português 10.º, 11.º e 12.º anos, verificamos que a compreensão oral visa i)

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identificar a intenção comunicativa do interlocutor; ii) saber escutar e compreender géneros formais e públicos do oral e iii) saber escutar criticamente discursos orais, identificando factos, opiniões e enunciados persuasivos. Já a expressão oral tem como objectivos i) adequar o discurso ao objectivo comunicativo, ao assunto e ao interlocutor; ii) exprimir pontos de vista e iii) fazer exposições orais com guião. Salienta que o domínio da oralidade é uma competência “transversal que deve permitir ao aluno a sua afirmação pessoal e a sua integração numa comunidade, ora como locutor eficaz, ora como ouvinte crítico, ora como interlocutor, em suma, como cidadão” (idem:16).

No que respeita à afirmação pessoal, considera que:

a Escola deve estimular no aluno o autoconhecimento e a expressão de si, pelo que deve instituir práticas de produção oral unidireccional (aluno → alunos/professor) que dêem lugar a manifestações individuais e adoptar estratégias que visem o descondicionamento da expressão e a procura da dimensão lúdicocatártica da palavra, promovendo o desenvolvimento desta competência (ibidem).

Relativamente à integração na comunidade, deverá a aula de língua “criar espaços de interacção verbal, através de diálogos, discussões e debates, imperativos para a formação de cidadãos livres, emancipados, responsáveis e autodeterminados.” (ibidem)

Assim, a competência do oral deve “fornecer ao aluno os conhecimentos instrumentais exigidos pela vida escolar (relatos, exposições, diálogos, debates) social e profissional (entrevistas para um emprego, conferências …). Salientando que:

do ponto de vista exclusivo da disciplina, dada a complexidade da comunicação oral, que associa os códigos verbal, paraverbal e não verbal, torna-se imperativo conceder a este domínio um estatuto autónomo no processo de ensino- aprendizagem, embora em articulação com os domínios da leitura e da escrita. Deverão ser introduzidos nas aulas de Português espaços de ensino-aprendizagem da língua portuguesa-padrão, do oral reflectido e de géneros públicos e formais do oral, tanto ao nível da compreensão como da produção, instituindo o aluno como ouvinte activo e locutor de pleno direito (ibidem).

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Deste modo, compete à escola, e ao Ensino Secundário em particular:

contribuir para o desenvolvimento e consolidação da competência de comunicação do aluno, nas suas várias componentes, através da sua exposição a vários géneros públicos e formais do oral de complexidade e formalidade crescentes, cuja compreensão exige focalização prolongada da atenção, extensão e diversidade vocabular, rapidez de acesso lexical e domínio de estruturas sintácticas de grande complexidade. Assim, é necessário propor estratégias que levem ao aperfeiçoamento destes aspectos e à consciencialização das escolhas formais decorrentes da situação de produção e intencionalidade comunicativa (exercícios de escuta activa)(idem, 17).

Considerando que a compreensão coloca os alunos em relação dialógica com os enunciados, o que faz deles uns co-construtores dos sentidos, atribuindo-lhes um papel activo, cabe ao professor criar estratégias que orientem os alunos na utilização de diferentes modelos de compreensão, de modo a treiná-los na mobilização dos seus conhecimentos prévios necessários à aquisição das novas informações, bem como na interacção da informação do texto com os seus conhecimentos sobre o tópico e no estabelecimento simultâneo de objectivos de escuta. Já no que diz respeito à produção do oral reflectido, “deve-se desenvolver no aluno hábitos de programação dos géneros públicos e formais do oral, observando as fases de planificação, execução e avaliação7, aplicando estratégias e instrumentos apropriados à aquisição de saberes processuais e declarativos” (ibidem).