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2.4 CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES

2.4.1 Conhecimento Profissional do Professor

Planear e ensinar são actividades cognitivas complexas nas quais o professor aplica conhecimento diversificado (Leinhardt e Greeno, 1986; Magnusson, Krajcik e Borko, 1999; Resnick, 1987). Este conhecimento, construído durante a sua experiência como aluno e como professor, tem um grande impacto no que se passa nas suas aulas e na forma como se relaciona com os alunos e a comunidade educativa em geral. Durante as últimas décadas, a investigação educacional tem procurado compreender a natureza, o conteúdo e a estrutura do conhecimento profissional do professor.

De acordo com Schön (1987, 1992), um dos autores mais marcantes nesta área, o conhecimento profissional do professor tem uma natureza tácita e intuitiva e está implícito na acção, sendo impossível de compreender separado dessa mesma acção. Na sua opinião, este “conhecimento na acção” consiste num “saber fazer”, simultaneamente teórico e prático, difícil de descrever e explicar, que permite agir em contextos imprevisíveis e complexos. Frequentemente, o professor desconhece a sua origem e limita-se a utilizá-lo espontaneamente, sem pensar nele antes ou durante a sua mobilização. Portanto, o conhecimento profissional pode ser reconhecido, principalmente, pela forma como o professor orienta a sua prática.

Schön considera que o conhecimento profissional do professor se baseia na experiência e na reflexão sobre a experiência, podendo ser mais ou menos informado pelo conhecimento académico. A reflexão pode ser de três tipos: a reflexão na acção (que decorre durante a prática, permitindo a sua eventual reformulação), a reflexão sobre a acção (implicando a revisão do acontecimento fora do seu cenário) e a reflexão sobre a reflexão na acção (um olhar retrospectivo, em que se reflecte sobre o momento da reflexão na acção). Os dois primeiros tipos de reflexão envolvem a análise do acontecimento, apenas variando quanto ao momento em que decorre: durante ou após a prática. Através da “reflexão sobre a

acção”, os professores tomam consciência do seu conhecimento tácito e das suas concepções erróneas e reformulam o pensamento. A “reflexão sobre a reflexão na acção” é um processo em que o professor procura interpretar e compreender o momento da reflexão na acção. Envolve uma reflexão sobre o sucedido, o significado que se lhe atribuiu e outros significados que eventualmente se lhe possam atribuir (Schön, 1992). Representa uma reflexão orientada para a acção na medida em que ajuda a compreender novos problemas, a construir soluções e a orientar acções futuras.

Também Ponte e Oliveira (2002) descrevem o conhecimento profissional do professor como um conhecimento específico que se desenvolve e consolida através da experiência e da reflexão sobre a experiência. Contudo, consideram que tanto os saberes construídos na acção como a formação inicial e a interacção com colegas de profissão contribuem para a construção deste conhecimento. Desta forma, conferem uma origem dupla ao conhecimento profissional do professor: a) a experiência pessoal directa e a reflexão sobre essa experiência; e b) a interacção social.

De acordo com Elbaz (1983), o conhecimento profissional do professor distribui-se por cinco domínios ou componentes fortemente interligados:

1. O conhecimento de si mesmo, incluindo tudo o que o professor conhece sobre si próprio, os seus valores e desejos, o seu auto-conceito, o seu posicionamento na escola e na sala de aula, os seus recursos e capacidades. Trata-se de um domínio pouco referido que, na opinião desta autora, influencia toda a actividade docente e contribui decisivamente para a unidade do conhecimento profissional.

2. O conhecimento do contexto de ensino, integrando conhecimentos relativos ao sistema educativo, à comunidade, à escola, ao projecto educativo, aos colegas de profissão, aos órgãos de gestão, aos encarregados de educação e, principalmente, aos seus alunos.

3. O conhecimento do conteúdo de ensino, incluindo tanto o conhecimento dos diferentes tópicos específicos como as concepções do professor

sobre a área disciplinar que lecciona (nomeadamente, sobre a sua natureza e relação com o real).

4. O conhecimento do currículo, ou seja, o conhecimento (a) dos diferentes currículos da sua área disciplinar, (b) das suas finalidades e orientações gerais, (c) dos materiais, actividades, abordagens e estratégias a utilizar. 5. O conhecimento instrucional, respeitante às concepções do professor

sobre o ensino, a aprendizagem, a avaliação e a organização e gestão do tempo e das actividades de sala de aula.

Esta estrutura tem sido adaptada, com maiores ou menores alterações, por outros autores. Carlsen (1999), por exemplo, propôs uma estrutura semelhante para o conhecimento profissional dos professores de ciências, também ela baseada em cinco grandes domínios (Figura 1):

1. O conhecimento do contexto educativo em geral (sistema educativo, política educativa, comunidade, escola e alunos em geral);

2. O conhecimento do contexto educacional específico (relativo às turmas e aos alunos específicos com os quais trabalha);

3. O conhecimento pedagógico geral (noções gerais sobre o ensino, a aprendizagem e a gestão de sala de aula);

4. O conhecimento de conteúdo disciplinar (relativo à natureza e às estruturas sintáctica e substantiva da ciência); e

5. O conhecimento pedagógico de conteúdo (pedagogical content

knowledge)(um conhecimento que lhes permite seleccionar as estratégias

mais adequadas ao ensino de conteúdos específicos a alunos com determinadas características).

Figura 1 – Domínios do Conhecimento do Professor de Ciências (Carlsen, 1999)

O conhecimento pedagógico de conteúdo (CPC) representa um domínio exclusivo dos professores (Shulman, 1986, 1987) que reúne um conjunto de conhecimentos, fundamentais para o exercício da profissão docente, relativos à “forma de representar e formular o conteúdo para o tornar compreensível” (Shulman, 1986, p. 9). Desta forma, o professor surge como um mediador que transforma o conteúdo disciplinar em representações compreensíveis pelos alunos. O CPC resulta da transformação e integração de várias domínios de conhecimento necessários para o ensino (nomeadamente, o conhecimento de conteúdo disciplinar e o conhecimento pedagógico geral), em consequência dos processos de planeamento, ensino e reflexão de assuntos disciplinares específicos. Trata-se de um constructo difícil de avaliar em virtude da impossibilidade de ser observado directamente e das dificuldades dos professores em explicitá-lo (Baxter e Lederman, 1999).

Conhecimento Sobre o Contexto Específico

Esta turma Estes alunos

Conhecimento Pedagógico de Conteúdo Concepções Erróneas Mais Comuns nos Alunos Currículos Específicos de Ciência Estratégias de Ensino Específicas de cada Tópico Finalidades para o Ensino das Ciências Conhecimento Pedagógico Geral Conhecimento de Conteúdo Disciplinar Alunos e Aprendizagem Gestão de Sala de Aula Currículo Geral e Ensino Estrutura Sintáctica da Ciência Estrutura Substantiva da Ciência Natureza da Ciência e da Tecnologia

Conhecimento Sobre o Contexto Educativo Geral Estado e Nação Comunidade Escola Alunos

Os trabalhos de Grossman (1990), Tamir (1988) e Magnusson, Krajcik e Borko (1999) permitiram identificar cinco vertentes no conhecimento pedagógico de conteúdo necessário para o ensino das ciências (Figura 2):

1. As orientações relativamente ao ensino e à aprendizagem das ciências, ou seja, as concepções dos professores acerca das finalidades e dos objectivos do ensino e da aprendizagem das ciências, num determinado nível de escolaridade, que orientam as suas decisões relativamente ao planeamento, concretização e reflexão sobre o ensino;

2. O conhecimento dos currículos de ciências, nomeadamente, das suas finalidades e objectivos, bem como dos materiais relevantes para o ensino desse domínio particular da ciência e dos seus tópicos específicos;

3. O conhecimento da forma como os alunos compreendem a ciência, ou seja, os conhecimentos e as crenças dos professores quanto (a) aos pré-requisitos necessários à aprendizagem de conteúdos específicos, (b) às várias abordagens utilizadas pelos alunos na aprendizagem desses conteúdos, (c) às dificuldades evidenciadas na aprendizagem de cada tópico e (d) às causas destas dificuldades. Este conhecimento permite que os professores definam a estratégia mais adequada ao desenvolvimento de conhecimentos científicos específicos pelos alunos; 4. O conhecimento sobre a avaliação em ciências, nomeadamente das

diferentes dimensões de aprendizagem a avaliar e das metodologias mais adequadas a essa mesma avaliação;

5. O conhecimento das estratégias de ensino adequadas ao ensino das ciências em geral e de cada tópico em particular.

Figura 2 – Os Componentes do Conhecimento Pedagógico de Conteúdo para Professores de Ciências (Magnusson, Krajcik e Borko, 1999)

Ponte (1994a) manifesta-se criticamente em relação à tradução portuguesa da expressão pedagogical content knowledge: conhecimento pedagógico de conteúdo. Considera que, além de não ter o mesmo significado da expressão inglesa, constitui uma redundância pois o conhecimento pedagógico (ou didáctico) pressupõe sempre um conteúdo de ensino. Logo, recorre à expressão conhecimento didáctico para descrever a vertente do conhecimento profissional que intervém directamente na prática lectiva. Na sua opinião, o conhecimento didáctico

Orientações relativamente ao Ensino da Ciências

Conhecimento dos Currículos de Ciências

Conhecimento sobre Avaliação da Literacia Científica Conhecimento da Forma como os Alunos Compreendem a Ciência Conhecimento das Estratégias de Ensino inclui nomeadamente nomeadamente influenciando influenciando influenciando influenciando Conhecimento Pedagógico de Conteúdo Currículos Específicos de Ciências Finalidades e Objectivos Estratégias Específicas do Ensino das Ciências

Estratégias Específicas para Cada Tópico Dificuldades dos Alunos Relativamente a Conteúdos Específicos Pré-requisitos Necessários à Aprendizagem de Conteúdos Específicos Dimensões a avaliar Métodos de Avaliação da Aprendizagem em Ciências

articula-se com outros domínios do conhecimento profissional do professor como, por exemplo, o conhecimento de si mesmo (Elbaz, 1983) e o conhecimento na acção relativo à prática lectiva, à prática não lectiva, à profissão e ao desenvolvimento profissional. Segundo Ponte e Oliveira (2002), o conhecimento didáctico inclui quatro grandes vertentes:

1. O conhecimento do conteúdo, ou seja, a interpretação que o professor faz dos aspectos específicos do saber que ensina, nomeadamente, dos seus conceitos e procedimentos fundamentais (indicados nos respectivos programas) e das suas conexões internas (relações estabelecidas entre diversos tópicos) e externas (relações com outras disciplinas e áreas do conhecimento);

2. O conhecimento do currículo, que engloba as interpretações do professor sobre as grandes finalidades e objectivos, a organização dos conteúdos, os materiais e as metodologias a utilizar e as dimensões a avaliar. Este conhecimento fundamenta as decisões do professor relativamente à orientação e gestão do processo de ensino-aprendizagem;

3. O conhecimento dos alunos e dos seus processos de aprendizagem, nomeadamente, dos seus interesses, preferências, valores, referências culturais, processos de aprendizagem e competências cognitivas e sócio-afectivas. Todos estes conhecimentos, nem sempre compatíveis com as teorias académicas dominantes, são fundamentais para o exercício e êxito da actividade do professor; e

4. O conhecimento do processo instrucional que inclui aspectos fundamentais como a planificação das aulas, a concepção das tarefas e tudo o que respeita à realização das aulas (formas de organização do trabalho dos alunos, de promoção de ambientes de interacção e de aprendizagem específicos, de avaliação das aprendizagens dos alunos e do desempenho do professor).

A construção do conhecimento didáctico não é um processo simples. O carácter pessoal desta vertente do conhecimento profissional e a sua ligação à

acção e à reflexão sobre a experiência implicam que o seu desenvolvimento não dependa exclusivamente da aprendizagem de conteúdos científicos, teorias educacionais e didáctica. Apenas o envolvimento dos professores na reflexão sobre as suas experiências permite alicerçar a autoridade racional e tradicional da formação com a autoridade da sua experiência pessoal.