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CAPÍTULO III: FUNDAMENTOS TEÓRICOS

3. PESCA: DELINEAMENTO HISTÓRICO

3.5 A PESCA ARTESANAL: CARATECRISTICAS

3.5.3 Conhecimentos tradicionais

Conhecimento tradicional é definido como o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração (DIEGUES, ARRUDA, FIGOLS, & ANDRANDE, 2000).

“O conhecimento tradicional na pesca é cumulativo durante gerações, é empírico, pois deve continuamente confrontar-se com o teste da experiência: é dinâmico, pois transforma-se em função das mudanças socioeconômicas, tecnológicas e físicas” (DIEGUES, 2004, p. 31).

Esses conhecimentos são adquiridos pelas populações tradicionais através de uma estreita relação com os recursos naturais. De acordo com Alves (2014, p.14) “os pescadores artesanais são um grupo social que faz parte das comunidades tradicionais, pois usam a tradição como modo de vida ˮ.

Segundo CUNHA (2003) todo um saber mítico, simbólico e cultural – patrimonial – que índios, seringueiros, pescadores, coletores – povos do mar, da terra e

da floresta – vêm produzindo em simbiose com os ciclos produtivos e naturais, tem relação com um profundo respeito aos meios em que se inserem.

O conhecimento do meio ambiente e a habilidade para utilizar esse meio, na medida em que vão sendo transmitidos e absorvidos pelas gerações transformam práticas, hábitos de vida, modos de apreensão da natureza pelo contato íntimo com a água, a floresta, e a terra (MORAES S. C., 2011). O saber local, como, aliás, qualquer saber, refere-se a um produto histórico que se reconstrói e se modifica em processo de investigação e recriação (CUNHA M. C., 1999), com isso a tradição é algo dinâmico, algo que transita, que se movimenta, contrariando assim o sentido convencional imputado à palavra (ou a processos histórico-sociais tradicionais) (CUNHA L. H., 2003).

Os pescadores artesanais possuem um saber local relacionado ao ecossistema que vivem. Segundo Furtado, esses pescadores:

Possuem um conhecimento generalizado da área e dos fenômenos que representam seu universo de pesca. Os ventos que favorecem ou não as pescarias, as correntes marítimas, a hora adequada para a pescaria, as ocasiões de risco de alagação e a maneira de sobrevive-la, os pontos de pesca, profundidade de passagem dos cardumes, a hora de deitar e puxar uma rede, a posição em que devem ser colocados os curais de pesca etc. (FURTADO, 1990, p. 62 apud FURTADO, 1980, p. 24).

Na pesca artesanal a observação é importante para o aperfeiçoamento dos saberes da tradição, que de acordo com o Diegues (2004, p. 31) “os pescadores dependem das habilidades visuais, e o que vê em, e memorizam é ditado pelas práticas na pesca, pelas técnicas de encontrar e capturar o que eles e seus camaradas julgam importante”.

Essas técnicas de encontrar e capturar peixe faz parte do saber pescar, que é midiatizado pela tradição e experiência, conferindo-lhe especificidade (DIEGUES & SALES, 1988, p. 212). Continuando com o mesmo autor, destaca-se a importância do “ato de saber pescar envolve um conjunto de conhecimentos, experiências e códigos culturais transmitidos de pai para filhos, recriados individual ou socialmente, através dos quais a pescaria se realiza” (idem).

Segundo MORAES (2007), as populações pesqueiras têm por pilares de conhecimentos os saberes da tradição que vão se adequando aos seus meios disponíveis. Este autor afirma que os saberes que envolvem a pesca não se limitam nem se esgotam

num conhecimento acadêmico ou escolar, estes saberes não científicos ligados as populações tradicionais envolvem relações estreitas entre o homem e a natureza, permeados em relações de ordens pontuais e místicas que muitas vezes regulam essas atividades evitando assim atitudes predatórias.

Neste caso homem e natureza são interfaces de um mesmo processo produtivo, cujas relações em determinados momentos, aparecem de forma ritualizada, isto é, quando o homem ao intervir sobre ela, o faz com parcimônia, de modo não abusivo, porque tem um sistema de crença a lhe regular o comportamento diante dela. Mães de rio, mães de bicho, mães de mato, mães d’água, mães de peixe fazem parte dessas crenças que de algum modo sugerem-lhe atitudes de respeito frente ao espaço em que atuam. É por aí e pelas crenças que povoam o universo de caboclo pescador, que se deve buscar a compressão de que a pesca artesanal, por sua natureza, não chega a dispor de mecanismos predadores da natureza quanto outras formas de produção mais sofisticadas (FURTADO, 1990, p. 72).

Esses conhecimentos são transmitidos das gerações de pescadores artesanais mais experientes para as mais jovens, principalmente pela oralidade e pelas práticas do cotidiano. Estes por sua vez são distribuídos homogeneamente entre todos os pescadores, mas, em parte, é função do tempo de experiência na pesca, a qualidade desse conhecimento é função do pescador no sistema de pesca (HOLMOS, 2003 apud DIEGUES, 2004, p. 32).

Este teórico acrescenta que o conhecimento do pescador também depende da tecnologia usada na pesca como por exemplo:

“O tipo de conhecimento do pescador que trabalha com arrastro é diferente daquele usado pelo pescador de linha de fundo; a maneira pela qual o pescador percebe os peixes depende do ciclo de vida em que eles são pescados” (DIEGUES, 2004, p. 32).

O conhecimento tradicional também fornece uma base de informação crucial para o manejo dos recursos pesqueiros locais, em particular nos países tropicais onde os dados biológicos raramente estão disponíveis (DIEGUES, 2000, p. 31).

Outra observação aponta que é importante a contribuição do conhecimento dos pescadores na definição das políticas para o setor, talvez em função das falhas ocorridas ao longo das intervenções do Estado, que ajudam os pescadores das definições das medidas de gestão (CARDOSO, 2007).

Continuando com esse raciocínio, pode se notar que isso não é o que acontece na realidade, pois, leva-se a acreditar que os pescadores artesanais fazem parte da classe subalterna de trabalhadores (em que a situação da pobreza dos sujeitos é predominante),

e sendo estes não valorizados devido as suas condições sociais, os políticos mostram-se preocupados somente nos momentos eleitorais.

No entanto, se houvesse um diálogo coerente relacionado com os conhecimentos detidos por esta classe de trabalhadores em prol de políticas públicas mais eficazes, isso iria fortalecer no setor pesqueiro. Allut (2000) apud Cardoso (2007) acrescenta que “esta ausência de diálogos entre ambos os tipos de conhecimentos provavelmente, propiciada pela escassa valorização do conhecimento dos pescadores, favoreceu, em parte, que alguns modelos de gestão pesqueira tenham fracassado”.

Conhecimento tradicional, pode ajudar na “criação de novos paradigmas de organização social e econômica para enfrentar os desafios predatórios impostos pela economia capitalistas, com o fim de respeitar o ser humano e assegurar a saúde dos ecossistemas (...)” (ACOSTA, 2005, p. 147). Segundo Alves (2014, p. 147) “a pesca representa uma herança cultural que representa suas identidades e laços sociais”.

Pode-se assim concluir que, o conhecimento tradicional tem grande influência na pesca artesanal, no que se refere a organização de pescarias, no modo de vida dos pescadores assim como na resolução de conflitos existentes nesta atividade.