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Conjunto 10-3: Subcoleções invariantes e a simetria por translação (ostinato)

ANEXO I – Lista de classes de conjunto proposta por Larry Solomon (2005) 289 I – Partitura Choros nº4

Conjunto 10-5 (c.17-25) disposto em pares de

2.2.4. Conjunto 10-3: Subcoleções invariantes e a simetria por translação (ostinato)

Villa-Lobos também trabalha com a liquidação de coleções, utilizando apenas recortes destas, que chamaremos aqui de “subcoleções”. Esses grupos de alturas em geral têm caráter híbrido, ou seja, podem pertencer a várias coleções diferentes e, por isso, ser utilizados como invariantes, servindo como base para um ostinato, por exemplo, onde uma subcoleção pode permanecer sublinhada por vários compassos, enquanto grupos de coleções diferentes vão se sucedendo pelo acréscimo e substituição de outras classes de altura, tendo em comum as invariâncias reiteradas. Abaixo temos um exemplo da aplicação destes procedimentos no Choros nº7. O conjunto 4-10 (0235) formado pelas alturas consecutivas Ré, Mi, Fá, Sol – segmento presente em sete coleções: duas diatônicas (Dó e Fá), duas acústicas (Fá e Sib), duas harmônicas (Dó Maior e Ré menor) e uma octatônica – aparece em ostinato no compasso 55 e se estende até o compasso 102 (Fig. 2 - 53). É uma estrutura simétrica em torno dos pares de classes de altura Mi/Fá-Sib/Si (4/5-10/11, soma: 9, Fig. 2 - 54).

Fig. 2 - 53: ostinato com as invariâncias Ré, Mi, Fá, Sol (conjunto 4-10) presente entre os c.56-

Fig. 2 - 54: eixo Mi/Fá-Sib/Si (4/5-10/11) implícito no conjunto de invariâncias Ré, Mi, Fá, Sol

que forma o ostinato (c.56-102)

O agrupamento de todas as classes de altura utilizadas neste trecho entre os compassos 57 e 102 forma um conjunto 10-3 (012345679A) (Fig. 2 - 55). Essa estrutura possui um eixo de reflexão coincidente com o mesmo Mi/Fá- Sib/Si (4/5-10/11, soma: 9) presente no conjunto invariante 4-10 que forma o ostinato.

Fig. 2 - 55: conjunto 10-3 formado por todas as classes de altura apresentadas entre os c.57-

102 e o eixo Mi/Fá-Sib/Si (4/5-10/11) implícito nesta estrutura

Como vimos anteriormente em nosso estudo sobre a construção de conjuntos de dez classes de altura a partir da interação entre pares de diatônicas e pares de acústicas, o conjunto 10-3 pode ser gerado pela sobreposição entre duas coleções acústicas distantes uma classe de intervalo de três semitons (transposição por T3), neste caso as acústicas Sib e Sol (Fig. 2 - 56). Verificamos

entre essas duas estruturas o conjunto invariante 4-10 formado pelas classes de altura Ré, Mi, Fá, Sol, exatamente as mesmas sublinhadas em ostinato ao longo de todo esse trecho.

Fig. 2 - 56: conjunto 10-3 formado pela interação entre as coleções Sib acústica e Sol acústica

em torno das invariâncias Ré, Mi, Fá, Sol (conjunto 4-10) presentes no ostinato.

O uso da liquidação de coleções em forma de ostinato, concomitante com a presença frequente de acentos rítmicos deslocados e fórmulas de compassos mistas, afasta a obra de Villa-Lobos das tradicionais métricas proporcionais (binário, ternário e quaternário) e o aproxima mais das assimétricas rítmicas aditivas gerenciadas por agrupamentos isolados de unidades menores (SANDRONI, 2008: 24-25), aspecto comum em gêneros musicais afro- brasileiros como candomblé, ijexá e samba.

Temos também a inscrição da simetria intervalar por translação no repertório pós-tonal através do uso sistemático de fórmulas em ostinato, essencialmente adotado por compositores adeptos à estética franco-russa, e, anos mais tarde, levado ao extremo deste procedimento pelos compositores minimalistas. Aqui a repetição frenética das alturas em forma de ostinato esgota o sentido semântico do mesmo. O material melódico é despido de possíveis referencialidades externas, dotando a esse fragmento reiterado apenas o sentido sonoro, encerrado em si mesmo como uma unidade monótona. Seria como nossa audição reconhecesse o ostinato como um bloco harmônico (um “acorde” arpejado, algo similar a um eterno “baixo de Alberti42”), ou ainda como uma nota

pedal, mais do que propriamente uma melodia de notas justapostas. Temos o

42 Procedimento característico de classicismo musical em que um acorde não é tocado verticalmente na íntegra, mas sim arpejado várias vezes em sequência.

ápice do estudo e aplicação sistemática desse procedimento na segunda metade do século os compositores minimalistas Steve Reich (1936-) e Philip Glass (1937-).

Ao contrário do sentido fenomenológico das alturas repetidas em ostinato, o material temático reiterado nas formas cíclicas, muito recorrente na prática musical tradicional, traz em si a vocação para a designação mnemônica e para a referencialidade. Um exemplo emblemático são as obras desenvolvidas a partir deste tipo de periodicidade melódica, em que o material retomado serve como fator organizacional e, principalmente, ajuda muito ao ouvinte na assimilação do desenvolvimento do discurso musical.

Villa-Lobos também recorre ao procedimento cíclico na retomada da melodia Nozani-Ná em diversos momentos do Choros nº7, aparecendo inclusive no contorno estrutural, e citado também em outras obras como o Choros nº3, fato que aponta para a preocupação do compositor com a unidade de toda a Série Choros. Souza (2010) observa nesta conduta de utilização da forma cíclica – também aparente em o Rudepoema, analisada pelo autor – como uma volta a elementos da sintaxe clássica, adaptados ao novo idioma moderno. É um modo que o compositor encontrou de resolver a problemática do desenvolvimento estrutural e a conduta linear do discurso semântico musical, questão que ficou em aberto em consequência do desmoronamento da prática comum, do tonalismo e das formas tradicionais. No entanto, a condução cíclica no caso de Villa-Lobos, que diz respeito também à criação de Stravinsky de mesmo caráter, não tem propósito convencional como nas formas tradicionais de variação contínua a partir de um tema original, onde há um interesse pela progressão gradativa do material motívico, conduzido até um ponto climático, incumbindo inclusive um sentido retórico ao discurso musical. No contexto pós-tonal, por sua vez, o elemento melódico matriz aparece em diversos pontos da composição, sempre variado, mas sem uma suposta intenção de direcionalidade e progressão. Esse conteúdo ao ser reiterado como ostinato gera um ponto de convergência do fluxo discursivo, trabalhando concomitante às alturas cêntricas que coordenam o trânsito de coleções escalares dispostas em rede, dialogando também com relações intervalares simétricas subjacentes. Supor a possibilidade de uma estrutura composicional tão desenvolvida nos surpreende e revela um compositor plenamente consciente na aplicação de sua proposta artística.

2.2.5. Conjunto 10-2: interação entre gêneros diferentes de