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1.2 Valores patrimoniais e arquitetônicos de São João hoje

1.2.2 Conjunto urbanístico

O conjunto urbanístico da cidade de São João del-Rei é composto por uma malha orgânica, coincidente com a área de origem de seu núcleo, e por uma malha mais ortogonal, resultante de sua expansão. A ocupação desse arraial ocorreu de forma espontânea, acompanhando a topografia acidentada e adensando as proximidades das minas de ouro. As vias do período colonial eram irregulares.

Interligavam o local de extração, a residência e a entrada e saída da vila. Os terrenos urbanos eram, em sua maioria, estreitos e profundos, apresentando alguns deles saída para a rua detrás. Em quadras longas, era comum a existência de becos

que possuíam a função de servidão, mas que também permitiam a passagem das águas de córregos que desciam as encostas, assim como as águas das chuvas. A vila detinha ruas de "aspecto uniforme", com edificações térreas e sobrados colados uns aos outros, construídos sobre o alinhamento das vias. As moradas ou eram urbanas ou rurais, e era rara a existência de casarios urbanos recuados e com jardim. A ausência de jardins particulares em meio às construções foi característica herdada desse período.

De acordo com as reflexões de Vasconcellos (2004), os núcleos urbanos mineiros reuniam as prerrogativas de residências, entreposto, local de suprimento e de trocas comerciais. O autor mostra que, ao contrário das cidades litorâneas, as mineiras tinham seus monumentos inseridos no centro dos largos, rodeados por ruas ou praças, independentes das quadras vizinhas. Os templos poderiam ser também implantados em "outeiros", o que contribuía para a valorização dos edifícios religiosos, proporcionando às povoações um ambiente paisagístico e com bons efeitos de perspectiva, como o que vemos na imagem abaixo, na Praça Frei Orlando, onde foi implantada a Igreja São Francisco de Assis. Bem como podemos observar na Praça Embaixador Gastão da Cunha, onde está edificada a Igreja do Rosário, circundada por ruas assim como a Igreja do Carmo.

Ilustração 1.35: Implantação da Igreja São Francisco circundada por ruas.

Disponível: <http://www.flickr.com/photos/kikoneto/>. Acesso em: 10 mar. 2013.

Autor: Kiko Neto.

Data: 31 mai. 2010.

O crescimento de São João acompanhou o curso natural do Córrego, caracterizado pela longitudinalidade das vias. As pontes sobre seu leito representam momentos histórico-econômicos vividos pela cidade, estabelecendo tais ligações.

Somente na área central contamos com cinco pontes e pontilhões, em diversos relações entre a habitação e o lote urbano herdado do século XVIII." (1987, p. 34)

Em meados do século XIX, o escravismo entrou em declínio. O trabalho remunerado, fruto da imigração europeia, ganhou espaço, e técnicas construtivas foram criadas e aperfeiçoadas. A prosperidade econômica possibilitou a importação de equipamentos e novos materiais, deslocados pelo transporte ferroviário. No final do século XIX e início do XX, as modificações de maior expressão puderam então ser notadas por meio de novas formas de implantação das edificações. Essas inovações consistiam no recuo, em relação aos vizinhos, mantendo a implantação paralela aos limites do terreno, e também nos jardins laterais, oferecendo um ambiente externo às residências. Sequenciado pelo afastamento das construções em relação às vias públicas, resultando em lotes maiores, jardins particulares e condições de iluminação e ventilação mais favoráveis. Junção das características coloniais dos casarios urbanos com as chácaras rurais.

As vias dessa cidade mineira à direita do Córrego do Lenheiro são, em sua maioria, retas e perpendiculares entre si, dotadas de terrenos mais generosos e edificações soltas no lote. Algumas vias mais antigas, como a Rua da Prata, apresentam as mesmas características coloniais de implantação, outras de ocupação mais recentes como a Rua Balbino da Cunha dotam de construções recuadas das divisas e com jardins externos. O mapa a seguir ilustra a malha orgânica de São João próxima à área de extração do mineral, localizada acima e à esquerda do Córrego do Lenheiro, demarcado pela linha azul. O traçado urbano mais recente, à direita do Córrego, apresenta vias mais ortogonais e lotes maiores.

Ilustração 1.36: Mapa das ruas de São João del-Rei, com vias irregulares, próximas à mina, e ortogonais, do lado direito do córrego.

Disponível em: <http://maps.google.com.br/maps>. Acesso em: 10 mar. 2013.

Data: 2013.

Em meio ao desenvolvimento industrial dos grandes centros, o avanço tecnológico e a consolidação do trabalho assalariado foram notórios. São João

del-Rei sofreu com a melhor infraestrutura de serviços básicos e mão de obra especializada dessas capitais e perdeu, progressivamente, seu destaque econômico no estado. No entanto, o seu crescimento populacional e urbano continuou em expansão, absorvendo o contingente do meio rural e localidades vizinhas. Na década de 1940, o perímetro urbano da cidade era composto pelo centro histórico e pelos bairros das Fábricas, Segredo, Vila Frei Cândido e Vila Dom Helvécio, o que comprova a expansão do perímetro urbano de São João. Os anos seguintes foram marcados pelo desejo de verticalização das áreas centrais e pela intensificação dos bairros periféricos para acomodação do excedente populacional.

Os edifícios de apartamentos e escritórios executados na área central em meados do século passado foram casos pontuais, por causa da coibição do órgão de preservação. Os mesmos mantiveram a relação com o lote, notada no período colonial, implantando a construção rente à divisa frontal e lateral. Já nas décadas seguintes, os prédios multifamiliares construídos em bairros periféricos ao centro e a área de tombamento municipal seguiram as características de locação do século XX, com os recuos laterais e frontais impostos por legislação vigente, além de jardins.

O mapa a seguir, de 1948, evidencia a intensificação do parcelamento e da implantação de loteamentos periféricos para a classe de menor poder aquisitivo.

Ilustradas abaixo a Vila Santa Terezinha e Vila Alberto Magalhães, elo com Matosinhos, à esquerda no mapa. Senhor dos Montes e São Geraldo, no centro inferior do mapa. Adicionado à Vila São Bento e Águas Gerais, Tejuco, à direita no mapa.

Ilustração 1.37: Planta de São João del-Rei.

Fonte: Tavares, 2012, p. 59.

Autor: Arquivo Prefeitura Municipal.

Data: 1948.

No final do século XX, o loteamento Colinas Del Rey, localizado no final da Avenida Oito de Dezembro, foi implantado, resultando em um condomínio fechado para a classe mais abastada. Uma reinterpretação em outra escala da "cidade jardim", de Ebenezer Howard e do primeiro "bairro jardim"’ brasileiro denominado Jardim América, projetado pelo urbanista inglês Raymond Unwin. Trata-se de bairro composto por praças, parques, intensa arborização em suas calçadas e traçado urbano diferenciado, circundado por amplas avenidas.

No Condomínio Colinas Del Rey, as casas foram implantadas no meio de um recuo frontal e nas laterais, rodeadas por jardins e, em uma das laterais, pelo espaço destinado ao automóvel. Largas avenidas interligam os lotes. As praças são o único ambiente de uso comum, diferenciando-se do conceito inicial de bairro jardim. Restrições de gabarito foram impostas, uso exclusivo residencial, taxa de ocupação e permeabilidade.

Ilustração 1.38: Condomínio Colinas Del Rey, com casas recuadas das divisas, largas avenidas arborizadas, restrições de uso, ocupação e permeabilidade, assim como praças de uso coletivo.

Disponível em: <http://portal007.blogspot.com.br/2012/11/condominios-de-luxo-delimitam-as-area.html>. Acesso em: 28 mai. 2013.

Autor: Desconhecido.

Data: Novembro de 2012.

Empreendimentos imobiliários fechados surgiram recentemente para o público de baixa renda, iniciativas pontuais locadas distantes do centro de São João.

A possibilidade de acomodação dos prédios foi explorada no amplo terreno formado por vários lotes, garantindo qualidade de insolação e de arejamento. No entanto, a interligação com o sistema viário, equipamentos de uso comum e comércio local ainda são muito precários.

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São João del-Rei

e a proteção patrimonial

Este capítulo pretende analisar o tombamento arquitetônico e urbanístico de São João del-Rei em suas três esferas: federal, estadual e municipal. Ele abrange o processo de retificação do tombamento federal, em 1947, que demarcou ruas e edifícios isolados protegidos, bem como a delimitação da poligonal de tombamento municipal do centro histórico da cidade e seu entorno. Para a contextualização do tema, serão abordados alguns aspectos sobre a proteção patrimonial no Brasil e o tombamento pioneiro dos seis conjuntos mineiros, de 1938.

2.1 Aspectos sobre a proteção patrimonial no Brasil

No contexto cultural e político do Brasil na primeira metade do século XX, dois fatos merecem destaque: o movimento modernista e a instauração do Estado Novo, esclarecendo as circunstâncias em que se implantou a política de proteção patrimonial e o IPHAN. A temática de um patrimônio histórico e artístico nacional se encontrava, ao mesmo tempo, dentro de um movimento cultural renovador e sob um governo autoritário, com a função de organizar a vida social e política.

A semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922, representou a renovação da linguagem, a busca pela experimentação, a liberdade criadora e a ruptura com o passado. A arte passou da vanguarda para o modernismo. Diversas foram às manifestações modernistas, conservadoras e regionalistas. Todos esses movimentos criticavam os modelos políticos e culturais da velha República, além de mobilizarem a opinião pública para a ideia de mudança.

O Estado Novo constituiu um período marcado pela centralização do poder, pelo autoritarismo e pelo nacionalismo. A representação política foi suprimida pela censura e a função de organizador da vida social e política abriu espaço tanto para os intelectuais adeptos do sistema quanto para outros que vislumbravam a possibilidade de participarem da construção da nação.

Neste sentido, a temática do patrimônio veio à tona no Brasil em meio a criação de uma nova linguagem nas expressões artísticas e na construção de uma tradição representativa da identidade da nação.

Neste momento, que alguns historiadores chamaram de

‘’redescoberta do Brasil’’, todo movimento de compreensão da sociedade brasileira se insere no contexto mais amplo de redefinição nacional. A revolução de 30, o Estado Novo, a transformação da infra-estrutura econômica colocam para os intelectuais a época o imperativo de se pensar a identidade de um estado que se moderniza. (ORTIZ, 1986, p. 130)

A noção de patrimônio enquanto herança do passado é datada de meados do século XVIII. Até então as ações voltadas diretamente à preservação de monumentos eram esporádicas e visavam apenas à conservação dos bens medievais e aristocratas. Com o advento da Revolução Francesa este cenário foi alterado, uma vez que o clero e a nobreza foram derrubados do poder e o povo tentou destruir os seus bens, confiscando-os. Desse modo, o novo Governo estabelecido se propôs a regular a proteção de tais bens, pautado na ideia de que a memória de um Estado se conservava mediante a preservação de depoimentos concretos de seu processo histórico de formação: os bens imóveis e as obras de arte. Tal ideia de preservação prosseguiu em desenvolvimento durante o século XIX e consolidou-se no século XX, quando posturas, legislações e atitudes mais abrangentes e concretas sobre a proteção do patrimônio foram postas em prática.

No Brasil, a proteção de monumentos de valor histórico e artístico começou a ser considerada politicamente relevante, implicando o envolvimento do Estado, a partir da década de 1920. No entanto, o poder público recebeu atribuições jurídicas de proteção a tais bens somente na Constituição de 1934, como bem relatado por Maria Cecília Fonseca (2009) abaixo. Até então não havia meios oficiais de proteger os bens imóveis nacionais e seus acervos.

Em termos jurídicos, a noção de patrimônio histórico e artístico nacional é referida pela primeira vez no Brasil (embora não exatamente com essa denominação), como sendo objeto de proteção obrigatória por parte do poder público, na Constituição de 1934. Diz o art. 10 das disposições preliminares: Art. 10 – Compete concorrentemente à União e aos Estados:

III. Proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico ou artístico, podendo impedir a evasão de obras de arte. (FONSECA, 2009, p.

37)

A viagem da dita caravana modernista às cidades mineiras despertou a admiração pela arte e arquitetura colonial brasileira e também pela importância do barroco. Os paulistas, cariocas e mineiros passaram a identificar em Minas Gerais o berço da civilização brasileira e reivindicaram a proteção dos monumentos históricos

e artísticos desse estado e, por consequência, do resto do país, com o intuito de preservar a identidade nacional.

O contato da "caravana modernista" com os políticos e literários de Minas, além de inserir o Estado na rota da modernidade, sensibilizou as autoridades locais para a necessidade de estabelecer mecanismos legais para a proteção do patrimônio, visto agora como símbolo da nacionalidade.

(NOGUEIRA, 1995, p.53)

Os intelectuais da época se pronunciaram a respeito do desamparo às cidades históricas por parte do Estado e sobre a dilapidação do que muitos consideravam como um tesouro da Nação, dano irreversível para as futuras gerações e de responsabilidade do Estado. Diante do exposto, o tema passou a ser pauta de debates nos órgãos políticos e na imprensa.

O poder público, atendendo às reivindicações do meio intelectual em prol da preservação do patrimônio, criou inspetorias estaduais de monumentos históricos em Minas Gerais (1926), Bahia (1927) e Pernambuco (1928). Acervos estaduais de monumentos históricos e artísticos também foram confeccionados. Tais inspetorias, como bem relata Sônia Rabello (2009), tiveram ações bastante restritas, uma vez que propunham a desapropriação dos bens, entrando em choque, com a prerrogativa do direito individual à propriedade privada.

Na esfera federal, as primeiras iniciativas surgiram nos museus nacionais na década de 1920. Um exemplo disso ocorreu quando Alberto Childe, conservador de antiguidades clássicas do Museu Nacional, foi designado a elaborar um anteprojeto de lei para a defesa do patrimônio histórico e artístico nacional. Maria Cecília Fonseca (2009) comenta que o mesmo fora desconsiderado por atrelar a "proteção à desapropriação" (p. 95).

Na década de 1930, como bem relatado pela autora, surge o primeiro órgão federal de proteção ao patrimônio. A responsabilidade oficial pelas políticas de proteção da herança cultural do país estava a cargo do Museu Histórico Nacional, dirigido por Gustavo Dodt Barroso. Em 1934, foi criada a Inspetoria de Monumentos Nacionais, guiada por uma perspectiva tradicionalista e patriótica. Este órgão teve uma atuação curta e sem destaque, dotado de poucos recursos, restringindo-se a Ouro Preto. Em consequência da criação do atual IPHAN, na época chamado de SPHAN, esta inspetoria foi extinta em 1937.

Em 1933, Ouro Preto foi elevada à categoria de monumento nacional, por meio do Decreto n. 22.928, de 12 de julho de 1933, ação do governo federal em prol da proteção do patrimônio.

Vários intelectuais vinculados ao modernismo estabeleceram ligações com o governo. Foi o caso de Gustavo Capanema, que substituiu Francisco Campos no Ministério da Educação e Saúde Pública (MES), exercendo o desejo de setores da elite intelectual e política na temática da proteção de bens históricos e artísticos, assim como na participação do Estado na questão.

Várias foram as circunstâncias, portanto, que levaram à escolha dos modernistas para assumirem esse projeto no governo Vargas. Decisiva, como já mencionei, foi a ascensão ao MES de Gustavo Capanema, personagem politicamente forte no governo getulista e identificado intelectual e afetivamente com vários escritores e artistas modernistas.

(FONSECA, 2009, p. 96)

Gustavo Capanema assumiu papel de destaque na promoção de uma política oficial do patrimônio. Coube a ele a escolha dos modernistas na organização e estruturação do IPHAN. Este ministro privilegiou, ainda, o modernismo na arquitetura, delegando aos arquitetos dessa vertente a construção da nova sede do Ministério da Educação e Cultura (MEC), e renegando, desse modo, o projeto de Arquimedes Memória, o vencedor oficial do concurso.

Em 1936 lograram os "modernistas" ser considerados os mais aptos a erigir os novos monumentos do Estado, assim como foram considerados

"dignos" pelo Estado para tornarem digna, em seu nome, a produção do passado que seria por ele protegida para a prosperidade. (CAVALCANTI, 2000, p. 12)

Outro item que contribui para legitimar a escolha do Estado pela parceria com os modernistas foi a superioridade qualitativa de que gozavam, visto a produção intelectual e o prestígio que tinham. Nas palavras de Cavalcanti, os modernistas estavam imbuídos de um projeto de nação incomparavelmente "mais globalizante, sofisticado e inclusivo da complexa realidade brasileira" (p. 20).

2.1.1 Criação do IPHAN

Em 1934, a Constituição Federal instituiu que seria de responsabilidade do poder público o desenvolvimento da cultura e a proteção do patrimônio histórico e artístico. O ministro Gustavo Capanema, de posse do Ministério da Educação e Saúde, ficou responsável pelas medidas a este respeito. Capanema solicitou a Mário de Andrade, diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, que elaborasse um anteprojeto para o futuro IPHAN, com o objetivo de construir um patrimônio que sustentasse o passado de uma nação moderna chamada Brasil.

Mário viajou pelo Brasil buscando o conhecimento e a proteção da herança cultural do país. Visitou Minas Gerais, juntamente com Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, em 1924. O historiador e poeta destacou a necessidade de uma nova análise da produção brasileira, alheia à visão eurocêntrica. Ressaltou a diversidade nacional gerada por meio da geografia, das classes, das questões políticas e das manifestações culturais, além de destacar o grande desafio para uma nação madura: vencer a dualidade entre a adoção de um modelo externo e a especificidade da identidade brasileira.

Mário de Andrade formulou o anteprojeto em 1936 visando organizar o então IPHAN. Pelas definições do autor, feitas no documento, patrimônio artístico nacional abrangeria "todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil" (apud CAVALCANTI, 2000, p. 37-52). Como bem relatado pelo autor, quatro livros de tombo foram propostos, abrangendo oito categorias de classificação e tratando de bens tangíveis e intangíveis. São elas: arte arqueológica, arte ameríndia, arte popular, arte histórica, arte erudita nacional, arte erudita estrangeira, artes aplicadas nacionais e artes aplicadas estrangeiras. Mário ainda estabeleceu a estrutura técnico-administrativa para o órgão e as normas de como deveria ser a preservação do patrimônio.

Em suma, o intelectual paulista enxergou claramente a riqueza das expressões e das manifestações culturais e a importância da diversidade, além dos monumentos e das obras de arte. Seu amplo conceito de patrimônio estava à frente

das concepções culturais da época. O objetivo inicial de organizar o Instituto do Patrimônio foi superado pelo anteprojeto de Mário de Andrade. Ele acabou excedendo suas funções e criando debates que persistem até os dias de hoje, como podemos observar nas palavras de Cecília Santos.

Se a função do Anteprojeto era conformar a primeira tentativa efetiva de institucionalização do patrimônio no Brasil, servindo de base para o texto da legislação, ele acaba extrapolando, suas atribuições e criando polêmicas que persistem até os dias de hoje, como soe acontecer com Mario de Andrade. (SANTOS, 2007, p. 7)

O IPHAN começou a funcionar em 1936, em caráter provisório, sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade, sendo atrelado ao Ministério da Educação e Saúde no ano seguinte. Rodrigo de Andrade criou oficialmente o órgão por meio do Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro 1937, não apresentando as mesmas diretrizes do anteprojeto de Mário de Andrade. Esse decreto foi o primeiro instrumento legal de proteção do patrimônio cultural no Brasil e nas Américas, tendo seus preceitos fundamentais mantidos até hoje. Neste, o patrimônio nacional foi definido como o:

Art. 1. [...] conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação é de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (BRASIL. Decreto-Lei n. 25, de 30 de novembro de 1937)

O que nos leva a concluir que o conceito de patrimônio utilizado no decreto é mais reducionista que o do anteprojeto, pois fala apenas de bens móveis e imóveis, traduzidos em patrimônio histórico e artístico, mas descuidando-se dos bens de natureza imaterial, correlacionado ao patrimônio cultural. Desse modo, a abrangência do decreto de Rodrigo Franco de Andrade excluiu a proteção dos saberes, manifestações folclóricas, formas de expressão, entre outros.

Outra ideologia antagônica referiu-se às obras populares. O anteprojeto propôs a preservação das "obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita". Já no Decreto 25, Rodrigo Franco de Andrade estabeleceu um instrumento

Outra ideologia antagônica referiu-se às obras populares. O anteprojeto propôs a preservação das "obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita". Já no Decreto 25, Rodrigo Franco de Andrade estabeleceu um instrumento

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