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Século XX: ideais de modernização e embelezamento

1.1 Evolução urbana do Arraial Novo de Nossa Senhora do Pilar

1.1.3 Século XX: ideais de modernização e embelezamento

A ferrovia trouxe progresso para São João del-Rei, desenvolvimento econômico e aumento dos índices demográficos, como abordado anteriormente.

Como resultado, diversas transformações urbanas e arquitetônicas puderam ser observadas ao longo da primeira metade do século XX. Os modelos estéticos dos grandes centros, ideais de modernidade, embelezamento, novos materiais e técnicas foram rapidamente disseminados devido ao estreitamento da ligação entre as cidades, incentivados pelo transporte ferroviário. Em 1913, estimava-se a existência de cerca de três mil edificações em São João (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1983, p. 13).

Ilustração 1.21: Vista panorâmica de São João.

Fonte: Arquivo de Sávio Assis.

Autor: André Bello.

Data: Início do séc. XX.

No campo urbanístico, o calçamento de São João foi alterado de pé de moleque para paralelepípedo, praças foram implantadas após a demolição de edificações, como a Praça Dr. Salatiel, em 1914, Severiano Resende, em 1930, Mercês e dos Andradas, em 1941. Ruas e avenidas foram abertas, largas e retas, como as Avenidas Hermínio Alves e Tiradentes. Outras, já existentes, foram retificadas, como a Getúlio Vargas, na década de 1930, e a Osvaldo Cruz, em 1945.

Esses fatos evidenciam o descaso com a preservação da história e a formação urbana da cidade.

Uma analogia pode ser feita com a descrição de Benedito Lima de Toledo sobre São Paulo: "um palimpsesto – um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra nova" (1983, p.77). São João, em outras proporções, passou por várias alterações do desenho urbano, raspando parte da história original urbana e reconstruindo um novo cenário.

Nem o desenho urbano das áreas mais antigas se preservou em sua totalidade. Houve interferências nos traçados das ruas, fechamento de becos e servidões, demolição de quadras (Praça Dr. Salatiel e Largo da Cruz), desalinhamento das edificações (projeção dos andares superiores), abertura das ruas (aumentando o fluxo de veículos sobre áreas preservadas). (MALDOS, 1997, p. 6)

As Ilustrações 1.23 e 1.24 evidenciam as modificações no Córrego do Lenheiro. No tempo da vila e das primeiras décadas como cidade, o mesmo era utilizado para banho e lavagem de roupa, levando à suposição de sua limpidez. No início do século passado, entretanto, a poluição e as inundações levaram sua canalização, medida que amenizou a questão estética e das cheias, apesar de ter sido mantido o “esgoto a céu aberto”.

Ilustração 1.22: Córrego do Lenheiro nos primórdios da vila.

Disponível em: <http://www.saojoaodelreitransparente.com.br/galleries/view/96>. Acesso em: 6 jun.

2013.

Autor: Desconhecido.

Data: séc. XVIII.

Ilustração 1.23: Córrego do Lenheiro (séc. XX), canalizado e com densa ocupação ao redor.

Fonte: Flôres, 2007, p. 48.

Autor: André Bello.

Data: Início do séc. XX.

Os jornais locais, como A Tribuna (1914-1938), O Correio (1926-1963) e o Diário do Comércio (1938-1964), relataram as transformações urbanas da cidade, mencionando um verdadeiro canteiro de obras.

É verdadeiramente notável a intensificação que, nos últimos tempos, têm tido os serviços públicos empreendidos pela patriótica municipalidade local. Assim é que, em vários pontos da cidade, se notam muitas obras da Câmara, em andamento. O número de operários multiplica-se. E por toda parte se sente aquela febre de úteis reformas, destinadas ao modernizamento da vetusta "Princesa do Oeste". (Obras municipais. In: A Tribuna, 11 set. 1924)

Ilustração 1.24: Vista Parcial de São João del-Rei.

Fonte: Arquivo de Sávio Assis.

Autor: Desconhecido.

Data: 1920 – 1930.

No campo da arquitetura, em meio às mudanças urbanísticas que misturavam prescrições da ciência médica e padrões morais de convivência, edificações foram demolidas para abertura de áreas verdes. Casas e vias foram retificadas e/ou alinhadas, como ocorrido na Rua Direita, por volta dos anos 1930, atual Getúlio Vargas. Modelos estéticos de construção empregando novos materiais foram implantados.

Quem conheceu São João del-Rei, há anos, e a revê hoje não pode deixar de proclamar bem alto o elaborado surto de progresso da bela, encantadora e culta cidade, que “de roceirinha bonita de seu natural”, se transformou em dama formosa e elegante. [...] As indústrias surgem como por encanto, os bairros se povoam, novas ruas são abertas, dilatando-se assim a área da cidade. Notam-se em cada um dos seus trechos belas e luxuosas edificações de construção moderna. (1939 apud TAVARES, 2012, p. 22)

A rica pesquisa de Denis Tavares (2012) sobre os processos de requerimento solicitados à Prefeitura Municipal de São João no período de 1941 a 1946 permite-nos constatar o recorrente anseio por alteração arquitetônica no eixo central da cidade. O autor coletou 61 requerimentos solicitando modificações na fachada, ora almejando reforma ora demolição, dos quais "44 se remetiam a solicitações de intervenção em imóveis do centro da cidade, o que corresponde a mais de 70% dos

requerimentos em um curto intervalo de tempo." (TAVARES, 2012, p.57). O relato endossa o cenário de mudança acelerada e de remodelação do centro. Os chamados “planos de melhoramento urbano” foram ufanados pelos jornais como recurso de destruição para aquilo que se destoava na cidade, abrindo espaço para a

“dimensão da criatividade”, em detrimento da preservação do patrimônio histórico e artístico.

Em meio às obras urbanas e arquitetônicas, relatadas no decorrer deste texto, o conjunto de São João del-Rei foi tombado pelo IPHAN em 1938. Essa medida, em um primeiro momento, abrangente, foi, posteriormente, retificada em 1947, delimitando-se a área a ser preservada. Ruas do centro histórico e comercial foram salvaguardadas, criando um cenário de embates em torno da preservação e do progresso, temática que será ser abordada nos próximos Capítulos.

O advento da ferrovia proporcionou o desenvolvimento de novas localidades e a direta ligação das mesmas com o Rio de Janeiro e grandes centros. São João del-Rei não mais se manteve como um dos principais polos produtores e fornecedores de gêneros para os mercados cariocas, perdendo, assim, progressivamente a prosperidade econômica, não mais reerguida, e restringindo-se ao abastecimento das cidades menores ao seu redor, como podemos notar abaixo.

[...] decresce o comércio, dia a dia, cessaram por completo as construções, reduz-se a renda pública e a vida inteira da cidade e do município desfalece sob o império da desordem e da insegurança [...]. (1920 apud SOBRINHO, 1997, p. 48).

Durante a primeira metade do século XX, a cidade em estudo manteve transações comerciais com "inúmeros distritos vizinhos" e grandes centros econômicos, na tentativa de reverter o quadro econômico desfavorável que se instalava, abalado pelos novos territórios desenvolvidos e pela direta integração entre eles estreitada pelo transporte ferroviário.

O seu ponto comercial é o eixo das transações de inúmeros distritos circunvizinhos e de muitos outros mais distantes. O comércio são-joanense, notavelmente ativo e progressista, vai desenvolvendo o seu raio de ação e assim envia viajantes a percorrer a grande zona de que é o centro mais importante, estreitando cada vez mais excelentes relações de negócios.

Numerosas casas comerciais que se limitavam a realizar vendas na cidade já se têm transformado em casas exportadoras e, dia a dia, outras vão surgindo ou se aparelham para mais intenso movimento. O comércio

são-joanense sempre gozou do máximo crédito nas grandes praças do país:

Rio, S. Paulo e outras. (GONZAGA, 1920 apud SOBRINHO, 1997, p. 47)

A partir dos anos 1940, algumas indústrias de produção diversificada sofreram com a crescente fabricação manufatureira desenvolvida nos eixos São Paulo, Rio de Janeiro e em Minas, no polo econômico de Belo Horizonte. Esses centros eram favorecidos por uma melhor infraestrutura de serviços básicos e mão de obra especializada. O meio rural da cidade de São João apresentou sinais de estagnação da atividade agrícola, resultando no êxodo rural. A pecuária leiteira, no entanto, foi mantida até hoje e é consumida pelos laticínios locais.

A expansão urbana continuou ocorrendo, demandada pelo excedente populacional direcionado ao município, assim como o desejo são-joanense de recuperação e de prosperidade econômica. Na década de 1940, o perímetro urbano da cidade era composto pelo centro histórico e pelos bairros das Fábricas, Segredo, Vila Frei Cândido e Vila Dom Helvécio, contendo seis avenidas, setenta ruas e dezoito praças, dados relatados pela fundação João Pinheiro (1983). O perímetro suburbano em crescimento abrangia o Bonfim, ilustrado abaixo, e o parcelamento e implantação de loteamentos, notados nos anos seguintes, nos subúrbios da Vila São Bento, Águas Gerais, Senhor dos Montes, São Geraldo, Vila Bela Vista, Vila Santa Terezinha, Vila Alberto Magalhães e Matosinhos. "Matosinhos se firmaria anos depois como núcleo, somado ao Centro." (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1983, p.

8-9).

Ilustração 1.25: Entorno da Igreja de São Francisco, com expansão superior do bairro do Bonfim.

Fonte: Queiroz, 2010, p.13.

Autor: Desconhecido (IPHAN).

Data: 1950.

A abertura do complemento de via da Avenida Tiradentes, interligando bairros e formando outro importante eixo, foi um feito relevante do final dos anos 1940 e início da década de 1950. Tratava-se de via de uso misto, residencial, institucional e comercial, que atraía o público jovem pelos bares e restaurantes. Esse período caracterizado também pelo calçamento de várias ruas, construção de passeios e de galerias pluviais, assim como pelo fechamento, sob o aval da prefeitura, do beco que interligava a Rua Direita à Rua Marechal Deodoro.

A renovação urbana nas cidades no pós-guerra acarretou um grande avanço na prática do urbanismo. Segundo Françoise Choay (1965), esse período caracterizou-se como um marco de uma explosão de ideias e de doutrinas teóricas, em que o urbanismo passou a ser o centro das atenções de arquitetos, engenheiros, geógrafos, sociólogos, historiadores, filósofos e escritores, como uma verdadeira ciência. Um caráter mais crítico sobre os problemas urbanos foi desenvolvido, e mais analítico, com grande contribuição teórica de várias áreas do conhecimento.

O crescimento da malha urbana de São João foi evidenciado por meio da incorporação de outros bairros: Nossa Senhora de Fátima, Jardim América, Vila Santo Antônio, Vila Alberto Magalhães, Vila Militar de Sargentos e Bairro do Tejuco.

Esse último resultou da expansão do Centro, no sentido São Paulo. Os anos 1950 foram marcados por um aumento considerável das edificações, segundo a Fundação João Pinheiro (1983), chegando a 5.850 unidades distribuídas em 215 logradouros, dos quais 74 eram pavimentados. Nessa mesma década, a expansão das rodovias pode ser notada, absorvendo quase a totalidade do tráfego de passageiros e cargas leves. A ferrovia limitou-se ao transporte pesado, em especial ao de minério. Em 1943, foi inaugurado um campo de pouso na cidade.

O IBGE contabilizou, na década de 1960, 38 estabelecimentos comerciais atacadistas e 756 varejistas na região, dos quais 649 localizavam-se na cidade de São João. Esse período é marcado pela diversificação da base industrial da cidade.

[...] a partir da década de 60, São João passou a apresentar base industrial bastante diversificada, apoiada, basicamente, em quatro ramos principais tecidos, mineração e siderurgia, madeira e móveis, objetos de prata e estanho. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1983, p. 28)

No final dos anos 1960, a ponte Presidente João Pinheiro, antiga Água Limpa, foi construída ligando o centro a Matosinhos, evidenciando a expansão e junção

sequencial dos núcleos. Além dela, a ponte Padre José Anchieta, antiga Nossa Senhora do Pilar, passou a ligar a Rua Padre José Maria e a Praça Fausto Mourão, contribuindo para o crescimento da margem direita do Córrego do Lenheiro.

Ilustração 1.26: Ponte do Rosário antes da construção da Ponte Padre José Anchieta à direita.

Fonte: Arquivo de Sávio Assis.

Autor: André Belo.

Data: Início do séc. XX.

Ilustração 1.27: Ponte do Rosário ao fundo e Ponte Padre José Anchieta.

Disponível em: <http://maps.google.com.br/maps?um=1&hl=PT>. Acesso em: 20 jul. 2012.

Data: 2012.

Na década de 1970 e 1980, São João del-Rei cresceu ao redor dos núcleos do Centro, Matosinhos, Colônia do Marçal e Santa Cruz de Minas. A rodoviária foi

deslocada para o bairro das Fábricas, apresentando uma posição estratégica de junção entre esses três núcleos.

Ilustração 1.28: Crescimento ao redor dos núcleos, vislumbrando a junção entre eles.

Fonte: Fundação João Pinheiro, 1984, p. 46.

Autor: Luiz Fernando Costa.

A ferrovia do aço foi construída para escoamento da produção de minério de ferro de Minas Gerais, assim como a Siderúrgica Bozel, produtora de cálcio silício e outros tipos de ferros-liga. A Funrei, atual Universidade Federal de São João del-Rei, foi fundada em 1987. Essas duas atividades movimentaram e apresentam impacto até hoje na economia local.

Como já mencionado, após o advento da ferrovia e à medida que a cidade foi crescendo, o comércio central, que se concentrava no núcleo histórico, expandiu-se pela margem esquerda do córrego do Lenheiro. Progressivamente, passou a abranger as duas direções opostas, formando na cidade uma ligação comercial que passou a se estender desde o bairro do Tejuco até o bairro das Fábricas, extrapolando, assim, a área tombada em nível federal e municipal. Esse processo abrangeu a Avenida General Osório e a Rua Manoel Anselmo, prolongando-se pela Avenida Presidente Tancredo Neves e a Rua Paulo Freitas. Chegou ainda à Avenida

Leite e Castro, facilitando a circulação de mercadorias e determinando o eixo preferencial do comércio atacadista.

Ilustração 1.29: Expansão do comércio.

Fonte: Fundação João Pinheiro, 1984, p. 47.

Autor: Luiz Fernando Costa.

Na primeira década do século XXI, a Avenida Oito de Dezembro passou a apresentar uso comercial e pontos institucionais, configurando um novo eixo, até então de uso exclusivamente residencial.

Atualmente, São João é um polo de comércio atacadista, varejista e de serviços, restringindo-se ao abastecimento dos seus distritos e o de alguns municípios vizinhos, como Conceição da Barra, Ritápolis, Coronel Xavier Chaves, Santa Cruz de Minas, Tiradentes, Nazareno e Resende Costa. A universidade federal e as demais instituições de ensino atraem estudantes de várias regiões do país. Micro e pequenas indústrias estão presentes na cidade e outras poucas de médio porte. Segundo dados do IBGE, censo 2000, o setor de prestação de serviços e comércio, juntos, empregam 40% da população, já a indústria de transformação 10% e as atividades primárias apenas 7%.

O patrimônio histórico cultural, em parte preservado, e os atrativos naturais faz do turismo uma atividade com possibilidade de expansão. Ele, o turismo, é considerado por muitos como um dos caminhos para a recuperação da histórica prosperidade econômica.

A tradição local seria sempre valorizada, pois aqueles anos todos consolidavam uma civilização experiente, madura, capaz de seguir adiante.

Cidade antiga era uma coisa. Cidade velha, do passado, outra. Assim, temos como lançar bases para um contraponto entre os diferentes olhares lançados à paisagem sanjoanense. (FLÔRES, 2007, p. 62)

São João del-Rei, ao contrário de muitas vilas mineiras, superou o declínio da mineração. Pela vasta produção agropecuária abasteceu a Corte e consolidou-se como entreposto comercial no século XIX, atraindo indústrias e o transporte ferroviário. Chegou ao século XX como um dos municípios de maior destaque no estado, além de ser reconhecido nacionalmente. O quadro econômico desfavorável, configurado na primeira metade do século passado, fez ressurgir no são-joanense o desejo por superação e progresso, como historicamente ocorreu no final do ciclo do ouro.

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